9 min de leitura

Viagens no tempo são (muito) úteis para líderes

Quando utilizada com sabedoria e ética, a máquina do tempo imaginária pode ajudar a minimizar problemas do passado e criar energia construtiva para o futuro

Robert Sutton
29 de julho de 2024
Viagens no tempo são (muito) úteis para líderes
Este conteúdo pertence à editoria Liderança e cultura Ver mais conteúdos
Link copiado para a área de transferência!

A primeira vez que observei um líder utilizando a viagem no tempo foi em 1990, quando eu e um colega fizemos um projeto de pesquisa etnográfica de 18 meses na Ideo. Hoje, a Ideo é uma consultoria grande e renomada, mas nessa época, era uma empresa relativamente pequena de design de produtos com cerca de 100 funcionários.

O fundador da Ideo (e então CEO) David Kelley utilizou essa ferramenta intrigante quando os designers seus funcionários reclamaram sobre coisas que os incomodavam, como clientes difíceis ou problemas técnicos complicados. Kelley reconhecia sua dor imediata, mas logo tirava a conversa do presente e a concentrava no passado ou no futuro.

Mais tarde, Kelley destacaria três iniciativas que tomava e que pareciam acalmar – e motivar – os criativos aflitos:

1. Ele sugeria que, em aproximadamente um mês, quando os designers analisassem o que os incomodou, aquilo não pareceria importante – apenas um período difícil.2. Ele lembrava tais designers dos problemas que já tinham passado com clientes ou dos desafios técnicos irritantes, enfatizando como, persistindo e trabalhando juntos, eles os enfrentaram, fizeram um bom trabalho e se divertiram. 3. Ele falava sobre novos projetos empolgantes que a Ideo ia lançar, com os quais os designers gostariam de trabalhar.

Uma miscelânea de pesquisas sobre ciência comportamental sugere que Kelley foi bem inteligente ao mudar o foco de seus designers do presente para o passado e para o futuro. Na verdade, todo líder pode aproveitar a capacidade humana de “transcender o aqui e agora” incentivando os outros a participarem da “viagem mental no tempo”, conforme observam os psicólogos Emma Bruehlman-Senecal e Ozlem Ayduk.

O poder da impermanência

Ao estimular os criadores a imaginarem quão menos desagradáveis os problemas atuais parecerão no futuro, o CEO da Ideo estava utilizando o que psicólogos chamam de _distância temporal_ – lembrando-os de que a dor de uma experiência atual desapareceria com o passar do tempo. Seis estudos de Bruehlman-Senecal e Ayduk confirmam que quando as pessoas se concentram na impermanência de um fato angustiante, como um desempenho ruim em uma prova ou o término de um relacionamento, elas se sentem menos chateadas e menos preocupadas com a possibilidade de isso persegui-las no futuro. De modo semelhante, líderes empresariais podem aliviar a picada de problemas atuais lembrando os outros (e a si mesmos também) de que “essa dor também passa”.

Os outros dois pontos que Kelley observou tiraram a atenção que os designers mantinham no presente e colocaram-na em experiências semelhantes do passado e do futuro da Ideo. Pesquisas sobre o fenômeno “cor-de-rosa” de Terence R. Mitchell e seus colegas da University of Washington sugerem que Kelley estava utilizando uma psicologia sólida. Os pesquisadores estudaram reações emocionais para experiências como férias em países estrangeiros e uma viagem de bicicleta de três semanas. Mitchell e seus colegas descobriram que as pessoas eram mais positivas em relação às suas férias e jornadas ciclísticas quando as previam ou se lembravam delas do que durante as férias e as pedaladas efetivamente.

A antecipação cor-de-rosa ocorre porque a maioria das pessoas têm ilusões positivas em relação ao futuro. Elas acreditam, conforme escreveram os psicólogos Shelley E. Taylos e Jonathan D. Brown, que “o futuro será incrível, especialmente para mim”. As pessoas – especialmente aquelas com boa saúde mental – são propensas a saborear um evento antes de acontecer e minimizar os riscos e irritação consequente – como por exemplo, no caso de uma viagem de bicicleta, as dores resultantes e as companhias irritantes que podem ter de aguentar.

A retroatividade cor-de-rosa acontece porque, quando as pessoas olham para uma experiência passada, elas as reconstroem, definindo as partes que são lembradas e as esquecidas, e ajustam suas avaliações sobre quais partes eram boas e ruins, bem como suas análises gerais. Falar com outras pessoas que compartilharam a experiência, ou com pessoas que apenas escutam e fazem perguntas, molda memórias reconstruídas. Pessoas têm memórias mais felizes de experiências passadas porque colocam menos peso em elementos ruins. Elas editam suas memórias em parte para justificar a si mesmas decisões passadas, em parte para proteger sua autoestima, e em parte para convencer os outros a tomarem boas decisões e estarem felizes e confortáveis.

NO TRABALHO

Infelizmente, o mundo “cor-de-rosa” é uma faca de dois gumes. Alguns líderes andam explorando mais do que nunca o otimismo de seus funcionários quanto ao futuro e sua propensão a não lembrarem bem do passado. Eles atraem funcionários para trabalharem para outro cliente cruel ou outro projeto ruim com promessas vazias de que as coisas serão melhores da próxima vez. Eles não conseguem reconhecer que as experiências do passado são manchadas por incompetência, erros ou sistemas quebrados. Em vez de identificarem e resolverem os problemas, tais líderes distorcem os fatos de maneiras que condenam seus funcionários (e muitas vezes a si mesmos) a viverem os mesmos problemas novamente.

Dito isso, quando usadas com precauções adequadas, líderes sábios e éticos podem utilizar essas ferramentas para mudar o foco de seus funcionários e ajudá-los a minimizar e esquecer os momentos ruins que poderiam persegui-los, distraí-los e desencorajá-los, bem como para ajudá-los a aumentar a energia construtiva e o entusiasmo por aventuras futuras. Afinal, parte do trabalho de um líder é motivar o grupo e fazê-lo seguir adiante apesar dos contratempos, fracassos e fatos de partir o coração.

PRE-MORTEM DE FRACASSO

Mas os líderes podem usar essa máquina do tempo imaginária para além de alimentar bons sentimentos, otimismo construtivo e persistência. Alguns utilizam para identificar riscos perigosos e enganos a fim de evitar fracassos futuros, por meio de um “pre-mortem” de fracasso. O “pre-mortem” é o método preferido do psicólogo e ganhador do Prêmio Nobel Daniel Kahneman para tomar decisões melhores (ele dá créditos ao psicólogo Gary Klein por inventá-lo e desenvolvê-lo).

Um pre-mortem de fracasso funciona mais ou menos assim: o líder e sua equipe devem imaginar que se transportam a, digamos, um ano depois de tomarem uma decisão, em uma situação em que a decisão acabou sendo um fracasso inequívoco. O líder pede que as pessoas se imaginem olhando para esse futuro terrível a fim de desenvolver listas detalhadas e histórias sobre o que aconteceu e por quê.

Exercícios de simulação pre-mortem, preventivos por natureza, melhoram decisões em parte porque dissecam um evento como se ele _tivesse_ acontecido e não como se _pudesse_ acontecer. Isso faz com que o desastre pareça mais concreto e provável de realmente acontecer, o que motiva as pessoas a dedicarem mais atenção a entender suas nuances. Experimentos da professora de marketing Deborah J. Mitchell e colegas trouxeram à tona que, em relação a olhar para um evento que pode acontecer, imaginar que o mesmo evento já aconteceu “aumenta em 30% a habilidade de identificar corretamente os motivos para resultados futuros”.

Além disso, quando um pre-mortem é convocado por um líder que inspira confiança, opositores e pessimistas se sentem livres para falar o que realmente pensam. O pre-mortem bem administrado cria uma competição onde as pessoas marcam pontos por identificar riscos e obstáculos que os outros não identificaram. Conforme afirma o psicólogo Klein: “Toda a dinâmica muda; vai de tentar evitar qualquer coisa que possa atrapalhar a harmonia para tentar fazer emergir problemas potenciais”.

Por fim, todos – líderes e funcionários – podem utilizar a viagem imaginária no tempo para gerenciar a si mesmos, não só aos outros. Hayagreeva “Huggy” Rao, de Stanford, e seus alunos recentemente realizaram uma pesquisa de campo sobre o impacto de escrever pre-mortems de pessoas. O experimento envolvia mais de 750 novas contratações em uma grande empresa de software. Descobertas preliminares sugerem que novas contratações se beneficiaram de olhar para o futuro imaginário e explicar por que seu primeiro ano em um emprego tinha sido um fracasso ou um sucesso. Novos funcionários aos quais era atribuída, aleatoriamente, a tarefa de escrever pre-mortems, de fracasso ou sucesso, tiveram aumentada a possibilidade de receber grandes aumentos de salário – mais de 10% – em relação aos novos funcionários que não escreviam pre-mortems.

UM CASO DA FORÇA AÉREA

Concentrar-se na impermanência de uma experiência ruim pode ajudar a controlar emoções e proteger sua sanidade. Um ex-cadete da Academia de Força Aérea dos EUA que estava determinado a graduar-se e pilotar aviões me escreveu falando como ele usava esse truque da mente para sobreviver a encontros com vários colegas cadetes que o repreendiam e insultavam. Durante episódios de testes com esses idiotas inflamados, ele imaginava que seus algozes não estavam lá, visualizando que estava alguns anos no futuro pilotando um avião. Funcionou: ele se formou na academia e trabalhou 20 anos como piloto da Força Aérea.

Robert Sutton
Robert Sutton é um psicólogo organizacional e professor de ciência da gestão e engenharia na Stanford University, onde ele ainda codirige a iniciativa Designing Organizational Change.

Deixe um comentário

Você atualizou a sua lista de conteúdos favoritos. Ver conteúdos
aqui