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“Você é muito boa no que faz. Vamos mantê-la aí”

As mulheres estão avançando rumo ao topo, mas muito lentamente, mesmo com as evidências da vantagem competitiva disso. Cabe às empresas focar mais o trio habilidade-motivação-oportunidade de suas funcionárias

Paul Ferreira
29 de julho de 2024
“Você é muito boa no que faz. Vamos mantê-la aí”
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O debate sobre como promover uma maior inserção das mulheres em posições de destaque dentro do mundo corporativo está em pauta nos mundos acadêmico e empresarial já faz alguns anos. Apesar dos progressos nas últimas décadas, há ainda muito para ser feito para se assegurar igualdade de gênero.

O processo é lento. E parece ser ainda mais lento quando olhamos para o Brasil. Em 2016, a maioria das empresas brasileiras ainda não possuía iniciativas para promover uma maior presença feminina e as poucas que atuavam na questão estavam mais próximas de ações pontuais do que de políticas bem planejadas.

CENÁRIO ATUAL

Ao mesmo tempo que as empresas enfrentam carência de profissionais especializados e a dificuldade de retenção de talentos, as mulheres têm investido mais em sua educação. O número de mulheres com ensino superior tem aumentado em relação aos homens, inclusive em áreas que envolvem habilidades de tecnologia, engenharia e matemática, altamente demandadas pelas empresas.

Porém, chama a atenção a segregação de cargos no mundo corporativo, onde há pouca representatividade feminina nas áreas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e nas posições de C-level. O diferencial de gênero no nível de executivo-chefe está presente em todo o mundo, com diferenças ainda mais marcantes nas empresas grandes, nas quais apenas 16% dos CEOs são mulheres, ante 26% em empresas pequenas.

Ou seja, apesar do número de mulheres no mercado de trabalho estar crescendo, a presença feminina em cargos estratégicos e de liderança ainda é baixa. Quanto mais alto o nível hierárquico, menor a participação feminina.

No Brasil, a participação das mulheres em cargos estratégicos aumentou nos últimos anos, mas ainda está muito distante o atingimento da igualdade de gênero: em 2019, mulheres representavam 23% no nível da vice-presidencia, 26% no nível da diretoria, e 13% em conselhos.

A (NÃO) PRESENÇA E O “PENHASCO DE VIDRO”

Vale analisar a lentidão do processo do ponto de vista de três dinâmicas principais.

Dinâmica ao nível institucional

Recente relatório publicado pela United Nations for Development Programme apontou que quase 90% dos homens e mulheres do mundo possuem algum tipo de viés desfavorável à figura feminina. O “viés inconsciente” de que mulheres não pertencem a posições sênior existe e é uma herança do estereótipo da figura feminina, que a sociedade tem sustentado por séculos.

Confirma-se, então, a existência de barreiras invisíveis que as mulheres enfrentam em diversas esferas, como no ambiente doméstico, na política, nos estudos e no mundo corporativo, impactanto, inclusive, decisões de contratação e promoção em detrimento as mulheres. Em 50 países onde as mulheres adultas possuem mais anos de educação formal que os homens, elas ainda recebem em média 39% menos, apesar de se dedicarem mais tempo ao trabalho.

As normas sociais são fundamentais para o entendimento dessa dinâmica, presente tanto nos países ricos como nos pobres. A sociedade que tem buscado cada vez mais incentivar jovens adolescentes a perseguirem seus sonhos e se tornarem o que quiserem ser é a mesma que bloqueia o acesso de mulheres a posições de poder.

Dinâmica ao nível da organização

As mulheres são tipicamente representadas em funções de gestão e suporte, enquanto os homens estão mais concentrados nas áreas estratégicas, como operações, pesquisa e desenvolvimento e gestão de P&L [lucros e perdas, na sigla em inglês], de onde saem, em geral, os profissionais para ocupar posições de CEO ou diretoria.

Um dos fatores que influencia tal padrão é o fato de os caminhos de desenvolvimento de carreira para homens serem muito mais orientados para atingir posições consideradas mais estratégicas e com responsabilidades de P&L, enquanto muitas das mulheres nem sequer recebem qualquer orientação. Como resultado, observa-se uma dominância masculina em cargos que costumam levar à posição de CEO, como diretor de operações (COO) ou diretor de finanças (CFO).

As poucas mulheres que conseguem uma promoção para o C-level estão concentradas em departamentos como recursos humanos, administração e jurídico, que raramente consistem em um caminho para liderar a companhia, já que não são diretamente responsáveis pela geração de lucro.

A cultura corporativa também cria obstáculos às mulheres. Mesmo quando elas são reconhecidas como profissionais bem qualificadas e competentes, elas não são encorajadas a almejar maiores responsabilidades. Na verdade, seus superiores podem preferir mantê-las onde estão.

Por outro lado, homens enfrentam muito menos relutância de seus chefes para deixarem-nos explorar novas atividades e assumir novos projetos. Mais uma vez, notam-se os efeitos do viés cultural, que faz com que as mulheres, genericamente falando, adotem atitudes mais passivas, enquanto os homens são criados para serem mais agressivos e tomarem mais riscos, procurando ativamente por novas oportunidades.

Além de terem que enfrentar esse “teto de vidro”, expressão que se refere às barreiras impostas a mulheres que desejam ascender profissionalmente, elas também estão sujeitas ao “penhasco de vidro”. Esse novo termo sintetiza o fenômeno de que as mulheres, quando indicadas para cargos de liderança executiva, muitas vezes assumem a função em tempos de crise, nos quais a empresa enfrenta dificuldades financeiras ou outros desafios que podem, inclusive, ameaçar sua existência.

A consequência natural disso é que executivas tem mais chances de serem demitidas do que os homens quando ocupam a mesma posição. Assim, o foco do combate a desigualdade de gênero não deve ser apenas em permitir e encorajar que as mulheres cheguem ao topo, mas também garantir seu sustento.

Aprofundando o olhar sobre a destituição de CEOs, observa-se que líderes de ambos os gêneros enfrentam risco similar de serem demitidos quando a empresa está perfomando mal, mas, quando está indo bem, esse risco diminui significativamente apenas para os homens.

Isso indica que o risco de uma CEO mulher ser retirada do cargo pode estar mais atrelado ao viés cultural de subestimação da figura feminina do que ao seu desempenho, contrariando a teoria tradicional.

Dinâmica ao nível individual

Alguém poderia supor que o gap de gênero em posições estratégicas é justificável, pois homens tendem a ter mais habilidades de liderança do que mulheres. Porém, tal afirmação é incorreta, como indica a pesquisa conduzida pela Harvard Business Review.

Gestores avaliaram homens e mulheres de acordo com 19 competências-chave de liderança. Em 17 delas, as mulheres superaram os homens, incluindo aspectos como tomar iniciativa, agir com resiliência, praticar autodesenvolvimento e demonstrar elevada integridade e honestidade.

Já os homens sobressaíram apenas em desenvolver uma perspectiva estratégica e ter experiência técnica/profissional. É importante ressaltar que a frequência das competências observadas foi próxima entre os gêneros, com diferença máxima de 7,5%.

Se as mulheres são vistas como tão competentes quanto os homens, por que a presença feminina em cargos sênior de liderança é ainda tão baixa?

Além dos aspectos institucionais e organizacionais levantados anteriormente, destaca-se também a exigência que a maioria das empresas faz de constante disponibilidade dos profissionais, o que pode desafiar a capacidade da mulher de manter um equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e familiar, dado que são as mulheres, em geral, as responsáveis pelas tarefas domésticas.

Assim, as mulheres que almejam ocupar cargos estratégicos costumam ou abrir mão da vida familiar, o que tem acontecido e tem impactado a taxa de fecundidade em todo o mundo, ou contar com uma estrutura familiar que lhe dê condições para ocupar cargos estratégicos.

Essa situação é ainda mais agravada pelo fato que as mulheres que fazem uma pausa profissional para ter filhos enfrentam grandes dificuldades em retornar.Mais ainda, pesquisas indicam que mulheres enfrentam problemas de confiança, especialmente as mais jovens (abaixo de 25 anos), o que pode levá-las a desperdiçar oportunidades de carreiras.

De acordo com estudos, mulheres são menos prováveis de candidatarem-se para trabalhos em que não estão confiantes sobre atenderem a todas as qualificações necessárias, enquanto homens são mais inclianos a aceitar o risco e assumir que podem aprender o que lhes falta.

DIVERSIDADE E INCLUSÃO NA PRÁTICA

Capacitar as mulheres com competências relacionadas a liderança parece não ser o suficiente para lhes garantir posições estratégicas, inclusive, elas já estão bem preparadas nesse sentido (ver ponto anterior). É importante que elas entendam os obstáculos existentes nos níveis institucional, organizacional e individual, e aprendam como tornar isso claro para os demais colegas, de maneira que todos compreendam de fato as raízes, consequências e injustiças da desigualdade de gênero.

Além disso, as mulheres devem ter em mente suas capacidades e permitir a si mesmas arriscarem mais, procurando por promoções e oportunidades.

Da perspectiva do indivíduo, modelos femininos exemplares para executivas as aconselham a tomar mais iniciativas e ter uma ampla experiência nas primeiras etapas de suas carreiras para escapar a armadilha “Você é muito boa no que faz. Vamos mantê-la aí”.

Ainda assim, é evidente que grande parte do trabalho para promover igualdade e diversidade de gênero deve partir das instituições. As “barreiras invisíveis” do mundo corporativo são fragilizadas quando as empresas ajudam suas trabalhadoras a construirem um caminho de desenvolvimento de carreira voltado para tornarem-se chefes executivas, como sugere o artigo Where are all the women CEOs? (The Wall Street Journal, 2020). Isso poder ser feito auxiliando-as a conseguir cargos relacionados a P&L e oferecendo-lhes um networking estratégico com coaches, mentores e patrocinadores para orientação de carreira.

Mais uma alternativa seria que as chamadas organizações representativas implementassem regulamentações que proporcionem uma base, e complementar com outras iniciativas. Como, por exemplo, empresas devem publicar anualmente o percentual de mulheres em posições de destaque, bem como o salário médio de homens e mulheres de acordo com os cargos. O estado da Califórnia nos Estados Unidos, por exemplo, decretou que as empresas de capital aberto precisariam ter pelo menos uma mulher no corpo de diretores até final de 2019.

No âmbito corporativo, algumas ações podem acelerar a promoção da mudança, tais como:

– Assegurar que as contratações e promoções sejam justas;- Criar cargos de liderança e de gestão líderes em diversidade de gênero;- Incentivar um cultura inclusiva e respeitosa;- Promover o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, por meio de, por exemplo, trabalho flexível;- Assegurar acesso equalitário para as oportunidades de desenvolvimento no trabalho; e- Oferecer treinamentos para eliminar o viés inconsciente contra as mulheres.

Cabe ressaltar que, para reter uma força de trabalho feminina mais especializada, as empresas precisam também proporcionar uma cultura de negócios que motivem a permanência delas na empresa, e, ao mesmo tempo, construir iniciativas para atraí-las.

É importante que as empresas atentem-se para equívocos que podem comprometer a eficácia da implementação de políticas de promoção de igualdade de gênero. A pesquisa conduzida pela Cornell University ILR School sugere que tais problemas surgem da ausência de uma visão holística da situação, destacando-se o foco excessivo em programas populares e pouca atenção a resultado específicos, de maneira que as iniciativas são criadas sem metas claras, e o estudo de práticas de diversidade feito de forma isolada, carecendo de atenção sobre como novos procedimentos podem interagir com os já existentes e impactar os resultados.

Assim, a pesquisa também indica boas práticas para a implementação de iniciativas de diversidade, entre elas:

– Começar o planejamento de uma iniciativa se questionando “O que eu quero atingir?”. Isso pode ser medido em termos de representatividade – como membros de grupos mal representados (mulheres, no nosso caso) estão presentes na força de trabalho, ou em termos de performance – como o aumento da diversidade impacta nos resultados organizacionais; e- Criar iniciativas diferentes para atingir metas de representatividade e de performance. As iniciativas para aumento de representatividade podem ser relacionadas a contratação, desenvolvimento e promoção de mulheres, enquanto as de performance incluem programas e atividades voltadas para promover uma cultura de inclusão.

Uma ressalva levantada pelos próprios autores é que mesmo com o planejamento perfeito, a execução pode não sair como o previsto. Felizmente, foram identificados os problemas mais comuns e os modos de solucioná-los.

Os problemas relacionados à habilidade podem ter origem em gestores confusos sobre os objetivos da organização e o que esperar das iniciativas de diversidade, podendo ser resolvidos com maior transparência e formalização dos processos.

Os problemas relacionados à motivação costumam surgir quando o indivíduo não reconhece a importância das novas atitudes e atividades, podendo ser mitigados com maior investimento em uma comunicação clara e ativa sobre como esses esforços podem ser benéficos para a organização.

Por fim, os problemas relacionados a oportunidades derivam, geralmente de uma elevada pressão sobre geração de resultados de curto-prazo, e podem ser combatidos com o monitoramento do comportamento de gestores e com recompensas aos que combinam bons resultados operacionais com adoção de medidas de diversidade e inclusão.

Para ilustrar um caso de sucesso, pode-se citar a empresa Sanofi. A farmacêutica realizou uma tentativa de reduzir seu gap de gênero ao lançar um programa intensivo de 6 meses sobre liderança para suas funcionárias de grande potencial, com coaching executivo, tarefas de alto nível em outras áreas do negócio e networking com líderes que poderiam ajuda-las em promoções futuras. Até agora, o programa tem obtido êxito. Um terço das participantes já foram promovidas.

Paul Ferreira
É professor em tempo integral de estratégica e liderança na Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP, Brasil), diretor do mestrado executivo em administração (MPA) da FGV EAESP e vice-diretor do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (NEOP). Desde 2020, Paul é colunista do MIT Sloan Management Review Brasil. Além disso, ele é pesquisador visitante permanente na Universität St. Gallen (Suíça).

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