Se sua estratégia de marketing está baseada em influenciadores, cuidado: sua marca pode estar em processo de erosão
Numa espécie de atualização digital da máxima do Glauber Rocha, só é preciso um bom smartphone nas mãos, um ring light no rosto e uma ideia na cabeça para ser um influenciador digital. Parece algo simples e que demanda pouco esforço, não? Mas esse negócio precisa de talento, ideias e tempo. Sim, muito tempo. E essa é apenas uma das razões pelas quais o segmento de influenciadores digitais pode estar decrescendo em qualidade.
Este artigo não é sobre as dores dos influenciadores digitais, no entanto; é sobre o perigo crescente de as marcas alicerçarem suas estratégias de marketing nesse pilar. Do ponto de vista tático, influenciadores digitais parecem ser um bom negócio na gestão de marca e conversão em vendas, mas nem por isso vão embora as dúvidas decorrentes do esgotamento do modelo e dos problemas relacionados com os próprios influenciadores.
Um baby boomer como eu lembra perfeitamente que no século passado escrevíamos de maneira particular, para nós mesmos, sobre nossos eventos, passatempos e intimidades em nossos diários pessoais – e guardávamos essa intimidade a sete chaves em nossas gavetas de roupas.
No início dos anos 2000, esses diários começaram a migrar para o mundo digital. Transferir um diário existente para uma plataforma digital ou iniciar lá seus apontamentos em um diário eletrônico, ou blog, era uma boa pedida; revelavam-se as mesmas rotinas e eventos, algumas intimidades e muitos de seus hobbies, mas só para alguns poucos eleitos.
No início, a mera possibilidade de compartilhar a intimidade em um “”diário digital pessoal”” deve ter impulsionado o sucesso dos blogs, que rapidamente evoluíram para vlogs. No entanto, seu verdadeiro triunfo foi, de fato, o compartilhamento dos hobbies pessoais pelos então blogueiros, o que despertou o interesse de segmentos sociais e públicos diversos, e acabou por tornar-se o ponto focal na adoção de muitas plataformas.
Fazendo uma longa história curta, com a agilidade do mundo digital, já no meio dos anos 2010, blogs e vlogs experimentaram seu boom, revelando ao mundo indivíduos com personalidades interessantes e talentos escondidos, além de jogar luz sobre alguns comportamentos e atitudes meio surreais, o que permitiu instalar no País uma segmentação de público importante para o mundo digital.
Em paralelo, 2010 foi o período da explosão do Instagram como plataforma de conteúdo. E os blogueiros passaram a usar a ferramenta que era menos demandante na gestão diária, sendo ao mesmo tempo mais ágil, telegráfica e de fácil usabilidade.
Transferiram todo o seu conteúdo – e seu destino – para as plataformas digitais, inaugurando um novo momento de influência até os dias de hoje. É claro que alguns influenciadores tiveram a inteligência de diversificar plataformas.
Assim como disse ao terminar o parágrafo anterior, o futuro dos influenciadores está nas mãos das plataformas digitais. De 2016 para cá, são muitos os desgostos (e as angústias) dos influenciadores na plataforma. Recente matéria na edição digital da revista Wired, de 08 de junho de 2023, “”The end of influencers on Instagram”” (“”O fim dos influenciadores no Instagram””, na tradução) aponta o desgaste da relação entre plataformas e influenciadores.
Aqui no Brasil, não é diferente. Não canso de ouvir gestores de contas de influenciadores digitais reclamando das políticas de “”entrega”” dos posts que são produzidos a preços altos e prazos curtos e da queda abrupta de alcance e engajamento graças à políticas “”de última hora”” e alterações no “”algoritmo””.
Em um momento são os “”Reels”” que entregam e engajam mais. Em outro, uma combinação de “”músicas em alta”” com hashtags “”das últimas 72 horas””. A verdade é que o controle dos blogs e vlogs dos influenciadores saiu completamente das mãos destes e, agora, estão todos à mercê de uma situação incerta e preocupante – uma vez que boa parte, especialmente os influenciadores de lifestyle, vivem dessa atividade. Em paralelo, as plataformas se protegem, negam instabilidades e seguem reinando no mercado de influenciadores.
Bem, não bastasse o fato de os influenciadores estarem nas mãos das plataformas, faço aqui um desafio: pergunte a um bom influenciador digital sobre sua dedicação ao próprio “”negócio”” que ele irá te descortinar uma lista infinita de reclamações. Parece que o preço da vaidade já não está mais dando conta…
Assim como, antigamente, tínhamos o profissional de TI (tecnologia de informação) como aquele indivíduo que não dorme e está 24 horas por dia, sete dias por semana, a serviço da companhia no caso de algo dar errado com o ecossistema de computadores, agora temos o influenciador digital.
E não estou falando de pouca gente não. Dá um Google e pergunta quantos influenciadores existem no Brasil. A resposta será 500 mil influenciadores de acordo com algumas fontes de mercado – o número inclui os que têm mais de 10 mil seguidores, denominados micro influenciadores. Outras fontes já apontam para mais de 12,5 milhões porque consideram “”influencers”” aqueles indivíduos com mais de mil seguidores cada. E estes são os chamados nano influenciadores (mas, neste artigo, eu os desconsidero).
Se você atua em moda e beleza, alimentação, saúde e bem-estar, viagens, turismo, tecnologia e eletrônicos e lifestyle, posso garantir que um bom pedaço do time de marketing está focado em estratégias para as plataformas e para com os influenciadores. E tem tudo a ver com sua marca.
O esgotamento dos influenciadores somado às mudanças ininterruptas de políticas de uso das plataformas, tem levado esta “”estratégia”” (entre aspas pois considero esse filão do marketing uma ação de guerrilha, portanto, tática) a um descontentamento geral, dos gestores de mídias sociais sobre influenciadores e no que o mercado está se tornando.
Seguem aqui cinco dos principais problemas enfrentados pelos gerentes e diretores de marketing que estão neste momento executando estratégias com influenciadores para construção de marca ou conversão em vendas.
1 – Autenticidade: o maior lastro de valor para uma marca com os influenciadores é a genuinidade que vai transmitir valor de marca. E, claro, seu alinhamento com os valores da empresa. Ninguém engana mais ninguém. Aos olhos dos usuários, mega influenciadores se tornaram mega merchandisers.
Dica: enquanto grandes influenciadores entregam visibilidade/awareness, os micro influenciadores entregam endosso/fiança de valor de marca. Quer transmitir autenticidade e fazer valer uma estratégia genuína via influencers? Use micro influenciadores.
2- Transparência: você quer ser enganado? Essa pergunta retórica serve também para seu usuário. Em qualquer estratégia com influenciadores, há a necessidade de se garantir que existe ali uma relação comercial entre ele/ela e a marca.
Dica: o discurso do influenciador deve passar sempre pelo crivo da verdade. Colocar o influencer como crítico do produto é sempre mais adequado do que fazê-lo passar por um usuário comum da marca.
3 – Relevância para o usuário: o pensamento da velha propaganda na escolha de uma celebridade para apresentar sua marca está se repetindo com os influencers. Um erro. A expectativa do usuário ao ver um influenciador usando sua marca é de “”projeção comportamental””, ou seja, “”eu me vejo lá, pois sou assim como ele”” – “”projeção”” é uma figura psicanalítica para explicar esse fenômeno.
Dica: se sua estratégia é adoção de marca, não se preocupe com estatura e impacto do influenciador, mas sim com alinhamento de valores e empatia dele com a marca (em inglês, uma boa expressão que define esse personagem é o “”average Joe””).
4 – Consistência: se a estratégia da sua marca está calcada na plataforma de influenciadores, como estabelecer consistência na sua identidade uma vez que os influencers têm comportamentos muito distintos? Um dos maiores e mais relevantes atributos de marca é sua identidade, seu comportamento. Já tem muita marca por aí dissipando seus valores…
Dica: construa a persona de sua marca em suas plataformas de “”owned media”” (sites, apps, campanhas digitais…) com extrema consistência e clareza. A metodologia dos arquétipos de marca pode ajudar.
5 – Reputação: a ação com influenciadores carrega em si uma característica perigosa: somar a reputação da marca com a do influencer. Proteger e preservar o “”equity”” de marca é tarefa inexorável do marketing, apesar da área comercial demandar vendas e conversão.
Dica: um influenciador que está em evidência num determinado momento pode parecer muito adequado à ação com sua marca, mas não esqueça que ele vai carregar (e somar) sua própria reputação com a da sua marca. Não é “”rocket science”” fazer uma análise pregressa do influenciador digital.
Se você está apostando fortemente as suas fichas em estratégias com influenciadores, tome estes cuidados com sua marca. Não me arrisco em dizer para você “”pisar no freio”” porque o mundo das plataformas veio para ficar.
Depois do polêmico TikTok para geração Z, agora o exemplo mais recente é o da popular plataforma chinesa Lemon8 que chega no Ocidente com 17 milhões de downloads de seu app, sendo 650 mil downloads apenas no dia 10 de abril deste ano.
Ainda sem monetização certa no Ocidente, dificultando a gestão de influencers na plataforma, ela junta vários “”features”” de outras plataformas como Pinterest, TikTok e o próprio Instagram. E, certamente, será outra plataforma que estará forrada de influenciadores. No Brasil, ainda não chegou…”