Segredos compartilhados, mas nunca questionados, podem acabar arruinando a cultura – e a reputação – da empresa
Existe, em inglês, uma expressão usada para se referir a informações confidenciais que, em certo momento, foram reveladas e agora são do conhecimento de todos. São os open secrets (ou, em bom português, segredos abertos). No Brasil, usamos também a expressão “segredos de polichinelo” para falar desses segredos de mentirinha.
Esses segredos abertos existem em diversos ambientes:
O que nos interessa, aqui, é falar sobre como isso ocorre nas organizações – e o estrago cultural e reputacional que os segredos abertos podem causar.
Em uma empresa, as pessoas que se envolvem nesse tipo de mentira aberta navegam no limite tênue entre reconhecer a verdade e contar uma inverdade. Mas de onde vem a motivação para preservar e fazer proliferar esses “segredos” nas empresas?
Existem aqueles que têm um medo genuíno de represálias jurídicas se mencionarem abertamente uma informação (em geral sem provas concretas) que envolve altos executivos da organização.
Alguns dos envolvidos em segredos abertos desenvolvem formas oblíquas de se referir ao tema
Em outras pessoas, essa atitude deriva de um senso mórbido de pertencimento, pois elas sentem que fazem parte de uma tentativa de acobertar algo. Para reforçar, alguns segredos corporativos incluem elaboradas normas de inclusão e de exclusão. Algumas empresas até desenvolvem vocabulário próprio de eufemismos para referir-se ao tema!
Pior: quem não compartilha do segredo, como um colaborador recém-contratado ou (em empresas grandes) alguém de outro departamento, muitas vezes tem dificuldades em entender ou até mesmo diagnosticar o que está acontecendo.
Alguns dos envolvidos em segredos abertos desenvolvem formas oblíquas de se referir ao tema. Algumas beiram o ridículo, como o caso do RH da produtora Miramax. O caso é mencionado em um artigo recém-publicado por Sam Berstler, professora de filosofia do MIT (sim, o MIT tem um departamento de filosofia!).
Ela conta que, enquanto a empresa negava que o produtor e cofundador Harvey Weinstein cometesse assédio sexual, alguns profissionais diziam para as atrizes coisas como “se você for na sala dele, evite sentar-se no sofá”. Uma delas – vejam só o cúmulo! – teria ouvido: “não se preocupe, você não faz o tipo dele”.
Leia também: “Cinco erros que organizações ainda cometem sobre assédio sexual”, de Caren Goldberg
O tema dos segredos abertos, abordado no artigo de Berstler, ainda é subexplorado na literatura sobre negócios, embora seja objeto de muita atenção recente na grande mídia. É um assunto ao mesmo tempo central e dissimulado da cultura de algumas organizações, por isso recomendo a leitura do artigo.
A questão é: por que as organizações incentivam esse comportamento? Porque tentam evitar o vazamento dessas informações para fora de seu ambiente (para a mídia, acionistas minoritários, órgãos regulatórios, clientes e fornecedores, por exemplo).
Esse comportamento é um anacronismo, como explica meu amigo Daniel Bruin em seu ótimo livro sobre reputação de empresas. Na seção “As Redes Sociais Mudaram o Jogo”, ele demonstra como, nos dias de hoje, é impossível uma empresa tentar conter dentro de si um segredo com alto potencial de impacto negativo no público. Basta um colaborador desgostoso, com seu smartphone, para revelá-lo.
O que eu proponho é que as empresas adotem uma postura de proativamente divulgar essas informações, por mais danosa que sejam. Essa grande e penosa cirurgia cultural começa na alta liderança – e também no Conselho. Aposto que o inevitável estrago será menor do que tentar esconder a informação.
Como fazer isso? Em sua lista de lições que aprendemos em 2024, a Forbes cita o caso da Boeing. Dois aviões Boeing 737 Max Starliner caíram em 2018 e 2019. E um terceiro perdeu partes de sua fuselagem logo após decolar em janeiro de 2024. O relatório final da comissão de inquérito do Congresso dos Estados Unidos sobre a (falta de) cultura de segurança dos aviões da Boeing traz o depoimento de um funcionário que declarou que a empresa usou de intimidações e ameaças para impedi-lo de depor livremente.
Para ter uma forte cultura de falar abertamente, de acordo com o artigo, as lideranças precisam criar um ambiente em que os colaboradores possam desafiar uns aos outros, compartilhar opiniões divergentes e ter segurança para levantar preocupações. Essa é a receita para que um segredo aberto não se transforme em uma grave crise reputacional.