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Social commerce: faz sentido copiar o modelo chinês?

A venda de produtos e serviços online pelas redes sociais é uma real mudança no poder dos varejistas e marcas. Entender o modelo chinês é importante, mas não basta copiá-lo e esperar pelo crescimento do social commerce no Brasil

Clayton Ferez
30 de julho de 2024
Social commerce: faz sentido copiar o modelo chinês?
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O social commerce – a venda de produtos e serviços em redes sociais – tem se estabelecido como uma estratégia de sucesso e que representa uma mudança real no poder dos varejistas e marcas. Aproveitando-se da popularização das plataformas online, principalmente após a pandemia, as empresas estão traçando estratégias para atingir seu público-alvo, alcançando-o onde ele já está.

Incorporar essa mudança às estratégias das marcas pode trazer enormes benefícios. O mais claro é a maior possibilidade de exposição da marca a novos consumidores, além de maior proximidade com os consumidores mais fiéis.

As possibilidades são enormes. Estudos apontam que se espera que o social commerce triplique no mundo nos próximos anos, superando o patamar de US$ 1 trilhão.

O Brasil, com milhões de usuários de redes sociais, tem um imenso potencial para o crescimento dessa modalidade de e-commerce. Segundo o Brazil Social Commerce Market, o social commerce deve crescer a uma taxa média de quase 40% ao ano entre 2022 e 2028 (acima da taxa de outros canais), atingindo faturamento anual de quase US$ 16 bilhões.

Apesar do crescimento, ainda são números pequenos na comparação global, especialmente se comparando ao mercado chinês, que a cada ano consolida sua vocação para inovações no comércio eletrônico – a China abriga os maiores super apps numa escala ainda não alcançada em outras regiões.

Copiar o modelo chinês é tentador. Mas é factível?

Entender o que levou a China a esse papel de destaque é fundamental para avaliar se – e o que – pode ser trazido para a realidade brasileira.

O modelo chinês

Em 2021, o mercado de social commerce chinês atingiu US$ 300 bilhões em transações e 800 milhões de consumidores – quase 60% da população, segundo levantamento da eMarketer. No ano passado, esse percentual atingiu 85% da população – uma taxa de crescimento muito maior do que em qualquer outro mercado.

A abertura do povo chinês para compras online em geral – e para o social commerce mais especificamente – pode ser atribuída a dois fatores principais: o desenvolvimento do mercado e a chegada de uma geração de millennials rica, sofisticada, conectada e ávida por consumo. De um modo geral, os consumidores chineses são mais dispostos a fazer compras usando redes sociais do que consumidores de outros países. Isso se explica pelo alto grau de digitalização da população, além de uma grande concentração do mercado nas mãos de poucos players, como o WeChat, que conta com 1,2 bilhão de usuários ativos por mês em todo o mundo – a maioria da China. Outros milhões de chineses também usam o Weibo e/ou o Douyin.

Esse grupo demográfico é exigente. Os millennials demandam experiências divertidas e satisfação imediata. E preferem comprar nas redes sociais porque as plataformas oferecem experiências mais engajadoras do que os canais tradicionais. Isso levou as marcas a criar uma gigantesca estrutura de gravação de vídeos de influenciadores digitais que circulam nas redes sociais. São estruturas que funcionam como grandes incubadoras de criação de conteúdo. É uma verdadeira indústria de gravação de vídeos para a venda de produtos.

Detalhe importante: aos olhos de um “ocidental”, esses vídeos seriam considerados de baixa qualidade. Mas eles capturam muito bem os gatilhos de compra dos chineses – e compras por impulso funcionam bem no social commerce. Portanto, devem ser vistos como uma forma muito bem-sucedida de publicidade.

As marcas chinesas também souberam criar uma infraestrutura que oferece conveniência e dinamismo aos consumidores. Uma das vias de experiência foi a conexão direta com a infraestrutura para as principais plataformas de e-commerce, como Alibaba e Shopee, através de features multifuncionais e oferecendo serviços inovadores como miniprograms e live commerce. Essas plataformas tornam mais fácil para os usuários comprar e interagir diretamente com as marcas, sem sair do aplicativo. Isso é feito por meio de recursos como registro e login com um clique, ou até mesmo a compra, oferecendo ainda recursos especiais que conectam conteúdo multimídia ao e-commerce de forma engajadora.

Além disso, o modelo logístico já existente focado em ultra conveniência complementa a experiência de compra evitando a quebra na jornada do usuário, de forma bastante diferente do que é feito no mundo ocidental. O modelo de fulfillment chinês é único. Ele é baseado na existência de numerosos pequenos service centers nas cidades (algo entre 50 e 100 em cidades maiores), e entregas fracionadas por meio de veículos pequenos como bicicletas elétricas. Os entregadores realizam várias entregas por dia. Também há a possibilidade de os compradores pegarem os produtos em lockers, que estão distribuídos nos centros urbanos.

Esse modelo se diferencia do modelo ocidental mais tradicional, que prioriza a consolidação no processo de fulfillment com um grande hub nos arredores das cidades em que as compras são entregues de forma agrupada. Trata-se de um modelo que implica em tempos maiores, uma vez que as encomendas individuais são transportadas em grandes caminhões container com uma única viagem realizada ao dia.

E no Brasil, esse modelo é viável?

Entender o modelo chinês é importante, mas não basta copiá-lo e esperar pelo crescimento do social commerce no Brasil. É preciso cautela. Há questões macroeconômicas e demográficas muito específicas na China que não se repetem nos países ocidentais – e que são determinantes para o sucesso do social commerce na China. São características que explicam por que o sucesso dos super apps chineses nunca foi replicado em outros países.

Afinal, quais são essas diferenças?

Para começar, a maturidade do e-commerce é maior lá. Enquanto na China vemos o e-commerce fazendo 44% do resultado do varejo, nos Estados Unidos esse número não passa dos 16%, gerando respectivamente mais de US$ 2 trilhões e US$ 1,5 trilhão, respectivamente. Para efeitos de comparação, o Brasil fez em 2021 R$ 182 bilhões (cerca de US$35 bilhões).

Outro desafio muito relevante é a logística. Isso vale especialmente para países como o Brasil, que enfrenta dificuldades e obstáculos em relação ao modelo logístico e tributário. A infraestrutura de transportes ineficiente, além dos altos impostos, encarece o frete. O resultado? Perda de vendas. Segundo estudo da Baymard Institute, os custos de frete levam 60% dos clientes a desistir da compra ao verificar o preço total no carrinho.

Entregar produtos de baixo custo em pequena escala nem sempre é vantajoso para as empresas de consumo. Poucas estão preparadas para essa tarefa. Aqui existe uma escolha estratégica que precisa ser tomada: estabelecer ou não uma relação direta com o consumidor final (direct-to-consumer). Se, por um lado, esse estreitamento de relação pode trazer benefícios como uma maior fidelização com a marca e um conhecimento mais profundo sobre o consumidor, por outro, pode custar caro se a logística for ineficiente – podendo até inviabilizar o negócio. Um caminho possível é estabelecer parcerias com grandes varejistas ou marketplaces.

Nesse contexto, é possível viabilizar uma estratégia bem-sucedida de social commerce? Claro. O esforço será maior se a empresa decidir atuar sozinha e começar do zero. Existem plataformas em operação que podem auxiliar em diversas tarefas, como a busca de influenciadores que encaixem no perfil da empresa e dos produtos a que serão vendidos. Nos últimos anos, um ecossistema tem se formado para atuar nesse mercado. Alguns players atuam de maneira mais localizada; outros são mais globais. Contar com o ecossistema já existente pode dar velocidade para as empresas que ainda não “entraram no jogo” ou que desejam testar outros formatos.

Para as empresas de consumo que já estão testando iniciativas de social commerce, é interessante destacar que os formatos não param de mudar e que o mercado brasileiro tende a se aproximar mais do americano que do europeu. No mercado americano, o social commerce está roubando mercado de varejistas digitais, como a Amazon. Pesquisa recente da Jungle Scout mostrou que 67% dos usuários disseram que usavam o TikTok como ferramenta preferencial para ideias de presentes.

Uma forma de operacionalizar o modelo é focar em uma maior margem por venda. Nesse caso, deve-se ofertar um mix de produtos que seja do interesse do perfil de compradores em social commerce. Nos Estados Unidos, jovens da geração Z têm sido um dos públicos mais fiéis a essa modalidade de compra. E eles têm dado preferência a produtos de moda e beleza.

Exemplo da diferença de público: na Amazon, apenas 4% dos compradores têm menos de 26 anos, segundo pesquisa da Numerator. E cerca de 40% dos usuários do TikTok têm entre 18 e 24 anos e 27%, entre 13 e 17 anos, de acordo com o Influencer Marketing Hub.

Por fim, estruturar um modelo baseado em business intelligence com coleta de dados e insights de forma rotineira é essencial para aprender e melhorar o modelo e, também, gerar conhecimentos mais profundos sobre tendências de comportamento. Além disso, aplicando uma mentalidade de aprendizado para geração de escala, também podemos desenhar e testar modelos de operacionalização que levem em consideração a adaptação em relação ao modelo logístico, portfólio de produtos e tecnologia.

Ou seja, não há uma fórmula pronta à prova de falhas para o social commerce, mas é possível trilhar alguns caminhos com o que já sabemos e, a partir das hipóteses existentes, testar e aprender para desenvolver um modelo que faça sentido.

Potencial de crescimento

Embora o Brasil tenha desafios grandes, também possui características favoráveis ao crescimento do social commerce. A penetração da internet e das redes sociais é uma das mais altas do mundo. O País tem 150 milhões de usuários de redes sociais, sendo a taxa de usuários pelo total de habitantes de 70,3%, uma das maiores do mundo, mesmo com uma renda per capita média. Além disso, com a pandemia, o comportamento de compra online acabou se acelerando. No primeiro semestre de 2022, o e-commerce atingiu a marca de R$ 118,6 bilhões em vendas no País, alta de 6% em comparação com o mesmo período em 2021, segundo estudo NielsenIQ|Ebit. Ou seja, um imenso mercado consumidor.

Além disso, os consumidores brasileiros são ávidos por novidades e a cultura de influenciadores está bem disseminada. Os influenciadores brasileiros não têm medo nem vergonha de vender produtos se enxergarem benefícios. Em uma pesquisa do Instituto QualiBest, foi apurado que influenciadores já são a segunda fonte de informações para a tomada de decisão na compra de um produto, citada por 49% dos respondentes, perdendo apenas para amigos e parentes, citados por 57%.

Outras características do mercado se relacionam aos produtos de maior potencial para social commerce, como luxo, eletrônicos e cosméticos. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Luxo (Abrael), a receita total gerada pelo mercado de luxo no Brasil chegou a US$ 5,2 bilhões em 2020. A projeção é de um aumento de 3% até 2025, sendo que boa parte da projeção de crescimento é atribuída à adoção acelerada do segmento em plataformas de e-commerce.

No mundo dos produtos de beleza, também temos um cenário de potencial positivo, dado sermos um dos maiores mercados do mundo, tendo apresentado crescimento em 2022 em relação a 2021 de 10%, com destaque para maquiagens, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec).

Atuam no Brasil diversos players que estão impulsionando a migração dos brasileiros para as compras digitais. Além da Amazon, temos players como Mercado Livre, Magazine Luiza e Netshoes como potenciais parceiros no e-commerce, além de startups como Rappi e iFood, que desenvolveram a entrega logística de última milha, com esta última inclusive testando entrega de bens em parceria com varejistas como a Centauro. Sua escala existente os torna um canal extremamente atraente, dado o controle que já possuem sobre pontos de venda online e offline, interceptando dados de compradores, gerenciando relacionamentos com clientes, intermediando relacionamento com as marcas etc.

Complementando a questão da operação de venda e entrega, também temos um cenário positivo em relação à adoção dos meios de pagamento. Segundo estudo do Fórum Econômico Mundial, no cenário pós-pandêmico, 85% dos brasileiros passaram a ter acesso a serviços financeiros, um dos maiores aumentos da população bancária em décadas. Um case dessa inclusão foi a introdução do pix, que permitiu que mais de 40 milhões de pessoas fizessem sua primeira transferência bancária. Para exemplificar o potencial, o Mercado Pago, banco digital do grupo Mercado Livre, fornece sistema de pagamento para lojas físicas e digitais e já tem um quarto de todas as transações feitas via pix. No Mercado Livre, a adoção do pix teve expansão em torno de 130% e causou uma redução de 33% no uso de boleto no segundo trimestre, na comparação com 2021.

Logo, por que não testar novos modelos de venda online? “

Clayton Ferez
Clayton Ferez é sócio da NTT DATA Brasil e tem 25 anos de experiência em tecnologia, especialmente em programas de transformação. Nos últimos 15 anos, se dedica a negócios na indústria de bens de consumo e tem trabalhado com diferentes empresas líderes de mercado.

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