Colocar a estratégia em jogo requer conhecer as funções cruciais da sua organização e garantir que seus melhores talentos as ocupem
Líderes costumam gostar de mostrar que valorizam as pessoas. Eles proclamam que todos na equipe são fundamentais para o sucesso da organização. Por mais edificante que pareça essa fala, ela simplesmente não reflete a verdade. O talento só pode ser uma fonte de vantagem competitiva se as pessoas certas estiverem nas funções mais críticas. Contar com estrelas em papéis que não são críticos é apenas desperdício de talento.
Há um consenso na execução da estratégia que a aplicação de força concentrada e com foco – identificando, desenvolvendo e alavancando capacidades críticas – é necessária para o sucesso. No entanto, até que essas capacidades sejam traduzidas em funções específicas, com sistemas em vigor para garantir que funcionários de alta qualidade ocupem tais posições, uma estratégia é apenas uma intenção. Infelizmente, muitas organizações constroem a estratégia em torno das pessoas e habilidades de que dispõem, quando, em vez disso, deveriam estar elaborando a estratégia mais promissora, buscando uma melhor compreensão das funções mais críticas para a execução e, em seguida, ocupando-as com os melhores talentos que encontrarem. Como demonstraremos, aplicar dados e análises a esse problema pode ajudá-lo a determinar exatamente onde seus principais talentos precisam ser colocados.
Há duas maneiras de descobrir quais funções têm mais influência nos principais resultados: usando dados para deduzir isso de baixo para cima e inferindo, de cima para baixo. Quando o contexto é apropriado e os dados disponíveis, adotar a abordagem ascendente pode produzir respostas que podem ser surpreendentes. Nesses casos, os líderes devem estar preparados para deixar que os insights guiem suas decisões.
Os dados podem servir para descobrir quem são suas estrelas atuais e quais posições têm maior influência nos resultados organizacionais. Eles podem ajudar a identificar talentos ocultos em situações em que o desempenho surge como resultado de equipe e apontar papéis que podem ser muito mais importantes para o sucesso do que se imagina.
Veja o futebol: muito se discute sobre quais posições em campo são as mais importantes. Centroavantes e atacantes, são os principais artilheiros – eles capturam os holofotes, bem como os maiores salários ao produzir gols. Os 50 atletas mais bem pagos em todo o mundo incluem seis jogadores de futebol, todos eles atacantes, de acordo com um relatório da Forbes de 2023.
Como o futebol é um jogo definido em poucos pontos, cada gol é importante – portanto, impedir o gol de um adversário é uma contribuição igualmente crucial. Assim, alguns argumentam que a defesa é o que pesa mais. Os zagueiros desempenham um papel fundamental na coordenação do contra-ataque, já que não parar a bola em momentos-chave pode criar oportunidades para o adversário marcar. Não é surpresa que os zagueiros tenham sido capitães de equipe com mais frequência do que jogadores em outras posições.
E é claro que os goleiros são a última barreira. Sua avaliação e habilidades diante da pressão extrema podem significar a diferença entre a vitória e a derrota. Outros ainda afirmam que os meio-campistas conduzem o ritmo do jogo. Assim como controlar o centro do tabuleiro é fundamental para vencer partidas de xadrez, os meio-campistas podem ampliar o impacto das contribuições de todos, fechando os passes adversários ou iniciando jogadas em lances bem cronometrados da defesa para o ataque. Por fim, o grande mestre pode ser o treinador, que toma decisões sobre escalações, posições e estratégia geral.
Para determinar a contribuição relativa de cada posição, coletamos e analisamos dados de cinco anos da liga de futebol da primeira divisão da Alemanha, e avaliamos a importância individual no campo entre 2014 e 2019.
Ao analisar as mudanças nos resultados à medida que os jogadores se moviam entre diferentes funções e equipes, isolamos as contribuições por posição enquanto observamos como as remunerações subiam e caíam após essas trocas. Construindo um modelo de como cada posição contribui para o resultado, ponderamos a importância das posições medindo o quanto a previsão de vitória do modelo se deteriorou quando omitimos cada uma delas por vez.
Nossa análise indicou que zagueiros e goleiros são os mais críticos para vencer partidas. Eles ocupam os três primeiros lugares em dois modelos diferentes que desenvolvemos. Quatro posições estão sempre presentes entre os cinco primeiros: lateral esquerdo, lateral direito, goleiro e meia esquerdo ofensivo. Embora os defensores possam não receber tanta adoração dos fãs, os números indicam que eles são os maiores diferenciais para vencer.
Esse tipo de análise funciona independentemente do setor. É provável que cada organização ou função tenha seus próprios papéis subestimados. Embora a equipe de vendas possa trazer o cliente, pode ser a área de serviços que o mantém ao longo do tempo.
A escassez de talentos também tem impacto. Comparando as posições agindo do lado esquerdo versus direito, as do lado esquerdo contribuem desproporcionalmente mais. Por quê? Enquanto os jogadores de futebol de pé esquerdo são naturalmente favorecidos para essas funções, o número de jogadores de pé esquerdo de classe mundial é consideravelmente menor do que os jogadores de pé direito. Em funções críticas, onde o talento excepcional é escasso, ter pessoas certas em tais funções é duplamente importante.
Liderança e estrutura organizacional também fazem diferença. Quando incluídos nos modelos, os treinadores são o terceiro fator mais importante, atrás apenas das posições de lateral. A organização da equipe, os sistemas de jogo e a escalação definem as funções críticas. Na Alemanha, a formação do 4-5-1 – quatro zagueiros, cinco meio-campistas e um atacante – é a configuração mais bem-sucedida. Favorece a estratégia de priorizar posições de defesa e é um bom exemplo de congruência entre estratégia e como as organizações se arranjam em torno de papéis críticos.
Uma abordagem analítica semelhante pode ser aplicada às empresas, combinando dados de desempenho e RH. Para empresas que tenham múltiplas unidades (como várias lojas, centros de distribuição ou equipes de serviço), a boa notícia é que você não precisa de tantos dados como uma liga de futebol – você pode fazer isso sozinho. Organizações com várias unidades com funções comuns permitem que se capture dados entre as unidades e isolar as funções que fazem diferença.
Primeiro, reúna os dados que identificam seus trabalhadores por local, função e tempo. Em segundo lugar, certifique-se de entender os fatores contextuais que influenciam os resultados, mas não estão relacionados à equipe (por exemplo, localização, tempo de existência, formato ou estação do ano). Isso permite separar o impacto de um indivíduo dos fatores circunstanciais. Terceiro, coletar dados de resultados de desempenho para a unidade, e é melhor obter vários tipos de métricas, já que os resultados são multidimensionais.
Em um trabalho que fizemos com um varejista de cobertura nacional, reunimos dados de centenas de lojas ao longo de cinco anos. Medimos o desempenho mensal da loja por receita, lucro, crescimento, rotatividade de funcionários e quebra. Descobrimos que os gerentes de loja importam muito: 21% do desempenho da receita pode ser atribuído a eles (mais de três vezes mais significativo do que os atributos da loja), além de um impacto descomunal nas margens. Os gerentes regionais e distritais também produziram efeitos mensuráveis, mas foram menos influentes do que os gerentes de loja. Como esperado, o impacto dos gestores distritais e regionais variou dependendo da métrica. Embora os gerentes de loja tenham tido a maior influência nas receitas, o desempenho da margem foi mais fortemente influenciado pelos gerentes distritais e regionais, que tiveram participação significativa nas decisões de compra.
Assim como no futebol, estrutura e sistemas importam. Nossa pesquisa descobriu que as lojas mais próximas da sede tiveram um desempenho melhor, motivando a exploração mais aprofundada de como as lojas mais distantes poderiam ser apoiadas. Há também informações valiosas a serem obtidas com a mobilidade dos funcionários. Quando as pessoas permanecem em suas funções e locais, é impossível usar dados para separar o impacto das pessoas de suas circunstâncias circundantes. Mover as pessoas por diferentes locais e funções não só lhes dá a chance de se desenvolver e crescer, mas também aprimora os dados, permitindo medições mais precisas do impacto das funções e das pessoas que as desempenham.
Para o varejista com o qual trabalhamos, esses insights mudaram a estratégia de talentos. Originalmente, os líderes estavam se movendo em direção à criação de uma academia de treinamento para gerentes distritais e regionais, assumindo que gerentes de status mais alto com um escopo mais amplo de responsabilidades importariam mais para o desempenho. Depois de considerar os resultados de nossa análise, eles se voltaram para explorar quais comportamentos e práticas importavam no papel crítico do gerente da loja. Lançaram um esforço em toda a empresa para descobrir, modelando sua abordagem na pesquisa interna do Google chamada Project Oxygen, para separar os atributos dos gerentes que influenciaram positivamente o desempenho da empresa. Uma vez identificados os detalhes dessa função crítica, puderam aplicar investimentos focados no desenvolvimento e replicação de capacidades para o trabalho em escala.
No Oakland Athletics, o técnico Billy Beane usou dados para construir uma equipe de alto desempenho a um custo surpreendentemente baixo. Sua estratégia como gestor foi usar diferentes métricas de desempenho para encontrar jogadores pouco valorizados que tiveram um papel mais importante em vitórias de seus times do que outros com um bom desempenho nas medidas tradicionais. O sucesso desta abordagem foi rapidamente copiado em toda a liga, dissipando a sua vantagem estratégica inicial. Uma vantagem das decisões de talentos baseadas em dados em funções cruciais também poderia ser tão efêmera?
Há uma diferença fundamental a ser observada. O Oakland Athletics estudou medidas que identificavam grandes jogadores, mas esses jogadores poderiam ser ótimos em qualquer equipe. A marca de uma boa estratégia é aquela em que as fontes de vantagem competitiva e outros fatores estão interligados, dificultando sua cópia. Encontrar papéis-chave e construir uma organização em torno desses papéis pode ser mais fácil de proteger do que encontrar estrelas ocultas, já que o pulo do gato está ligado à forma como as organizações apoiam esses papéis e desenvolvem pipelines para preenchê-los.
A liga alemã de futebol é conhecida não apenas por seu jogo defensivo, mas também pela forma como recruta talento. Não dispõe dos recursos financeiros de outras como a Premier League, com seus donos bilionários. No entanto, o modus operandi alemão de desenvolver jovens talentos em vez de depender de transferências caras de estrelas já testadas o torna uma opção atraente para jovens jogadores que precisam se provar em campo, incluindo jovens de fora da Alemanha. Como outras ligas que pagaram caro por transferências caras são obrigadas a jogar com esse talento por mais minutos, elas diminuíram o valor das ofertas para talentos mais jovens e emergentes. Tal como o Athletics, time vencedor de Beane, há uma vantagem em procurar entre os desvalorizados, sejam eles de defesa ou apenas mais jovens. No entanto, ao contrário deste caso da Major League Baseball, imitar a escolha dos alemães pede um ajuste substancial na estratégia – algo que muitas equipes e mesmo ligas não estão preparadas para fazer.
Estratégia é definir como se quer vencer – requer comprometimento com capacidades que são inequivocamente as melhores. Mas nenhuma empresa consegue ser a melhor em tudo. Uma estratégia vencedora requer foco e uma consciência aguçada de quais são os papéis especialmente críticos e investir adequadamente neles. Não reconhecer isso coloca em risco todo o plano. Ao converter capacidades abstratas em trabalhos concretos, as organizações estão em posição muito melhor para tornar suas estratégias uma realidade.
Os líderes podem pegar o manual de futebol e considerar as seguintes lições para suas próprias organizações:
Conheça suas funções críticas e onde você precisa investir. Apesar de terem um papel menos visível, os zagueiros importam mais do que outras posições para ganhar jogos de futebol. A percepção de quais funções fazem a diferença deve orientar a atenção e o investimento quando se trata de recrutar, desenvolver e reter talentos. Embora seja importante conhecer seus principais colaboradores, é igualmente relevante saber onde há déficits em funções críticas. Além disso, estas podem mudar ao longo do tempo. À medida que o cenário competitivo evolui, aquilo que faz diferença também pode mudar. Vencer consistentemente requer monitorar não apenas quais são os papéis críticos, mas como eles podem se alterar.
Investir em funções críticas não é apenas encontrar talentos incríveis – é também criar os sistemas e práticas necessários que se concentram em primeiro lugar nessas posições e em segundo nas pessoas que as ocupam. É tentador ficar cego pelo brilho das estrelas e ceder a absorvê-las ansiosamente, independentemente da posição que ocupem. Construir um sistema em torno dessas estrelas torna as organizações frágeis: elas se tornam excessivamente dependentes delas e distraídas do objetivo de alinhar a estratégia com a distribuição de talentos.
Use os dados onde puder e torne-os informações. Quando a empresa é composta por várias unidades, isso pode ser explorado para estudar funções sistematicamente. Muitas organizações têm investido em sistemas que medem o desempenho de unidades de negócios, produtos, regiões ou lojas. É preciso um investimento adicional que conecte essas informações aos dados de pessoal, já que a maioria das organizações não vincula explicitamente o desempenho organizacional e as informações de recursos humanos. Além disso, é comum optar pela facilidade de manter as pessoas em locais fixos em vez de rodá-las por diferentes configurações. Mas a prática de introduzir alguma variação em como e onde as pessoas trabalham pode gerar insights incríveis sobre quais funções impulsionam o resultado. Esses insights podem destacar as contribuições de heróis desconhecidos e onde os investimentos em treinamento e recrutamento podem render os ganhos mais substanciais de desempenho.
Contrate e desenvolva com base nas principais habilidades. Senioridade e pedigree são muito influentes hoje no mercado de talentos. Mais do que isso, eles reafirmam o senso comum quanto ao que é relevante no exercício de um papel. Assim como os líderes podem se equivocar sobre quais papéis são mais importantes, também podem ter uma percepção falsa de quais habilidades e comportamentos fazem a diferença nesses mesmos papéis. Ao identificar capacidades críticas dentro de funções críticas, as organizações podem recompensar o que importa e desenvolver o plano para contratar, reter e desenvolver funcionários com essas habilidades em mente.
Alinhar sistemas e estrutura. Pessoas talentosas em posições críticas precisam ter suporte de sistemas e estruturas que dêem espaço para seus pontos fortes. Semelhante à maneira como as equipes alemãs da primeira divisão de futebol perceberam que priorizar a defesa no posicionamento em campo aumenta as chances de sucesso, as organizações precisam pensar criativamente sobre qual estrutura libera aqueles em trabalhos críticos para fazer o seu melhor. Esses investimentos permitem mais contribuições de suas funções críticas e tornam sua estratégia menos vulnerável à replicação.
Reconheça o papel crítico da liderança. Quando falamos de futebol, os treinadores são o terceiro fator mais importante para vencer jogos. Os líderes definem a estratégia e, em seguida, constroem e motivam a equipe que será parte da execução. Pelo fato do alinhamento de toda a organização ser tão essencial, qualquer etapa significativa para identificar, investir e desenvolver os fatores que levarão ao sucesso requer apoio do topo. Isso é particularmente importante nos eventos em que uma mudança de estratégia pede talentos em papéis historicamente fracos. Os líderes precisam reforçar seu compromisso de apoiar novas funções-chave com suas equipes e em potenciais contratações.
No futebol, vencer pode depender de diferenças muito pequenas. Embora um bom trabalho em equipe seja fundamental, a natureza altamente integrada do esporte obscurece quais papéis são os diferenciais. O uso atento de dados pode lançar luz sobre esses papéis dentro de sua equipe e descobrir resultados surpreendentes que desafiam a percepção convencional. Ter essa visão pode não apenas facilitar sua estratégia – pode ser uma fonte de vantagem competitiva em si.”