Mike Fisher, CTO da Etsy, fala sobre desenvolvimento enquanto líder, fomento a uma forte cultura de engenharia e a empatia na tomada de decisões
O ofício da liderança requer uma ampla gama de habilidades, especialmente no nível executivo. Executivos devem ser estratégicos e táticos, com atenção aos detalhes sem perder de vista o quadro geral. É preciso ter assertividade e humildade para que as ideias mais ousadas sejam sustentadas com naturalidade e leveza. Outra combinação necessária é ser estratégico e relacional. Executivos precisam tomar decisões difíceis sem deixar de atender o lado humano dos liderados.
A função de diretor de tecnologia talvez seja aquela em que esses requisitos fiquem mais evidentes. Embora o conceito de CTO exista desde a década de 1980, o escopo e a escala da função cresceram diretamente proporcionais à importância da tecnologia. Responsáveis pelas estratégias de tecnologia de longo prazo das organizações líderes, CTOs são essenciais para manter tanto empresas legadas quanto nativas digitais prontas para o futuro.
Mike Fisher, diretor de tecnologia da Etsy, conhece os desafios de desenvolver estratégia de tecnologia e soluções de escala em uma empresa de plataforma global. Fisher conversou com Chris Clearfield, da MIT Sloan Management Review, sobre como é liderar a equipe de tecnologia da Etsy, uma empresa conhecida pela cultura de engenharia.
(Durante seu trabalho de coaching e consultoria, Chris Clearfield já trabalhou com a Etsy no passado, mas não tinha nenhuma relação direta com Fisher ou a empresa no momento desta entrevista).
MIT Sloan Management Review: Você diz praticar liderança. Para mim, prática implica refletir e pedir feedback. Como você incorpora reflexão e feedback em sua posição como CTO?
Mike Fisher: Liderança é um ofício. Isso quer dizer que não existe uma resposta certa. Entendi isso durante minha passagem como militar. Lá, seu professor ou seu chefe deve ser seu mentor. Eles observam você liderar um grupo de alunos ou fazer uma atividade e, em seguida, dão feedback. Não é uma situação de sala de aula. No Exército, você não pode ensinar hipoteticamente, com reação baseada em ação. Em vez disso, eles colocam você em situações, observam sua reação e então orientam. Até hoje, tento mentorar da mesma maneira.
Um dos meus primeiros empregos foi em gestão de estoque para uma cadeia de suprimentos. Desenhei softwares e algoritmos e resolvi problemas. Eu adorava esse trabalho. Mas o projeto estava atrasado, então o chefe da minha gerente, uma mentora para mim, reconheceu que eu tinha experiência em liderança e gerenciamento e me incentivou a liderar o projeto.
> Esse impulso da minha mentora me ajudou a dar meus primeiros passos na gestão de engenharia e, no final das contas, ela me convenceu de que essa poderia ser minha carreira.
Hoje, recebo regularmente feedback de 360 graus – de meu chefe (Josh Silverman, CEO da Etsy), de meus pares e das pessoas que trabalham para mim. Agrego valor mantendo contato com pessoas que conheci ao longo dos anos. Tenho o apoio de muitos amigos inteligentes, mas exigentes, de várias áreas – alguns são CTOs, outros são do setor financeiro, alguns são até atletas profissionais – para me ajudar a pensar além dos desafios.
Você está sempre praticando a liderança porque é impossível dominá-la.
Como líder, como você dá feedback às pessoas?
Fisher: Ninguém gosta de receber feedback negativo. Entretanto, dar uma orientação para que a pessoa possa agir em tempo real é benéfico. Também preciso disso. O dia, a hora em que você viu algo para que eu possa tentar mudar. Para aprimorar sua arte, você precisa de feedback.
Você lidera gerentes, principalmente líderes de tecnologia sênior. Quais são alguns pontos comuns de feedback que você dá às pessoas com quem trabalha? Quais são seus desafios comuns?
Fisher: Um desafio comum é não entender a linguagem dos negócios. Meu primeiro mentor me disse: “Você não pode ir a uma reunião com seus parceiros de negócios e falar sobre tecnologia, porque eles não falam essa língua”. A linguagem universal dos negócios é finanças, então é necessário falar essa língua.
O que me levou a fazer MBA e doutorado em administração foi a vontade de entender o mundo dos negócios. Eu só seria um líder melhor em tecnologia quando fosse capaz de entender o que meus parceiros aprenderam ao longo de suas carreiras.
> O trabalho de um CTO não pode ser tomar decisões de tecnologia. É traduzir essas decisões para os negócios.
Líderes seniores de tecnologia e CTOs não são demitidos porque não são bons o suficiente, mas por não serem capazes de explicar suas decisões técnica para outras pessoas na organização. Eles não conseguem explicar como isso vai melhorar resultados ou ajudar a escalar o negócio.
A outra maneira pela qual os CTOs são demitidos é por não entender ou verbalizar o elemento humano do risco embutido em uma decisão. Isso pode tirar um plano do trilho se o CTO não for capaz de reconhecer esse risco.
Fisher: Eu concordo. Os líderes de tecnologia erram quando não quantificam, não explicam o risco ou não apresentam planos de mitigação. Além disso, quando eu era consultor em organizações, percebi que a pessoa mais técnica da equipe muitas vezes virava gerente. Essa não é a melhor forma de pensar.
Na verdade, provavelmente é pior do que escolher alguém ao acaso.Fisher: Provavelmente. Se eles forem supertécnicos, provavelmente não querem gerenciar, porque amam a tecnologia. Minha convicção diz que gerir engenharia é uma disciplina por si só. Não é uma promoção da engenharia.
Tentamos trazer isso à Etsy. Aqui, como um engenheiro de software, você pode alcançar um nível equivalente a um vice-presidente. Isso dá alternativas de crescimento sem forçar os colaboradores a um caminho de gestão.
A Etsy estava relativamente atrasada em fazer a mudança para hospedagem em nuvem. Em termos de tecnologia, como você e sua equipe estão trabalhando para ficar à frente da concorrência?
Fisher: Quando cheguei em 2017, tentei entender o que levou a empresa a muitas de suas decisões. A Etsy foi inovadora em muitos aspectos; ela construiu uma forte cultura de engenharia que impulsionou a inovação. A empresa foi pioneira em post-mortem de projetos e práticas DevOps contínuas. Algo que ainda acontece.
No caso dos servidores locais em vez de hospedagem em nuvem, acho que o desafio da Etsy era que ela nunca repensou essa decisão. Quando me tornei CTO, criei essa oportunidade. Por fim, decidimos que a decisão certa era mudar para a nuvem e recentemente concluímos essa migração.
Criei espaço para reconsiderar decisões anteriores. Tentei fazer disso um princípio pelo qual queremos ser conhecidos. A Etsy sempre foi uma organização que aprende. Compartilhamos o que aprendemos e tentamos aprender com outras pessoas. Nosso blog de engenharia Code as Craft e as séries de palestras são canais para as pessoas mostrarem seus conhecimentos e ensinarem a outros. Isso é parte da cultura de aprendizagem. Precisamos repensar nossas decisões aberta e continuamente.
Estamos começando a ver isso acontecer. Por exemplo, construímos uma infraestrutura de machine learning porque, na época, não havia provedores de serviço disponíveis. Hoje vemos muitas opções que atendem às nossas necessidades.
> É bom ver a equipe ter atitude de dizer: “Há outras opções que devemos considerar.”
Estar aberto para aprender e agir a partir disso é o que vai nos guiar e o que nos conecta a novas tecnologias e oportunidades. É a mentalidade, não a tecnologia.
Muitas empresas de tecnologia no mundo surgiram em épocas semelhantes. Todas tiveram tempo suficiente para agregar complexidade e débitos técnicos em código e arquitetura. Mas o que você está falando é sobre o débito técnico no âmbito do negócio. Você está propondo reexaminar decisões tomadas 10 ou mesmo 15 anos atrás – decisões que foram corretas para a época e para o meio ambiente.
Fisher: Certo. Isso é particularmente importante quando os líderes entram na empresa. Quando eles assumem suas funções, é importante dedicar tempo para entender (e respeitar) as decisões anteriores. Eles devem aprender como as decisões foram tomadas e entender qual era a lógica. Isso não significa que não devemos repensar as decisões, mas não se deve afirmar que todas estavam erradas.
Partimos do pressuposto das melhores intenções. Nenhum desenvolvedor vai trabalhar e diz: “Vou criar um código que quebre algo”. Da mesma forma, ninguém diz: “”Vou tomar uma decisão ruim que vai nos assombrar em arquitetura por anos.”” Todos tomam a melhor decisão que podem com base nas informações disponíveis no momento. Não é correto a liderança dizer: “”Isso está tudo errado””.
Parte dessa arte de liderar envolve ouvir e incorporar feedback. Mas outra parte é reimaginar maneiras de fazer as coisas. Você pode entender porque uma decisão anterior foi tomada, mesmo que não faça sentido hoje. Isso não significa que você não pode mudá-la.”