SEGURANÇA 13 min de leitura

A excelência nos ambientes de trabalho seguros

Todos buscam o padrão asiático de produtividade industrial, mas emerge no Ocidente um modelo fabril de alto desempenho que se apoia em uma cultura de redução de acidentes de trabalho. Um sistema de gestão de segurança em seis etapas pode ajudar

David Michaels
David Michaels
A excelência nos ambientes de trabalho seguros
Link copiado para a área de transferência!

Era uma vez uma fábrica de brinquedos localizada na cidade de East Longmeadow, em Massachusetts, EUA. Administrada pela empresa belga Cartamundi e produzindo jogos e brinquedos para a gigante e também americana Hasbro, trata-se de uma das últimas do ramo que sobrou no país. E sobreviveu apesar da forte presença do sindicato e de se localizar em um estado reconhecido pelos altos impostos, altos salários e altos custos de energia.

A fábrica da Cartamundi vai na contramão de todo o setor de brinquedos dos EUA, que transferiu sua produção para o exterior, principalmente para a Ásia. E ela consegue esse feito porque sua operação fabril em Massachusetts funciona bem; na verdade, é até mais eficiente do que as que foram para a Ásia.

Por meio de um programa voluntário de segurança regido pela Occupational Safety and Health Administration (Osha), agência federal dos EUA responsável por garantir a segurança no trabalho, seus funcionários colaboram para identificar e corrigir riscos, além de tornar o trabalho mais produtivo.

A iniciativa tem dado tão certo que, em 2017, a Hasbro repatriou a fabricação das massinhas Play-Doh. Sei disso porque, na época, eu era o chefe da Osha e soube por meio dos executivos da organização que o programa de segurança foi uma das principais razões para não levar a fábrica para a Ásia.

Dirigi a Osha por mais de sete anos, desde o início do governo Barack Obama até Donald Trump chegar à Casa Branca pela primeira vez, em 2017.

Em minhas décadas de trabalho tanto no setor governamental quanto no privado, comprovei que a segurança do trabalhador e a excelência operacional são inseparáveis. Pesquisas acadêmicas corroboram isso.

Empresas que optam por garantir a segurança do trabalhador entregam um produto de maior qualidade e têm funcionários mais produtivos e leais. Isso sem falar no mais importante e óbvio: sofrem menos acidentes de trabalho, o que, por sua vez, reduz os custos associados a eles.

O líder corporativo que mais influenciou meu pensamento sobre segurança no local de trabalho foi Paul O’Neill, que foi CEO da produtora e processadora de alumínio Alcoa entre 1987 e 1999.

Quando ele assumiu o cargo, a empresa enfrentava dificuldades nos quesitos lucro e segurança. O’Neill instruiu os líderes da Alcoa a priorizarem a segurança, estabelecendo a meta de zero lesões corporais em todas as 342 unidades, nos 43 países onde operava.

Não demorou muito para que percebessem que eliminar esse tipo de acidente de trabalho exigiria entender e controlar rigidamente o processo de fabricação.

Quando enfim conseguiram reduzir os acidentes, os custos de produção caíram, a qualidade aumentou e a produtividade disparou.

Seis anos mais tarde, as vendas estavam crescendo 15% ao ano, as receitas triplicaram e o lucro por ação aumentou mais de 600%. Em 2000, ano em que O’Neill se aposentou, a Alcoa teve o melhor desempenho na Bolsa de Valores de Nova York.

As consequências de não administrar a segurança

Ao longo do século 20, a americana DuPont foi uma das principais fabricantes de produtos químicos do mundo, sempre estando envolvida nos esforços de proteção ao trabalhador. Tal experiência permitiu, inclusive, que passasse a vender serviços de consultoria em segurança para outras organizações.

Em anos mais recentes, porém, o assunto começou a perder importância na companhia, com implicações em seu desempenho. As inspeções tanto da Osha quanto da Environmental Protection Agency, agência federal dos EUA responsável por questões ambientais, descobriram que o compromisso da DuPont com a excelência operacional fora abandonado: pressionada por investidores a reduzir custos e aumentar os lucros de curto prazo, ela deixou seu programa de segurança se deteriorar.

Em 2014, sua fábrica de inseticidas em La Porte, Texas (EUA), sofreu um vazamento de mais de nove toneladas de um produto químico extremamente tóxico. Quatro trabalhadores morreram no acidente.
Ficou claro para nossos inspetores que o lendário programa de administração da segurança da companhia tinha virado um fracasso. A Osha emitiu uma multa de US$ 273 mil para a empresa (uma penalidade alta para a agência, mas não para a DuPont) e a colocou no programa de fiscalização para violadores graves.

No ano seguinte, a Dow anunciou a compra da concorrente DuPont. Do ponto de vista da segurança do trabalhador, o balanço foi positivo, já que a Dow tinha uma operação de segurança melhor do que a DuPont antes da fusão.

Excelência operacional por meio da segurança

Organizações como a Osha emitem relatórios que, ao mesmo tempo em que defendem a segurança, estimam o retorno do investimento em programas de proteção do trabalhador. Esses documentos mostram que os custos de lesões graves – incluindo despesas médicas e reposição salarial, perda de produtividade e contratação e treinamento de novos funcionários – são mais altos do que muitos diretores financeiros calculam.
Na minha experiência, no entanto, os melhores líderes operam não com base no cálculo do ROI em segurança, mas a partir do reconhecimento de que, ao buscar a excelência operacional, eles estão tornando suas empresas mais seguras, mais produtivas e mais lucrativas.
Aqui estão as etapas que líderes devem seguir para implementar, de forma eficaz, sistemas de gestão de segurança:

  1. Assuma o controle do programa de segurança
    A segurança vem de cima. Os líderes corporativos precisam entender e se envolver na abordagem dos riscos ambientais e de segurança que seus funcionários e suas instalações enfrentam.
    Quando os executivos estão nessa mesma página (o que inclui aparecer no chão da fábrica), os trabalhadores percebem seu compromisso com o bem-estar.
    Isso também oferece aos líderes a oportunidade de entender melhor os desafios e perigos reais, além de obter a opinião dos trabalhadores sobre questões de qualidade.
    Muitos especialistas em gestão consideram a mudança da sede da Boeing de Seattle para Chicago, nos EUA, um dos fatores que contribuíram para os problemas de qualidade e segurança vistos recentemente em suas aeronaves. A justificativa do ex-CEO, Phil Condit, para a mudança (evitar que os executivos corporativos fossem “engolidos” pelas operações do dia a dia) parece míope quando olhamos em retrospectiva.
  2. Promova uma cultura operacional segura, não uma cultura de segurança
    Muitos CEOs afirmam que sua organização tem uma forte cultura de segurança, mas, para mim, isso implica que segurança é só mais um item entre muitos outros da cultura da organização. Em vez disso, a segurança deve ser o componente central da cultura organizacional.
    Empresas seguras e comprometidas com a excelência operacional estão focadas na cultura operacional segura, não na cultura de segurança. Isso vai além da semântica: nessas organizações, a segurança é parte integrante de como a organização opera. Existe um incentivo para que trabalhadores e líderes priorizem a segurança em todos os aspectos.
  3. Selecione e implemente um sistema
    de gestão de segurança e saúde
    Toda empresa deve implementar um processo sistemático para encontrar e corrigir riscos no local de trabalho antes que alguém sofra um acidente.
    Esses sistemas de gestão de segurança e saúde exigem melhorias iterativas e contínuas em várias dimensões: participação da equipe de gestão e dos demais trabalhadores, identificação e avaliação de perigos, prevenção e controle de riscos, educação e treinamento e avaliação e melhoria do programa.
    O funcionamento de sistemas de gestão de segurança bem-sucedidos não é um mistério, nem exige um desenvolvimento do zero. Entre os sistemas prontos disponíveis no mercado, os mais usados são o “ANSI/ASSP Z10.0 – Occupational Health and Safety Management System” e o “ISO 45001:2018 – Occupational Health and Safety Management Systems – Requirements with guidance for use”.
    Corporações como Chevron, Dow e Exxon Mobil, optaram por desenvolver seus próprios sistemas de gestão de segurança, atrelados a objetivos de excelência operacional.
  4. Conheça o desempenho de segurança
    da sua empresa
    Na Alcoa, O’Neill determinou que todas os acidentes que resultassem em lesões, ocorridos em qualquer de suas operações ao redor do mundo, fossem relatados diretamente a ele. Além disso, exigiu que a taxa global desses eventos fosse publicada e atualizada em tempo real na home do site da Alcoa.
    Com isso, O’Neill passava duas mensagems claras: segurança e produção estão intimamente ligadas, e produção insegura é inaceitável.
    Embora seja importante rastrear e investigar os acidentes de trabalho, tal indicador não é suficiente e tende a fornecer dados com atraso.
    Para avaliar o progresso da segurança, a Osha recomenda que líderes do alto escalão selecionem um pequeno número de indicadores e, à medida que o programa amadurecer, adicionem outros. Por exemplo, identificação ou redução de perigos, treinamento, investigação de incidentes e tempo para incorporar as recomendações dos peritos.
    Uma abordagem que sugiro é incentivar os trabalhadores a fazerem “boas observações”. A farmacêutica Allergan as define como “observações de segurança que são comunicadas, documentadas, corrigidas e que ajudam a prevenir a ocorrência de incidentes”.
    Trata-se de uma dinâmica importante para que os trabalhadores alertem a liderança sobre perigos iminentes, ao mesmo tempo em que promovem o foco contínuo na redução de riscos.
    A velocidade com que a organização lida com perigos graves é outro indicador que vale acompanhar.
  5. Responsabilize a liderança e os demais gestores
    Recompense a liderança e demais gestores por obter melhores desempenhos em segurança e saúde. Os bônus não devem ser baseados em taxas de lesões, mas em indicadores que reflitam o funcionamento do sistema de gestão de segurança e saúde na organização.
    Algumas empresas ainda bonificam seus líderes por reduzir a taxa de lesões. Como resultado, não é de se estranhar que tal abordagem incentive a subnotificação. Vi muitos exemplos de trabalhadores feridos “desencorajados” a relatar seus acidentes.
    Fato é que não dá para investigar uma lesão que não tenha sido relatada e, muito menos, aprender algo a partir dela para evitar que ocorra novamente. Punir um trabalhador por relatar uma lesão ou doença ou ter uma política que desencoraje a denúncia é uma violação às regras da Osha e das melhores práticas globais de saúde e segurança no trabalho.
    Na Alcoa, O’Neill atenuou o problema dando seu próprio número de telefone aos trabalhadores, incentivando-os a relatar condições inseguras. Ele ainda penalizava publicamente líderes e gestores que não relatavam problemas de segurança.
  6. Planeje-se para lidar com os erros
    É um mito que atos inseguros sejam a principal causa de incidentes que resultam em ferimentos. Embora o erro humano tenha seu papel, raramente ele é o único fator.
    Apesar de ser importante minimizar os erros, programas de segurança que se concentram principalmente em preveni-los provavelmente não terão sucesso, pois alguns são inevitáveis.
    Mas as lesões não precisam ser. Um indicador-chave de um sistema de gestão de segurança bem-sucedido é que os erros não resultem em lesões ou mortes. Este deve ser projetado para levar em conta a falibilidade humana.
    A aviação comercial aprendeu essa lição. Em 1998, transportadoras aéreas, fabricantes de aeronaves, sindicatos de trabalhadores de companhias aéreas e várias agências governamentais se uniram para formar a Commercial Aviation Safety Team (Cast), uma iniciativa para desenvolver e recomendar melhorias de segurança em todo o setor. Como resultado, a parceria contribuiu para reduzir a recordes mínimos a taxa de acidentes fatais na aviação comercial.

OS PERIGOS NO LOCAL DE TRABALHO estão se tornando mais significativos, e os empregadores enfrentam desafios cada vez maiores para proteger seus funcionários. A frequência e a intensidade de calamidades naturais, doenças infecciosas e calor extremo vêm aumentando com a crise climática.
Trabalhadores, especialmente os mais jovens, estão menos dispostos a tolerar riscos no ambiente laboral. Suas preocupações com segurança impulsionaram movimentos sindicais na Volkswagen e Mercedes, além de esforços de organização liderados por baristas da Starbucks nos EUA e por funcionários do centro de distribuição da Amazon em Staten Island, Nova York (EUA).

Todo trabalhador deseja terminar seu turno e voltar para casa tão saudável quanto no começo do dia. Este é o momento para líderes corporativos reconhecerem que tomar medidas reais para proteger seus funcionários trará benefícios não só para eles, mas também resultará em negócios melhores e mais produtivos.

David Michaels
David Michaels
David Michaels é epidemiologista e professor na Milken Institute School of Public Health da George Washington University (EUA). Entre 2009 e 2017, comandou a Occupational Safety and Health Administration (Osha), agência federal americana responsável por garantir a segurança no trabalho.

Deixe um comentário

Você atualizou a sua lista de conteúdos favoritos. Ver conteúdos
aqui