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Quem tem medo da alta rotatividade dos profissionais de inovação

No meio de sua jornada intraempreendora, ela recebeu uma proposta tentadora de outra empresa: assumir o cargo de head de inovação Latam numa tradicional empresa do setor farmacêutico com aumento de salário de 25% sobre o que recebia. E então?

Maximiliano Carlomagno
29 de julho de 2024
Quem tem medo da alta rotatividade dos profissionais de inovação
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Baseado em fatos reais.

Era fevereiro, um chuvoso final de sexta feira, na Vila Olímpia em São Paulo. E um sentimento de esperança tomava conta de Juliana; ela tinha acabado de participar de um evento seguido de uma reunião com a diretoria da empresa onde trabalhava, uma das maiores fabricantes brasileiras de bens de consumo. Os dois acontecimentos, num badalado hub de inovação, haviam sido incríveis.

Depois de assistir ao pitch de diversas startups e ver o seu plano de inovação para os cinco anos seguintes aprovado pela alta gestão, Juliana tomou a direção de casa com a sensação de dever cumprido. Os meses passados de trabalho árduo pareciam ter valido a pena e sinalizavam o inicio de um futuro com a transformação desejada.

Um pouco mais de seis meses após esse dia, Juliana gerenciava uma equipe de quatro pessoas e tinha sido promovida de coordenadora a gerente de inovação. Além disso, havia lançado um programa de aceleração de startups, disseminado métodos ágeis internamente e iniciado uma série de projetos de inovação. Juliana ganhou projeção interna e reconhecimento externo. Passou a ser figurinha carimbada como painelista de eventos de inovação compartilhando melhores práticas. Não demorou para receber ofertas de trabalho, dado o aquecido mercado de inovação corporativa.

No meio da jornada chegou uma proposta tentadora. A oportunidade de assumir o cargo de head de inovação Latam numa tradicional empresa do setor farmacêutico com aumento de salário de 25% sobre o que recebia. Como a oferta apareceu enquanto ainda não tinha colhido os resultados do mandato vigente, Juliana ficou em dúvida: deveria ou não deveria mudar? Sabe aquele jogador de futebol que sai do time na semifinal do campeonato? Ela se sentiu assim. Mas quem iria responsabilizar um profissional que abraça uma proposta irrecusável? Juliana decidiu aceitar.

A NOVA OPORTUNIDADE E O REVÉS

O começo do trabalho na nova empresa não foi como Juliana esperava. Compreensível: a ambientação num novo contexto nem sempre é fácil. O diretor de novos negócios, para quem passou a reportar, tinha um estilo de gestão que não estava acostumada. Depois de algumas semanas, percebeu que o cargo de head não tinha tanta importância lá dentro como parecia ter no Linkedin. As viagens ao Peru e Argentina para conhecer as respectivas operações locais mostraram que o Brasil deveria ser o foco de sua atuação, afinal respondia por 85% do negócio da América Latina.

Juliana fez o dever de casa e, ainda que com dificuldades, engajou a diretoria para alinhar uma estratégia de inovação. O foco da empresa era melhorar a operação e entregar resultados de curto prazo. Juliana se adaptou e pivotou a ambição original de criar novos negócios para atuar como parceira das business units (BUs) em iniciativas que poderiam trazer inovação ao core business. 

Apenas três meses depois da entrada de Juliana, a empresa contratou um diretor de TI e, dada a natureza dos projetos de inovação com foco na eficiência operacional, a estrutura de inovação foi migrada para debaixo das asas da TI. Na nova área, Juliana percebeu que havia um conjunto de iniciativas de TI com foco em “inovação”. Na prática, eram projetos de mudança de softwares obsoletos por soluções mais up-to-date.

Embate com TI

O embate com o time de TI pela “paternidade” da inovação começou. Juliana tentou alinhar uma governança sobre o papel de inovação e de TI. Nesse meio tempo, a empresa recebeu o investimento de um fundo de private equity global que trocou o CEO da empresa no Brasil e montou uma estrutura de gestão Latam sediada em Buenos Aires.

A interlocução de Juliana com a alta gestão já não era mais a mesma. Veio a pandemia do Covid-19 e os novos controladores decidiram enxugar a estrutura e cancelar projetos de inovação, logo no momento em que mais precisavam.

Aconteceu o que Juliana já imaginava. Apenas seis meses depois de sua chegada, todo time de inovação foi desligado. Um coordenador da TI assumiu os projetos em andamento. A visão de inovação se dissipou. (Ao menso, até que ressurja num novo momento.)

Juliana acabou por viver o outro lado da moeda – ser desligada no meio do campeonato. Infelizmente, acabou não entregando resultados concretos na empresa de bens de consumo nem na farmacêutica. O residual de mindset, ferramentas e cultura podem ter ficado lá nas duas experiências, mas quem garante?

Em menos de dois anos de trabalho Juliana gerenciou a inovação em duas empresas. Tempo insuficiente para inovar e transformar uma organização. 

CENÁRIO COMUM – E PERIGOSO

O caso baseado em fatos reais da Juliana tem sido mais frequente do que deveria. O mercado de inovação vive um cenário desafiador. O relato acima ilustra três movimentos de mercado que podem minar a efetividade da inovação no longo prazo:

• Empresas ansiosas por inovar geram alta demanda de recrutamento por profissionais de inovação.• Profissionais ávidos por novos cargos, chancelas e carimbos buscam novas oportunidades antes que seus projetos deem resultado.• Empresas desalinhadas e impacientes acabam por destruir a capacidade de inovação ao entrar num ciclo vicioso de começar-parar-retomar e desligar os profissionais antes do tempo necessário para que os resultados floresçam.

Esses movimentos causam o aumento do turnover de profissionais em posições de inovação e, principalmente, a redução dos resultados de iniciativas inovadoras.

Nos EUA, segundo dados da Innovation Leader, o tempo médio de permanência de gestores de inovação é de três anos, prazo insuficiente para transformar ambições em realidade, Por aqui, ainda que não existam dados sobre o tema, é empiricamente visível que a rotatividade dos profissionais de inovação está maior do que o necessário para que se consiga colher resultados.

Vamos detalhar as consequências dos três movimentos:

1. Empresas ansiosas por inovar aumentam a demanda de novos profissionais 

A alta gestão sabe que não pode abrir mão da inovação. As pesquisas indicam que a inovação é prioridade para 84% dos CEO’s. As estruturas part-time de inovação deram origem a posições dedicadas ao tema. Isso gerou uma demanda impressionante por profissionais com essas competências. Existem 7.082 posições abertas no Linkedin relacionados a inovação no Brasil. Impressionantes 53.000 profissionais se definem como diretores ou heads de inovação no Brasil na mesma plataforma. Não resta dúvidas de que houve um crescimento significativo, ou melhor, exponencial por cargos de inovação como a turma gosta de dizer. Essa demanda cria enormes oportunidades, mas também ilude determinados profissionais.

2. Profissionais de inovação desistem de projetos ao subestimarem as dificuldades para inovar

Quem sobe o Everest dedica meses de preparação para poucos minutos de glória no topo da mais alta montanha do planeta. O caminho é cheio de dificuldades. Desistir no primeiro acampamento base com o pretexto de se dedicar a escalar o segundo pico mais alto não vai faze-lo um melhor alpinista.

Subestimar os desafios é característica daqueles que desconhecem a complexidade do processo de transformação organizacional. Optar por popularidade como recompensa de curto prazo acaba sendo um caminho alternativo perigoso. 

Quem enfrenta barreiras no emprego se candidata a novas vagas como se a grama do vizinho fosse sempre mais verde. Ledo engano. Esse movimento amplia a saída de profissionais em posições de inovação para oportunidades similares em empresas supostamente mais preparadas. Pena que, às vezes, aquilo que parece difícil pode piorar.

3. Empresas desalinhadas tornam-se impacientes com a inovação

Inovar não é fácil. Fazer inovação disruptiva é ainda mais difícil. Transformar o modelo de negócios de uma empresa centenária é complexo. Ir ao Vale do Silício, voltar de lá iludido com a inovação que se respira no ar e acreditar que será possível fazer disrupção com estrutura limitada e poucos recursos é auto-engano.

Mais do que isso, é uma proposta inadequada para com as pessoas envolvidas e irresponsável com a própria empresa. Tentar fazer inovação sem que haja um alinhamento sobre o que é inovação, que tipo de inovação se está buscando e quais os recursos necessários para ter alguma chance, é jogar dinheiro fora. O desalinhamento estratégico ocasiona decisões prematuras de descontinuar projetos e estruturas de inovação antes do tempo mínimo necessário para sua execução.

DUAS PROPOSTAS PARA FORTALECER O MERCADO

A maior demanda por profissionais de inovação é muito positiva. A saída voluntária ou involuntária antes do prazo necessário para o atingimento dos resultados não é.

Todos que trabalhamos com inovação podemos ajudar no amadurecimento do mercado. Precisamos decidir se queremos ser avaliados por prêmios e eventos ou pelo impacto efetivo de longo prazo de nossas iniciativas. Número de startups em pitchday não é KPI (indicador-chave de desempenho0 de sucesso de inovação.

A melhoria da performance da inovação corporativa depende da mudança de mindset de corporações, profissionais de mercado, recrutadores e mídia especializada. Duas propostas concretas podem ajudar.

A primeira é a conscientização, por parte de empresas estabelecidas, de que inovar é importante, mas não é fácil. Se fosse todos seriam inovadores e isso deixaria de ser uma fonte de vantagem. É possível acelerar o processo de inovação e melhorar a sua efetividade, mas remanescerá o caráter incerto inerente a quem quer fazer algo novo. Sem risco não há retorno acima da média. Determinadas inovações demandam maior risco e tempo de maturação. Alinhar a organização para o tipo de inovação priorizada e dota-la do conjunto de recursos necessários é condição sine-qua-non para aumentar as chances de capturar valor de inovações. Reduzir a ansiedade de inovar a qualquer custo e sair fazendo algo sem saber o racional pode ser um bom caminho. Entender que os resultados não surgem do dia para a noite torna-se decisivo.

A segunda, é mudar o mindset sobre o que valorizamos nos profissionais de inovação. O de/para pode ser assim:

• Da ênfase no anuncio de novas iniciativas para a valorização da entrega e prestação de contas de resultados efetivos.• Da glorificação de métricas de vaidade para o reconhecimento do esforço dedicado até o fim mesmo quando fracassado.• Da mitificação do “one man show” para a promoção do trabalho em equipe.• Da viralização da “nova conquista” simbolizada por um cargo com nome mais cool para a valorização da persistência para atingimento de transformações duradouras.

Na sociedade contemporânea todos querem os efeitos do sucesso, mesmo antes de atingi-lo. Mudar a ótica de análise, do barulho gerado pelas iniciativas de inovação para o impacto alcançando, é o melhor caminho para profissionais, empresas e sociedade.

SEM THRILLER

Faça chuva ou faça sol, não queremos que, no final do dia, a busca por inovação se transforme num thriller de ficção científica corporativo. Para que evitemos a proliferação de casos similares ao da Juliana, é fundamental endereçar as disfunções apresentadas.

As medidas sugeridas aqui têm o potencial de, não só reduzir a rotatividade de profissionais, mas de gerar oportunidades consistentes para inovadores qualificados e resultados duradouros para empresas maduras.

Que consigamos ter menos “overselling” e mais trabalho duro. Menos espuma e mais conteúdo. Menos ansiedade e mais serenidade. Menos ilusão e mais coerência.”

Maximiliano Carlomagno
É sócio-fundador da Innoscience, consultoria de inovação corporativa que trabalha com empresas como Roche, Coca-Cola, Duratex, Hypera Pharma. SLC Agrícola, Sicredi, M. Dias Branco, Braskem, Nestle, Ipiranga e Avon. É autor do livro “Gestão da Inovação na Prática”.

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