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Capacitação profissional: as novas formas de educação no futuro do trabalho

Empresas têm dificuldade em achar profissionais qualificados. Para sanar o problema, é preciso repensar os modelos de educação formal existentes e o papel de entidades públicas e privadas

Paul Ferreira
6 de agosto de 2024
Capacitação profissional: as novas formas de educação no futuro do trabalho
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Já falamos aqui nesta série de artigos sobre a natureza, a força e a execução do trabalho, mas agora finalizamos com o quarto pilar fundamental, a educação. Aqui, propomos a construção de uma agenda positiva sobre o futuro do trabalho no país.

Leia também: Futuro do trabalho no Brasil: mudanças na natureza do trabalho

Os desdobramentos socioeconômicos da pandemia intensificaram um problema já estrutural para a sociedade brasileira: o desemprego. No terceiro trimestre de 2021 foram registrados 13,5 milhões de brasileiros desempregados e em busca de uma oportunidade profissional. Em contrapartida, uma pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral, em parceria com a Robert Half, identificou que 42% das empresas brasileiras possuem vagas abertas que não são fechadas devido à falta de profissionais qualificados. O caso do Grupo Pão de Açúcar, que abriu mais de 2 mil vagas de emprego e selecionou apenas 700 candidatos, reflete bem o problema.

O descompasso entre trabalhadores desempregados e empresas que não encontram profissionais qualificados reflete um problema em termos de competências e habilidades ofertadas. Essa situação, que ocorre em escala global, está diretamente relacionada ao acelerado ritmo de mudanças no mundo do trabalho, que promove uma menor duração e uma maior substituição das habilidades.

Se, antes, os trabalhadores tendiam a passar toda a vida profissional desempenhando a mesma função e as mesmas habilidades, hoje isso não é mais uma realidade. As constantes inovações tecnológicas demandam que a força de trabalho esteja sempre em processo de aprendizagem, o que confere uma maior importância ao sentido de lifelong learning, a educação continuada ao longo da vida.

Uma consequência significativa desse processo é a mudança na forma como a aprendizagem é abordada durante a carreira profissional. Tradicionalmente, o modelo “learn to work” (aprender para trabalhar) levava os trabalhadores a, inicialmente, desenvolver as habilidades necessárias e, em seguida, ingressar no mercado de trabalho. Após esse breve período de aprendizagem, eles desempenhavam continuamente a mesma função ao longo da trajetória profissional.

Entretanto, hoje observamos a transição progressiva para um modelo “learn-work-learn-work”. Nele, os trabalhadores estão em um constante processo de aprendizagem, desenvolvendo sempre novas habilidades, desempenhando diferentes funções e ingressando em outras trajetórias profissionais.

Além disso, as mudanças esperadas para o futuro do trabalho definem também a necessidade de um modelo “just in time learning”, em que os profissionais desenvolvem habilidades consoante as necessidades encontradas naquele momento especifico de suas trajetórias profissionais. O desenvolvimento dessas competências é uma maneira de se manter produtivo a medida que as demandas do mercado evoluem.

Competência profissional além da educação formal

Há também uma percepção do mercado de que o acesso à educação formal não é o único requisito que garante a formação da mão de obra qualificada. O sinal dessa mudança está nos processos seletivos de várias empresas, que retiram de seus critérios de contratação elementos como universidade, formação e diploma. Essa tendência se faz presente, principalmente, no setor de tecnologia, em que o domínio de determinadas habilidades pode ser demonstrado a partir da aplicação de testes técnicos.

A especialista em RH Lilian Sanches afirma que “uma série de empresas de tecnologia não contrata mais por diploma, mas pelo o que a pessoa sabe fazer. Mas a maioria ainda tem uma matriz de cargos e salários, e as pessoas se candidatam por essas questões. Isso faz sentido ainda? Esse diploma vai garantir a eficiência? As regras são tão engessadas, que as pessoas não se questionam”.

O empresário Kai-Fu Lee, no livro Inteligência Artificial, também aponta que o sistema de ensino tradicional deve perder força nos próximos anos. Na China, é comum que muitos desempregados utilizem plataformas como o Coursera como forma de aprender novas habilidades técnicas, especialmente de programação. Essa tendência revela um fato importante em relação à educação no futuro, e diz respeito à forma como o ensino será ofertado.

Se, até então, a educação passava necessariamente pelas universidades, hoje encontramos uma multiplicidade de agentes atuando no sentido de promover novos modelos de ensino. É nessa lógica que a educação executiva passa a ser cada vez mais uma realidade para diversas empresas, que visam qualificar e requalificar sua força de trabalho. No contexto brasileiro, empresas como Ambev e Bradesco já oferecem oportunidades de treinamento profissional a seus funcionários, tendência que se intensificou após a pandemia devido à maior necessidade de se capacitar a força de trabalho para se adaptar ao trabalho remoto.

Ademais, empresas privadas estão criando suas próprias instituições de ensino. O caso do Instituto de Tecnologia e Liderança (Intelli), escola de ensino superior e profissionalizante criada com financiamento da BTG Pactual, tem como objetivo treinar os estudantes para tarefas analíticas e, ao mesmo tempo, desenvolver soft skills como liderança e gestão de pessoas por meio de cursos de graduação e cursos de média duração para graduados e alunos de ensino médio.

Diante de uma maior participação de agentes privados, mudanças significativas no papel desempenhado pelo Estado devem ocorrer. Apesar de o número de vagas em universidades públicas ter se mantido praticamente constante nos últimos dez anos, observamos um crescimento exponencial do número de instituições de ensino privadas e da educação corporativa.

Assim, podemos esperar um futuro da educação marcado pela maior oferta de ensino por parte de outros agentes que não o governo, junto à implementação generalizada do ensino a distância ou híbrido. A partir dessa análise, é possível compreender que a forma como se dá a qualificação dos trabalhadores está em processo de mudanças, adaptando-se às necessidades tanto da força de trabalho quanto do mercado. Certamente iremos observar mudanças significativas na relação entre educação e trabalho.

Perguntas sem respostas claras

Agenda positiva – Incertezas em relação ao futuro do trabalho
Natureza do trabalhoQuais serão os profissionais mais bem remunerados e valorizados socialmente?
Quais trabalhos serão realizados por humanos?
Quais serão os efeitos da GIG Economy no longo prazo?
A terceirização da atividade no fim terá impacto na forma de contratações e remuneração?
Como a legislação trabalhista se adapta às novas demandas das empresas?
Força de trabalhoComo o sistema previdenciário lidará com o envelhecimento populacional?
Como as empresas irão promover novos programas de inclusão social?
Como a força de trabalho conseguirá desenvolver as competências exigidas pelo mercado?
Como se dará a cooperação entre humanos e máquinas?
Como o conflito de gerações impactará a inovação?
Execução do trabalhoComo as empresas lidarão com o fim da pandemia?
O home office/anywhere office será implementado de forma generalizada?
De que maneiras as empresas irão promover a saúde mental e o life balance de seus colaboradores?
Como será a jornada de trabalho com contratações ao redor do mundo?
Qual será o papel da gestão de pessoas?
EducaçãoComo a educação será financiada no futuro?
Quais formações acadêmicas serão mais demandadas?
Como as empresas irão contribuir para a formação técnica-profissional?
Qual será a relevância de mestrados e doutorados na formação profissional?
Quem fará ensino superior?

Cenário futuro do mercado de trabalho brasileiro

O Brasil possui diversos problemas que o colocarão em uma situação delicada no contexto do futuro do trabalho. O baixo investimento em infraestrutura que permita acesso à internet por boa parte da população, somado às poucas habilidades e competências digitais encontradas no país, são enormes empecilhos.

Ademais, muitos aspectos ainda desconhecidos podem mudar drasticamente a forma com que o trabalho no futuro se dará. Sabe-se que a automação de novos setores de trabalho gerará um aumento no desemprego e haverá a necessidade de acolher esses trabalhadores por meio de programas de seguridade social até que eles consigam se realocar no mercado. Programas de treinamento serão necessários em um futuro próximo, de forma a permitir que os trabalhadores de hoje possam atuar no mercado de amanhã.

A situação de muitos poderá ser frágil e delicada. A exclusão de classes sociais tende a aumentar em um contexto altamente tecnológico. A humanidade poderá passar por momentos turbulentos na mudança para um contexto no futuro do trabalho, e a necessidade de auxílio governamental se vê como a alternativa mais viável.

Leia também: Futuro do trabalho no Brasil: mudanças na força de trabalho e na execução

Paul Ferreira
É professor em tempo integral de estratégica e liderança na Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP, Brasil), diretor do mestrado executivo em administração (MPA) da FGV EAESP e vice-diretor do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (NEOP). Desde 2020, Paul é colunista do MIT Sloan Management Review Brasil. Além disso, ele é pesquisador visitante permanente na Universität St. Gallen (Suíça).

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