Para inovar, é preciso trabalhar de maneira diferente da abordagem convencional. Não adianta querer inovação, se não houver uma imersão de cocriação entre os envolvidos
As mensagens de Whatsapp e os e-mails não tinham mais resposta. A solução era tentar, novamente, ligar para o diretor industrial da empresa. As técnicas de follow up com o time interessado haviam se esgotado.
O negócio importava muito para Juliano, fundador da StartupCo. Ainda em fase de validação, é uma solução de SaaS/B2B para gestão de parques industriais.
Após uma reunião inicial muito promissora, o projeto com o potencial cliente-anjo não engrenou. Pior ainda: seis meses após o primeiro contato, o piloto desenhado já não parecia fazer sentido. Do lado da grande empresa, a turma não sabia o que queria, cada reunião aparecia uma galera diferente fazendo perguntas antigas e levantando problemas novos. Juliano não conseguia mais identificar o tomador de decisão. O fato de conhecer o diretor industrial não ajudava.
Juliano e sua solução são exemplos fictícios de um drama real, os problemas de comunicação entre startups e grandes empresas. Segundo a 100 Open, mais de 3 mil empresas brasileiras de médio e grande porte têm contratado, investido ou feito parceria com startups. O ecossistema latino-americano já se aproxima de 25 mil startups. Há diversas plataformas, sites, mapeamentos e reports disponíveis.
Existem programas de startups para melhorar essa interface, em que as corporações definem áreas de interesse, cronograma e modelo de relacionamento para acelerar essa conexão. No entanto, os problemas persistiam.
O principal desafio da inovação aberta para empresas estabelecidas não está em encontrar boas startups. O ponto crítico está na transformação de um contato inicial em projeto.
Foi o caso de Juliano e a StartupCo, e é o de muitos outros. Este artigo pretende esclarecer as limitações da abordagem convencional de interface entre empresas estabelecidas e startups para desenho de projetos-piloto. Além disso, vai apresentar a imersão de co-criação, um método testado com resultados promissores.
Todo mundo quer inovar mas nem todo mundo quer trabalhar de maneira diferente. Se você é diretor de uma grande empresa, já deve ter conhecido startups que têm potencial de complementar seu negócio. Então, qual o passo seguinte a esse primeiro contato?
À medida que as partes acreditam que a solução da startup funciona para a necessidade da empresa, o próximo passo é discutir um projeto para ver se a parceria tem potencial. O caso de Juliano e da StartupCo ilustra bem a experiência com a abordagem convencional. Uma sequência de reuniões com diferentes stakeholders, no formato inadequado, com mentalidade inapropriada e sem resultado. O tempo passa. O tempo voa. E o piloto não se transforma em uma boa oportunidade.
Vivemos a economia da atenção. As empresas avançam naquilo em que seus líderes se envolvem. Determinadas atividades requerem atenção concentrada para que sejam executadas, especialmente aquelas que lidam com maior incerteza.
Quem trabalha em uma grande empresa vivencia a “síndrome do part-timer”. O cara bom faz um pouco de um monte de coisas. É um processo de distribuição da atenção dos profissionais numa quantidade de projetos que inviabiliza o alto desempenho.
Na abordagem convencional de relacionamento startup-empresa, as interfaces para o desenvolvimento dos projetos são infrequentes, despreparadas e, por consequência, não têm fim. Ninguém assume decisão em temas com múltiplos stakeholders.
Nesse contexto, acentua-se a aversão a perdas. Não se cria confiança, a discussão fica picotada, os interlocutores se alteram a todo momento, reduzindo a convicção para colocar algo novo para funcionar. Ao longo de seis meses de contatos surge a dúvida: por que mesmo devemos tentar algo novo?
É o fim da linha.
A imersão de cocriação é um método desenvolvido a partir de experiências de outros campos de conhecimento e que incorpora a filosofia de design sprint e métodos ágeis. É um momento de trabalho imersivo e conjunto entre startup e grande empresa a fim de desenhar um projeto-piloto. É uma abordagem baseada na colaboração com um produto esperado bem definido. As partes passam a formar um único time com um propósito claro. Nos últimos anos, vivenciamos essa realidade com o desenho de 450 projetos-piloto entre startups e empresas como Nestlé, Ambev, SLC Agrícola, Hypera Pharma, Ocyan, M. Dias Branco, Coca-Cola e Braskem.
A palavra imersão, do latim immersio, é sinônimo de “mergulho”. Há imersões em diversas áreas. Eu já fiz imersões para aprender novas línguas ou novos esportes. Imersões criam foco, e os resultados são surpreendentes.
A imersão de cocriação tem o propósito de desenhar projetos-piloto que possam testar, em um curto espaço de tempo, a efetividade da parceria. Segundo startups e empresas estabelecidas com que trabalhamos, a abordagem convencional faz com que um projeto-piloto demore de três a seis meses para ser desenhado. Em média, são oito a dez reuniões. Trocas de interlocutores e perda da memória do projeto frequentemente fazem com que o piloto seja cancelado antes de ser testado.
A imersão de cocriação comprime esse tempo. Restabelece a confiança e proporciona uma melhoria sensível da taxa de conversão de contatos em projetos.
Segundo nossos cálculos, 75% das interfaces se transformaram em pilotos. Uma das chaves dessa taxa de conversão é o método de organização da interação. Não basta reunir as partes de forma imersiva.
As startups precisam saber o que querem e não podem se iludir apenas pela marca da empresa interessada. A empresa estabelecida deve saber o que está buscando e se organizar para esse relacionamento disponibilizando recursos, orçamento e tempo dos times – como faz em qualquer projeto estratégico.
A melhor forma de entender algo novo, avaliar alternativas e trabalhar em time é concentrando ao máximo as atividades. É como aprender um novo esporte. Não dá pra fazer um pouquinho a cada 15 dias e acreditar que vai avançar. Na prática, a cada vez que você retoma é como se partisse do zero. Há uma verdade muito dura no ambiente de negócios: ninguém faz nada incrível no tempo que sobra.
A imersão de cocriação funciona em um espaço de tempo de três dias, em período integral. É necessário colocar todos os interlocutores juntos por um período mínimo de tempo que os permita desenvolver confiança (você não faz algo ótimo com quem não confia e não confia em quem não conhece). O mais importante é que pessoas direta e indiretamente interessadas e com autonomia estejam presentes.
A maior parte das áreas de negócio de empresas estabelecidas está habituada com o modelo de relação cliente-fornecedor, em que a lógica é definir um escopo detalhado, emitir uma requisição de compras e avaliar de forma crítica o entregável de uma proposta desenvolvida por um parceiro que não conhece profundamente a sua necessidade. É um jogo que funciona para comprar produtos existentes, mas que não funciona para o desenvolvimento de inovações em parceria com startups.
Não há dúvida de que é desafiador reunir um time de pessoas da empresa e da startup durante três dias inteiros. Você pode optar pela abordagem convencional e acreditar que irá conseguir fazer isso em um conjunto de reuniões esparsas ao longo do tempo, mas o que aprendemos é que isso levará muito mais tempo – e com grandes chances de morrer na praia.
Uma boa imersão é dividida em quatro fases:
Dividida em duas partes: necessidade e solução. A primeira parte envolve a apresentação detalhada do problema ou a oportunidade visualizada pela empresa. O envio de informações prévias para a startup com um briefing detalhado pode acelerar o entendimento. Nesse momento, a empresa deve compartilhar a situação atual, indicadores, soluções já testadas, stakeholders envolvidos e demais informações que permitam um completo entendimento da realidade.
A segunda parte trata da apresentação, em profundidade, da solução atual da startup e das possibilidades de curto e médio prazo. Ela deve ser compartilhada em detalhes com casos de uso, resultados, tecnologia, modelo de negócios e demais informações que permitam à empresa avaliar seu potencial. As possibilidades de curto e médio prazo, assim como o interesse da startup em adaptar a solução existente, devem ser feitos com bastante cuidado. Não são raros os casos em que as grandes empresas pensam que startups são fábricas de software ou que startups digam “dá pra fazer” para qualquer coisa.
É a elaboração da proposta de piloto. O framework de aprendizagem de pilotos, apresentado originalmente na MIT Sloan Management Review Brasil, estrutura um protocolo e linguagem comum para essa interface. São nove temas a serem discutidos: problema/oportunidade, incertezas, KPIs, hipóteses, experimento, recursos, despesas, cronograma e roadmap.
Há uma ordem natural a ser respeitada. O primeiro eixo é a definição do problema/oportunidade. Sem isso, qualquer discussão sobre um potencial experimento tende a ser contraproducente. O segundo eixo trata das incertezas, KPIs e hipóteses. O terceiro envolve definir experimento, recursos e despesas. Por fim, cronograma e roadpmap.
O experimento, coração do projeto-piloto, deve ser estruturado em função do “o quê” (qual o experimento), “onde” (local de execução), “quem” (envolvidos), “como” (passo a passo) e “quando”.
Trata da validação do desenho junto a terceiros. Áreas como as de tecnologia, regulatório, clientes ou parceiros são alguns dos potenciais atores a serem consultados. A orçamentação da proposta é outro ponto importante durante essa fase. Startup e empresa estabelecida devem trabalhar conjuntamente para discutir os parâmetros e condições.
Nesse momento também é relevante discutir eventuais condições futuras da relação que devam ser estabelecidas. Deve-se ter um cuidado para não tentar fazer dessa a hora de discutir um contrato de investimento ou a aquisição antes da solução ter sido sequer testada.
Por outro lado, há determinados pontos sensíveis que a empresa pode não se sentir apta a seguir sem discutir. Por exemplo, propriedade intelectual. Caso a relação envolva algum co-desenvolvimento, como fizemos com uma empresa do agronegócio brasileiro, é fundamental definir a propriedade pregressa, a propriedade compartilhada e a propriedade resultante do projeto.
Envolve a aprovação da execução do projeto-piloto. Para tanto, alguns cuidados podem fazer diferença. O primeiro é reunir, ao mesmo tempo, todos os interessados e impactados pela solução. O segundo é pensar no piloto como um início da parceria e, por isso, dimensionar o tamanho do projeto apenas para aquilo que seja necessário para validar as incertezas e hipóteses priorizadas.
Além disso, é recomendável comunicar com clareza a relevância do problema/oportunidade, de preferência com dados e fatos, e diferenciar a solução da startup das demais alternativas disponíveis no mercado. Essa aprovação envolve, também, a alocação não apenas dos recursos financeiros, mas, especialmente, do time necessário para executar o projeto-piloto.
Startups correm contra o tempo para validar e escalar suas soluções. Empresas estabelecidas, pressionadas para inovar, têm que responder com agilidade a um mercado em transformação. A melhor forma de saber se uma nova tecnologia funciona é testando.
No entanto, se o método de desenho do experimento não for efetivo, ambas as partes podem perder o timing. A imersão de cocriação é uma abordagem testada em centenas de projetos que pode ajudar os envolvidos a terem o alinhamento estratégico, desenhar, validar e aprovar internamente a parceria. “