Sensores de realidade aumentada inseridos em um contexto rico permitem que as empresas liguem os pontos e construam melhores produtos e processos
A palavra “sensor” tornou-se inseparável da internet das coisas (IoT) – sensores detectam condições do ambiente e comunicam esses sinais bidirecionalmente como dados, sejam as condições de operação de um equipamento industrial ou seja ligar remotamente o termostato da sua casa. Esses dados são os impulsionadores do impacto econômico da IoT, estimado pela McKinsey em até US$ 1,1 trilhão ao ano em 2025.
Antes da IoT, as duas funções de um sensor – detecção de uma mudança no entorno e comunicar os dados relativos a ela – eram comumente realizadas por humanos. Hoje, com a adoção da tecnologia de realidade aumentada (AR), os humanos logo estarão equipados com sensores por meio de vários dispositivos de AR, como telefones e headsets. Este crescimento gera oportunidades ainda desconhecidas para as organizações no sentido de usar esses dados para impulsionar a eficácia operacional e diferenciar seus produtos e serviços para os consumidores.
O mercado de realidade aumentada de hoje se parece com o IoT de 2010, gerando bastante barulho e exibindo seu valor a partir das novidades que oferece aos usuários. A capacidade de visualizar, instruir e interagir que a realidade aumentada nos dá pode transformar a forma de trabalharmos com dados. Com base nas lições aprendidas nos primeiros dias da IoT, as empresas devem se perguntar: qual é a melhor maneira de planejar o uso da AR e ver oquanto ela vale, para que possamos criar produtos e processos melhores a partir dos insights do usuário?
Quando fazemos esse planejamento, há muito o que aprender a partir do passado recente e conectado. Os lançamentos do iPhone e do Android de 2007-2008 traziam dados importantes sobre como os consumidores se engajavam com as marcas e deram aos engenheiros pistas do que desejavam. Isso criou uma mudança que inverteu a lógica de valor: a experiência do usuário seria avaliada junto com a entrega do serviço. Isso também abriu as portas para serviços por assinatura e baseados na experiência.
Com capacidade similar de captar tendências pela IoT para produtos físicos, as empresas partiram rapidamente para a conectividade, incrementando produtos inteligentes e conectados (os chamados SCP, smart connected products), que constituem a internet das coisas. A corrida armamentista de dados e o surgimento da economia de dados têm disruptado os retardatários da tecnologia desde então.
Levando em conta essa dinâmica de mercado, o potencial da realidade aumentada como sensor de tendências de nova geração é extenso. Produtos já vêm equipados com APIs e conectividade e aparelhos AR vêm recheados de sensores, múltiplas câmeras, GPS, bluetooth, infravermelho e outros medidores.
A realidade aumentada também disponibiliza outros sensores que são comumente esquecidos em meio ao frenesi de automação: a capacidade humana de criar, intuir e experimentar. Humanos têm habilidades incríveis de identificar e reagir a novas situações, de maneira mais rápida e precisa do que as tecnologias existentes.
Avalie o que usuários de realidade aumentada poderiam acrescentar a essas interações. Existem valiosos insights que podem ser gerados por novos dados e comportamentos, tanto de produtos não conectados como de SCPs. No primeiro caso, uma pessoa usando realidade aumentada como sensor pode perguntar: como se usa este produto e quais as preferências de seus usuários? Se for um SCP, a pergunta poderia ser: como o uso afeta sua performance e poderia ser adaptado?
A interação humana oferece contexto para responder como os produtos conectados e não conectados estão sendo realmente usados, como funcionam e como podem ser adaptados para seu propósito, trazendo a criatividade humana, a intuição e a flexibilidade para a coleta de dados de RA.
Os novos dados gerados pela realidade aumentada estabelecem um ciclo de feedback que traz respostas sobre como um produto vem sendo usado ou possíveis customizações. O valor deste tipo de informação é cada vez mais importante para a definição de estratégia na economia digital.
Uma forma de entender esse valor é pelo uso da DIKW Pyramid, uma hierarquização usada em gestão da informação que explica a transformação de dados brutos em conhecimento e insights.
Ela parece familiar porque é exatamente o tipo de fluxo de dados que gera valor para a indústria e usuários de SCPs de hoje. Ao devolver esses insights aos sistemas de engenharia, as empresas podem otimizar como nunca seu portfólio de produtos, design e funções.
A coleta de dados orientada por realidade aumentada pode ser combinada aos dados de SCPs para oferecer um contexto adicional e produzir ideias mais completas. Para produtos físicos não conectados ou serviços exclusivamente digitais, pessoas, interagindo com ambos via AR, podem captar novas ideias e otimizar a experiência do usuário.
Há uma variedade de exemplos de usos iniciais dessas fontes de dados. Empresas como Cannondale, Amazon e DHL criaram novas oportunidades para estratégia de produtos, cadeia de valor e controle de qualidade ao usar as informações obtidas pela realidade aumentada e fazendo personalizações baseadas nelas. Esses exemplos nos dão pistas de como a realidade aumentada deve se tornar mais comum.
Transferência de conhecimento: enquanto muitos ressaltam os benefícios de trazer experiências de AR para os usuários, a Honeywell usa os insights para transferir a expertise de funcionários mais sênior para novos contratados. Ao digitalizar o conhecimento sobre um produto que só se costuma obter pela experiência, a Honeywell como um todo pode entendê-lo de maneira antes indisponível.
Voz do produto: para a Cannondale, suas bicicletas top de linha estão sendo distribuídas com apps de AR que exibem suas características e guias de manutenção básica para o ciclista – isto significa mudar a definição do produto, de uma simples bicicleta física para uma combinação física e digital. Graças a este uso de AR, a Cannondale tem a oportunidade de reunir e analisar dados consolidados e anônimos para dar “voz” ao produto. Ao descobrir quais características e ações são mais demandadas, há a chance de melhorar o atendimento das expectativas de seus clientes.
Serviços personalizados: a realidade aumentada é descrita como transformadora do e-commerce e do varejo, pois permite aos consumidores ver e experimentar produtos antes de comprá-los, diferentemente de outros meios. O Amazon Echo Look, por exemplo, é um recurso que permite aos clientes capturar e ver roupas virtuais em si mesmos antes da compra. Em janeiro de 2018, a Amazon patenteou a tecnologia “magic mirror”, que, combinada ao Echo Look, pavimenta o caminho do provador do futuro. Os dados captados via Echo Look são analisados para montar perfis de preferências e fazer a curadoria de sugestões de peças baseadas no gosto manifestado pelo usuário. Não é difícil imaginar como, combinada à habilidade de ampliar essas sugestões, esta nova fonte de AR pode criar um novo patamar de serviços e experiências personalizadas.
Controle de qualidade: a DHL está há tempos na dianteira da tecnologia de realidade aumentada. Ao reduzir os conflitos em processos de logística, a AR traz benefícios para o dia a dia dos empregados. Mas esses dados não se resumem ao usuário. Com o uso da visão integrada para escaneamento de código de barras, a DHL tem meios de registrar dados que garantem a qualidade da informação, fazendo com que a empresa saiba onde o comportamento humano pode afetar a eficiência e a qualidade do processo.
Todas essas adoções recentes nos dão um gostinho do que poderá vir em termos de experiência de realidade aumentada e como ela pode trazer vantagens para as empresas.
E quanto ao impacto em uma estratégia de dados mais ampla? Dando um passo para trás, as implicações são potencialmente significativas. O valor de muitas iniciativas de criar uma cultura de dados repousa na habilidade de ligar os pontos. Enquanto IoT, engajamento digital, voz do consumidor e outras continuam a gerar oportunidades de otimizar produtos e processos, muitas empresas estão dando andamento a seus projetos dentro de silos por limitações tecnológicas ou organizacionais.
Com o surgimento da realidade aumentada como fonte de dados contextualizados, as empresas que juntam os pontos entre fontes múltiplas de dados, de aparelhos SCP a dados de CRM, engajamento digital e outras fontes de insights, vão ser capazes de gerar as melhores oportunidades.
As companhias que quiserem capitalizar em cima dessas devem criar caminhos multifuncionais ou equipes especiais dedicadas ao resultado desejado, o de incrementar a experiência dos seus usuários, em lugar de trabalhar com estruturas funcionais ou pela orientação tecnológica. Neste mundo novo orientado por dados, o todo é maior do que suas partes, e a realidade aumentada pode ser a peça que falta para concluir a visão que se quer alcançar.
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