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Covid-19 pode mudar o eixo Rio-São Paulo?

A descentralização pode acontecer antes do imaginado e de uma maneira surpreendente

Ricardo Cavallini
29 de julho de 2024
Covid-19 pode mudar o eixo Rio-São Paulo?
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Todos estamos acostumados a falar sobre o eixo Rio – São Paulo, uma referência ao fato que grande parte do motor da economia estar centralizada em torno dessas duas capitais.

Algo que nas últimas décadas, o Rio de Janeiro fez com todo o esforço para destruir, colocando as duas extremidades do eixo em São Paulo.

Quem tem bom senso entende que isso não quer dizer que não existam bons profissionais, polos de inovação ou boas empresas (ou seja lá o que você quiser nomear) fora de SP, mas que o ecossistema aqui é mais maduro e movimenta um volume bem maior que no resto do País.

E parte considerável do melhor de São Paulo não está nos paulistanos em si, mas em brasileiros de todas as cidades do Brasil que vieram para cá ganhar a vida e seguir carreira.

O ponto é que reter talentos é uma dificuldade enorme que outras cidades do Brasil enfrentam, principalmente em posições ligadas a inovação e tecnologia.

Você concordando ou não, ainda existe um entendimento por boa parte dos profissionais do mercado que, para crescer e ganhar dinheiro no Brasil, terá maiores possibilidades se morar em São Paulo.

Isso dito, qual será o possível impacto do trabalho remoto nesta equação?

Se boa parte das empresas — e isso vale principalmente para as mais inovadoras e ligadas a tecnologia — adotarem em massa o trabalho remoto, a cidade “onde você mora” não será necessariamente a cidade “onde você trabalha” e, desta forma, podemos ter uma pequena migração dos moradores de SP para outros lugares no Brasil.

Mesmo antes da pandemia, tenho muitos amigos que foram morar no interior buscando qualidade de vida. São designers, programadores e profissionais cujas profissões (e cujas empresas) já permitiam viver trabalhando remotamente.

Impactos diversos

Já seria relevante pensar no possível impacto que isso teria em SP, mas talvez seja mais interessante analisar a questão por outros ângulos.

Essa abertura pode ter um impacto negativo para as empresas de outras cidades, pois significa que seus cidadãos poderão ser funcionários de uma empresa paulistana sem precisar morar em SP, o que é considerado por muitos como um pedágio, visto todas as complicações de uma grande cidade.

Para essas empresas, que vivem com a realidade local, de custos e salários mais baixos, isso pode ser catastrófico.

Os salários não são mais baixos porque os custos são baixos, são baixos porque existe pouca concorrência local. Se os profissionais na região puderem trabalhar remotamente ganhando mais, isso pode gerar um problema muito grande para essas empresas e, consequentemente, para a cidade que recolhe seus impostos.

Para esses municípios, no entanto, pode ser uma oportunidade atrair cidadãos com melhores salários para gastar e fomentar a economia local. Agora, essa mudança também requer mudar a mentalidade, que passa a ser focada muito mais nas pessoas do que nas empresas.

Nesse futuro em que municípios focam mais que empresas, abrir um museu ou conservar um parque pode se tornar mais relevante do que atrair uma empresa. Perceba que não estou fazendo juízo de valor; você pode pensar que isso já devia ser o mais importante desde o início.

Hoje a qualidade de vida e mercado de trabalho estão intrinsecamente ligados: sabe-se que desemprego gera piores condições de vida e ponto. Porém, se a configuração de trabalho remoto mudar radicalmente a maneira como as empresas funcionam, essa balança poderá ser alterada. Talvez essa venha a ser uma discussão cada vez mais relevante no futuro.”

Ricardo Cavallini
Ricardo Cavallini é um dos pioneiros do movimento makers no Brasil, professor da Singularity University Brasil, embaixador da MIT Sloan Review Brasil e autor de vários livros sobre marketing digital.

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