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Futuro do trabalho no Brasil: mudanças na força de trabalho e na execução

Tópicos como envelhecimento populacional, diversidade e inclusão, home office e gestão de pessoas sofreram impactos diante da pandemia. Novas competências e habilidades são esperadas dos trabalhadores do futuro

Paul Ferreira
6 de agosto de 2024
Futuro do trabalho no Brasil: mudanças na força de trabalho e na execução
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No primeiro artigo desta série sobre o futuro do trabalho no Brasil, apresentei quatro pilares fundamentais para o futuro do trabalho – (1) a natureza do trabalho, (2) a força de trabalho, (3) a execução do trabalho e (4) a educação – e discorri sobre as mudanças no primeiro deles. Agora, gostaria de apresentar uma reflexão sobre o segundo e o terceiro, ou seja, a execução do trabalho e a força de trabalho.

Aqui veremos como o envelhecimento da população impactará o futuro do trabalho, além da tendência, por parte das empresas, de promover diversidade e inclusão. Além disso, analisaremos como esses tópicos foram impactados pela pandemia da covid-19 e pelas novas competências e habilidades esperadas dos trabalhadores do futuro diante da coexistência entre humanos e máquinas.

Também apresentaremos mudanças causadas pela flexibilização das modalidades do trabalho, e suas consequências para a saúde mental e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Por fim, abordaremos as mudanças geradas nas práticas de gestão de pessoas e na estrutura organizacional da empresa.

Força de trabalho: envelhecimento da população brasileira

Os avanços na medicina e na área da saúde permitiram ao ser humano alcançar expectativas de vida acima dos 80 anos em países desenvolvidos, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). No contexto brasileiro, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a idade média da população subiu de 21,4 em 1985 para 33,5 anos. Esses dados são alguns dos sinais de que o século 21 será marcado pelo envelhecimento demográfico do Brasil.

Com a diminuição da taxa de fertilidade e o problema da não-adequação do sistema previdenciário para essa longevidade, a composição da força de trabalho tende a mudar fortemente nos próximos anos. Segundo o especialista entrevistado por mim, para a pesquisa, Paulo Vicente, “o sistema de solidariedade geracional não foi feito para isso. Ele foi feito para você começar a trabalhar com 18 anos, ir até os 48 e morrer com 60. Ele não foi feito para o cara que começa a trabalhar mais tarde (em média com 25 ou 26 anos, depois da graduação), que vai trabalhar até os 50 ou 60 anos e viver até os 100”.

Como consequência, ocorrerá uma forte mudança na composição da força de trabalho. Espera-se que a entrada de jovens no mercado – e sua ascensão para cargos mais altos na hierarquia das empresas – será dificultada pela permanência de profissionais seniores, que estenderão suas carreiras para além das idades previstas pelo sistema previdenciário, impactando também o ritmo no qual novas ideias renovam as organizações.

Deparamo-nos, portanto, com um problema relacionado não apenas à estrutura demográfica da força de trabalho, mas também às suas consequências em termos de diversidade. No horizonte dos próximos dez anos, as novas gerações ocuparão relativamente poucas vagas de trabalho, comprometendo o processo de renovação de ideias e criação de uma cultura mais diversa e inclusiva.

Força de trabalho: diversidade e inclusão

Nesse sentido, é essencial destacar a importância de políticas de diversidade e inclusão (D&I) adotadas pelas empresas, essenciais não apenas para promover inclusão social no mercado de trabalho, mas também por desempenhar uma função estratégica nas organizações.

Nos últimos anos, a inclusão tem aumentado de forma lenta, mas constante. É possível observar, por exemplo, a criação de programas por parte das empresas para contratação de pessoas pertencentes a grupos socialmente marginalizados. É nessa lógica que a Magazine Luiza criou, em 2020, um programa de trainees exclusivo para a população negra, que ocupa poucos cargos de gestão e liderança.

Os respondentes da pesquisa quantitativa, que fiz com cerca de 1200 indivíduos, apontam ainda para a importância que deve ser dada à diversidade e inclusão nas empresas após a pandemia. Destes, 74,54% acreditam que as empresas irão trabalhar em projetos relacionados a inclusão, principalmente de negros, mulheres e pessoas com deficiências (PcD).

Entretanto, a pandemia freou ou retrocedeu muitos destes avanços. As pesquisas Route to the Top e Volatility Report identificaram que os executivos C-level que assumiram posições em empresas em 2020 eram muito pouco diversos. Além disso, a maioria deles já tinha assumido cargos C-level em anos anteriores e voltou à função, pois o ambiente de incertezas exigiu pessoas mais experientes nos cargos de alta gestão. Assim, o contexto de altos riscos se mostrou hostil à diversidade e à inclusão.

Mesmo diante desse cenário, programas de inclusão em empresas, além de serem positivos para a imagem da organização, são considerados diferenciais competitivos que permitem a convivência de distintos valores e experiências pessoais. Nesse sentido, desempenham também uma função estratégica no futuro do trabalho, ao colaborar para uma maior atração e retenção de talentos.

Força de trabalho: habilidades e competências

Ao longo dos próximos anos, a capacidade das empresas de se diferenciar estrategicamente será fundamental na busca por profissionais qualificados, dada a alta demanda por determinadas competências. As mudanças do futuro do trabalho incluem novas funções a serem desempenhadas pelos trabalhadores e, consequentemente, novas habilidades a serem desenvolvidas.

Um estudo do Fórum Econômico Mundial elencou as 15 maiores competências demandadas hoje pelas empresas no Brasil. As principais são aprendizagem ativa, pensamento analítico e inovador e criatividade, originalidade e inovação. A análise demonstra que as empresas estão se preparando para o futuro ao buscarem habilidades que os humanos desempenham melhor do que máquinas, como criatividade e aprendizagem ativa.

As competências comportamentais demandadas pelos profissionais antes e após a pandemia da covid-19 podem ser observadas abaixo. Um teste estatístico de proporção foi aplicado para verificar se há diferença estatisticamente significativa entre as habilidades requeridas antes e depois do cenário da covid-19.

O aumento da demanda por determinadas habilidades está diretamente relacionado à implementação em larga escala dos regimes de trabalho remotos ou híbridos. Competências comportamentais como flexibilidade e autonomia desempenham um papel central nesse cenário, visto que permitem aos trabalhadores desempenhar com mais eficiência suas funções diante de um novo formato de trabalho.

Tabela 1 – Competências comportamentais demandadas em um profissional

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Por outro lado, a crescente digitalização do trabalho determina também uma maior importância das habilidades digitais. Ao longo dos próximos anos, observaremos o uso cada vez maior de máquinas no dia a dia dos trabalhadores, mesmo em funções altamente humano-intensivas, como artes e esportes. Mesmo assim, o relatório aponta que apenas 36,9% da população economicamente ativa brasileira tem as competências digitais demandadas pelo mercado.

Buscando compreender as habilidades que as empresas brasileiras querem, assim como as mudanças ocorridas no país com a pandemia, é possível observar a percepção dos especialistas em relação a esses temas.

Tabela 2 – Principais competências demandadas em um profissional

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Descobriu-se assim que houve um aumento na demanda por habilidades técnicas específicas da área em questão e uso do Pacote Office, junto a uma diminuição na demanda por habilidades digitais. No entanto, considerando que habilidades técnicas específicas podem ser mais relevantes que habilidades digitais gerais, e que o Pacote Office é também uma habilidade digital, é possível considerar que as habilidades digitais não serão demandadas a nível geral, mas sim com especificidades para cada área de atuação.

Assim, será necessário que a força de trabalho desenvolva não apenas habilidades comportamentais como diferencial estratégico frente às máquinas, mas também competências digitais que permitam a complementaridade humano-máquina. Se, por um lado, os trabalhadores devem aprimorar e desenvolver suas competências humano-intensivas, como criatividade e inovação, por outro devem se preparar para exercer essas competências junto às novas tecnologias.

Alguns especialistas, como o empresário chinês Kai-Fu Lee, no livro Inteligência Artificial, sugerem que o trabalho nos próximos anos será marcado pela coexistência e cooperação direta entre humanos e máquinas, de forma que as novas tecnologias sejam implementadas a favor da humanidade. Uma tecnologia importante nesse sentido é o uso da inteligência aumentada, que usa a inteligência artificial para aprimorar o trabalho humano. Assim, humanos podem desempenhar suas funções, porém de maneira mais eficiente e produtiva.

Independentemente da tecnologia a ser adotada, é certo que o futuro do trabalho será marcado por mudanças significativas da força de trabalho, seja em termos demográficos, nas competências a serem desenvolvidas ou na cooperação direta com as máquinas.

Execução do trabalho: home office da emergência ao privilégio

A pandemia da covid-19 forçou a grande maioria das empresas a adotar o trabalho remoto e o teletrabalho como medida de segurança para evitar a disseminação do vírus SARS-CoV-2. De forma abrupta e generalizada, diversos trabalhadores passaram a desempenhar suas funções no modelo remoto, o que exigiu uma rápida adaptação a esse novo cenário.

O trabalho remoto permitiu que o tempo e os custos de deslocamento sofressem grandes reduções. Ademais, essa modalidade permite a contratação de trabalhadores em qualquer lugar do mundo, o Anywhere Office. A empresa pode contratar a pessoa que mais se adequa ao cargo e à cultura da empresa independentemente de sua localização geográfica, bastando acesso à internet estável e equipamentos adequados.

Nesse sentido, muitos especialistas afirmam que essas mudanças não serão revertidas após o fim da pandemia, devido ao feedback positivo que a adoção forçada das novas modalidades de trabalho teve. A especialista em gestão de pessoas, Katima Minzoni, afirma: “A covid veio para quebrar uma barreira sobre o remoto e acelerou uma mentalidade sobre modelo de trabalho. Ainda estamos num modelo mais experimental, num processo de identificar quais são as ferramentas que temos para o trabalho remoto”.

Entretanto, somando o anywhere office à gig economy, marcada por trabalhos temporários e flexíveis, temos um cenário desafiador para o gerenciamento de talento dentro das empresas. A possibilidade de contratar temporariamente uma pessoa especializada leva a à destruição de postos de trabalho permanentesOutra reflexão importante é se essa modalidade de rotinas de trabalho executadas de qualquer lugar e facilitadas pela internet são uma realidade para o Brasil.

Segundo dados do Who on Earth Can Work from Home?, ainda não. Os estudos apontaram que a capacidade de trabalhar remotamente está diretamente relacionada à renda. No Brasil, 80% dos trabalhadores não são capazes de trabalhar de casa.

Mesmo nos Estados Unidos e na Suíça, cerca de 60% não conseguem trabalhar totalmente em casa. Em países como Egito e Bangladesh, a taxa gira em torno de 90%. Ou seja, o “novo normal”, que inclui o home office, é uma realidade de minorias privilegiadas em todo o mundo.

Diante desses desafios, outros especialistas afirmam que o atual regime de trabalho remoto não é o mais adequado e não deve ser levado como exemplo-base. O CEO do JPMorgan, Jamie Dimon, opõe-se à adoção permanente do trabalho remoto, afirmando que esse regime culminou em uma diminuição significativa de produtividade na empresa. De maneira similar, a diretoria de recursos humanos da Amazon afirma que a empresa não deve adotar de forma agressiva o trabalho remoto após a pandemia.

Por outro lado, empresas como Itaú Unibanco estão ponderando a implantação permanente do home office em algumas vagas, assim como Barclays e Morgan Stanley. Independentemente da solução adotada, é certo que o futuro do trabalho será marcado por uma crescente flexibilização das relações e formatos de trabalho.

Mais um ponto importante é o desafio potencial de bem-estar e saúde mental que esses trabalhadores enfrentam. Na adoção do trabalho remoto, muitos relataram desmotivação, ansiedade e solidão, segundo um relatório técnico feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com o Institute of Employment Studies (IES), do Reino Unido. Outro problema pertinente identificado é a falta de um senso de pertencimento à empresa, que torna o funcionário cada vez mais desmotivado.

Ante a pergunta, na pesquisa quantitativa, se os respondentes “sentem medo do que está por vir”, podemos entender as percepções acerca das mudanças no ambiente de trabalho.

Tabela 3 – Pensando no “futuro do trabalho” no pós-cenário covid-19, você sente medo do que está por vir?

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A Tabela 3 demonstra que as mulheres de forma geral possuem muito mais medo das mudanças do que os homens (56% contra 41%), o que pode ser atribuído ao papel socialmente construído da mulher como “cuidadora do lar”. Em um ambiente de trabalho remoto, a mulher passa a cuidar dos filhos e outros membros da família, dificultando o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Com essa realidade sexista, as mulheres se tornam mais vulneráveis às mudanças do local de trabalho, justificando o sentimento de medo mais frequente.

Tanto mulheres quanto homens enfrentam grandes desafios no gerenciamento do tempo, coordenação das atividades e na busca do equilíbrio de vida. O trabalho realizado no ambiente doméstico, somado à flexibilização das horas de trabalho, dificulta a segregação entre vida pessoal e vida profissional.

É nessa lógica que um estudo realizado em conjunto pela Fundação Dom Cabral e pela Talenses Group apontou que, em média, os trabalhadores relataram um aumento de 51% na carga de trabalho no regime de home office. Isso se deve justamente à dificuldade de gerenciar as atividades quando a vida profissional e pessoal se fundem no ambiente doméstico. É necessário, portanto, que as empresas compreendam as consequências do trabalho remoto para o bem-estar de seus colaboradores, oferecendo suporte especializado para garantir a saúde mental.

Execução do trabalho: obsolescência das práticas de gestão

Nesse sentido, também as práticas de gestão de pessoas adotadas pelas organizações passam por mudanças significativas. Além dos novos desafios relacionados à saúde mental e life balance dos trabalhadores, torna-se cada vez mais complexo gerenciar o capital humano das empresas em meio a esse cenário de crescente digitalização das relações humanas. A presença constante da gerência no dia a dia dos colaboradores, acompanhando cada uma das funções desempenhadas ao longo da jornada de trabalho, é gradativamente substituída por uma maior autogestão por parte dos trabalhadores, que organizam suas atividades e horários de maneira autônoma.

É nessa lógica que os modelos tradicionais de gestão tornam-se cada vez mais obsoletos, sendo substituídos por novas práticas que se adaptam melhor à realidade das organizações. Um exemplo é o caso da desenvolvedora de jogos Velve, que adota um modelo organizacional horizontal, sem hierarquias.

Por outro lado, autores como Nicolai Foss e Peter Klein apontam para a importância de se manter uma estrutura hierárquica nas organizações, porém repensando o papel estratégico da gerência e compreendendo as mudanças instituídas por esse novo cenário. Assim, as lideranças atuariam em questões de nível geral, como o desenvolvimento de projetos e definição dos valores para o time, em contrapartida à sua atuação em questões específicas do dia a dia dos trabalhadores.

Independentemente do modelo a ser adotado pelas empresas, é possível afirmar que as práticas de gestão de pessoas estão mudando rapidamente, instituindo novos modelos e abordagens. Certamente, a forma como o trabalho será executado ainda passará por diversas mudanças, mas já é possível prever alguns de seus efeitos para a força de trabalho e para as organizações.

No próximo e último artigo desta série, iremos refletir sobrei a educação, propondo, ainda, a construção de uma agenda positiva sobre o futuro do trabalho no Brasil.

Leia também: Futuro do trabalho no Brasil: mudanças na natureza do trabalho

Paul Ferreira
É professor em tempo integral de estratégica e liderança na Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP, Brasil), diretor do mestrado executivo em administração (MPA) da FGV EAESP e vice-diretor do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas (NEOP). Desde 2020, Paul é colunista do MIT Sloan Management Review Brasil. Além disso, ele é pesquisador visitante permanente na Universität St. Gallen (Suíça).

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