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Menos é mais: os funcionários agradecem

As empresas que reduzem e simplificam processos, produtos e atividades que pesam na carga de trabalho na linha de frente descobrem que podem habilitar seus funcionários para oferecer uma melhor experiência ao cliente

Zeynep Ton
5 de agosto de 2024
Menos é mais: os funcionários agradecem
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Imagine que, como um executivo recém-contratado em uma empresa de varejo com vendas estagnadas, você tem a missão de encontrar novas maneiras de aumentar as receitas. Depois de estudar o mercado, você propõe uma nova linha de produtos para serem vendidos em todas as suas unidades. Ao lançar a nova linha de produtos, no entanto, as vendas não se revelam tão boas quanto se esperava, então você introduz descontos nos preços e dá à nova linha um maior destaque dentro da loja. Ainda assim, as vendas não decolam.

Quando você visita as lojas para tentar identificar o problema, descobre que algumas delas não ajustaram o layout da loja e outros não puseram em exibição o estoque que receberam semanas atrás. Um funcionário da área de vendas parece confuso sobre quais produtos são novos, enquanto o gerente da loja mais frequentada diz que as vendas em geral caíram desde a reorganização em torno da nova linha porque os clientes habituais não conseguem encontrar os produtos que estão acostumados a comprar.

De volta à sede, você estuda as métricas de funcionários e clientes da empresa e encontra uma alta taxa de rotatividade de pessoal e avaliações duras dos clientes sobre o nível de serviço que recebem, e tudo isso acontece há anos. E se, em um cenário desses, que tal, antes de adicionar novos produtos e promoções, você primeiro considerasse a redução de complexidade?

Embora este seja um exemplo hipotético, tem sido algo surpreendentemente comum em várias empresas com as quais meus colegas e eu trabalhamos por meio do Good Jobs Institute, uma organização sem fins lucrativos cuja fundação em 2017 faço parte, para ajudar os líderes a preparar sua força de trabalho para o sucesso.

O trabalho de quem lida diretamente com o cliente é significativamente afetado por pessoas que estão em funções tidas como superiores, ou upstream, como vendas e marketing, TI, logística e design de produto. Essas áreas não geram essa proximidade com o consumidor. Infelizmente, na maioria das empresas com as quais trabalhamos, as pessoas em funções upstream raramente consideravam o impacto que suas decisões teriam na linha de frente.

As funções que se organizam dentro de suas próprias áreas tomam decisões racionais de maneira a melhorar as próprias métricas, mas muitas vezes se baseiam apenas em decisões anteriores, sem observar os efeitos e a correlação entre elas. Elas iniciam novos pilotos, relatórios, tecnologias, ferramentas de desempenho, processos, diretrizes, cronogramas de entrega e layouts de exibição, sem falar em mudanças de última hora em entregas, prazos, reuniões e promoções – e tudo isso gera muitas dificuldades na linha de frente.

Como resultado, esse tipo de decisão pode diminuir o valor oferecido ao cliente, por dificultar a prestação de um bom serviço na ponta do atendimento. A produtividade é reduzida pela complicação dos fluxos, erros, retrabalho, clientes que precisam de mais atenção e pessoal atolado em tarefas insignificantes. Essa mesma baixa produtividade torna mais difícil pagar mais aos funcionários, e a baixa remuneração impulsiona a rotatividade, criando um ciclo vicioso de turnover alto e desempenho baixo. Grandes oscilações na carga de trabalho não deixam que os horários sejam estáveis ou a operação com pessoal possa ser em tempo integral. Quando se pede aos funcionários para refazer algo porque alguém na sede mudou de ideia, ou quando erram diante de um cliente por uma regra que não faz sentido, eles se sentem desmoralizados. A falta de pessoal é comum porque a quantidade e a variação da carga de trabalho são por vezes maiores do que supõe a alta administração e levam a esgotamento, queda de qualidade e mau atendimento. Por fim, toda essa sobrecarga gera ansiedade, que cobra seu próprio preço.

A pesquisa mostrou que as pessoas sistematicamente decidem ignorar a opção de fazer reduções de qualquer tipo. Em nosso trabalho com empresas, também vimos uma tendência à adição (de recursos, produtos ou promoções) para expandir um negócio, mas raramente uma consideração de redução como uma grande alavanca de mudança. Sim, os líderes costumam tomar medidas como fechar unidades, vender divisões ou demitir funcionários com o objetivo de agilizar o negócio, mas tais medidas são instrumentos penosos, cujo intuito é o de melhorar a saúde financeira imediata da empresa e tendem a prejudicar o desempenho dos funcionários e a experiência do cliente.

Quando se decide reduzir a oferta de qualquer fator, por outro lado, é um processo bem deliberado, que envolve a coordenação de várias funções de uma empresa, com o objetivo de diminuir a complexidade da operação para os funcionários da linha de frente e investir neles para que possam atender melhor os clientes.

Como fazer essa mudança na prática

Para começar, as funções upstream devem passar um tempo na linha de frente, conversando com funcionários e gestores para identificar os fatores mais relevantes a afetar seu trabalho. Quais dessas atividades geram valor para os clientes e quais são insignificantes? A mesma coisa vale para a oferta de produtos ou serviços: o que pode ser tirado que fortalecerá sua proposta de valor, tornando mais fácil para os clientes encontrarem o que querem ou garantindo que o que eles encontram é o que precisam? O que torna o trabalho dos funcionários desnecessariamente aborrecido, improdutivo e imprevisível? Como se pode organizar tarefas não voltadas para o cliente ou influenciar a demanda deste último para suavizar a carga de trabalho?

Quando a Mercadona, uma cadeia de supermercados espanhola, procurou formas de se tornar mais competitiva no início dos anos 1990, um dos seus primeiros movimentos foi deixar de oferecer promoções frequentes e manter-se com preços consistentemente baixos. As promoções criam picos e vales na demanda dos clientes, causando trabalho extra para eles e aumentando os custos em toda a cadeia de fornecimento. A Mercadona queria ganhar com os seus clientes, oferecendo a melhor relação qualidade/preço, o melhor serviço e uma rápida experiência de entrada e saída. Desistir de promoções fortaleceu essa proposta de valor nos três fatores. A Mercadona é hoje a maior cadeia de supermercados da Espanha.

O Sam’s Club fez coisa parecida em 2017. Para melhorar a experiência do cliente, fez uma reviravolta para corrigir a rotatividade de pessoal e posicionar os funcionários para melhor atendimento dos clientes. Uma das maiores alavancas foi reduzir o número de produtos e as mudanças de preços – ambas partes da função de merchandising. A empresa vinha adicionando inúmeros produtos ao seu portfólio ao longo dos anos, o que fazia diminuir o giro e tornava mais difícil mantê-los em estoque.

Os gerentes de loja também foram atolados em demanda por causa do crescimento do home office. Para reduzir esse número, acomodá-las ao longo do tempo e coordená-las para que elas chegassem em horários menos movimentados do dia ou da semana, o Sam’s Club criou um gatekeeper (que chamou de ATC, de controle de tráfego aéreo). Se o RH, a logística ou o merchandising quisessem iniciar um piloto ou uma nova ferramenta, o departamento tinha que discutir e obter permissão durante uma reunião de todos os departamentos na segunda-feira. Isso liberou o tempo que os gerentes de loja estavam perdendo lidando com mensagens confusas e orientações corporativas contraditórias e os ajudou a controlar a carga de trabalho da linha de frente.

Essa redução – e muito mais – melhorou a capacidade dos funcionários de prestar um bom serviço e a capacidade do Sam’s Club de baixar os preços. John Furner, o ex-CEO, disse aos meus alunos que a empresa começou a receber cartas de clientes agradecendo por contratar mais funcionários, mesmo que isso não fosse real, porque eles estavam mais disponíveis para atendê-los. As unidades que reduziram a variedade de produtos começaram a receber classificações mais altas dos clientes pela amplitude do sortimento à medida que os itens se tornaram mais fáceis de encontrar (tanto para clientes quanto para funcionários). Além de reduzir a desordem, ter menos produtos significou níveis mais adequados de estoque (devido à melhor previsão de demanda e melhor execução operacional) e preços mais baixos para os clientes.

A Quest Diagnostics nos traz outro exemplo do poder da redução. Quando a empresa de serviços de laboratório percebeu que a sobrecarga de seus call centers estava realmente afetando seu negócio, uma das primeiras mudanças que fez foi reduzir o volume de chamadas. Constatou, por exemplo, que os médicos preferem receber resultados normais de exames por fax do que por telefone. Ao subtrair a tarefa de passar tais resultados por telefone, a Quest reduziu de saída as chamadas em 16%. Em seguida, instalou um recurso de fax nos computadores dos atendentes, eliminando assim a necessidade de eles se levantarem de suas mesas para usar um aparelho de fax. O resultado dessas e de outras ações foi a queda no número de ligações e um melhor atendimento ao cliente.

Habilitando a redução

Muitos executivos conhecem os problemas causados pela complexidade que impõem a si mesmos e culpam a pressão para atingir metas de curto prazo. “”As pressões financeiras nos levam a ser tudo para todas as pessoas””, disse um executivo durante um workshop do Good Jobs Institute. “”E isso não é uma estratégia.”” Ainda assim, muitos têm medo de realizar simplificações por medo de perder vendas.

Outros executivos se sentem amarrados pelos próprios incentivos – como remuneração e promoção – e suas estruturas, isoladas entre si, que não lhes permitem enxergar quais seriam as melhores decisões para os clientes, para os funcionários e para o resultado da empresa. Um executivo de logística pode reconhecer que melhorar a previsibilidade das entregas pode aumentar a produtividade e as vendas da loja, mas se seus incentivos estiverem ligados à minimização de custos, e se eles estiverem isolados de outros tomadores de decisão que cuidam de outros aspectos do negócio, um cronograma de entrega que incomode as lojas pode ser visto como a única opção viável.

Em algumas empresas, vimos as reduções não acontecerem simplesmente porque não foram priorizadas. Em um call center de serviços financeiros, quase um terço do volume de chamadas dizia respeito a procedimentos confusos de pagamento de contas. Todos sabiam que corrigir esse procedimento melhoraria a experiência do cliente e a produtividade dos atendentes, mas nunca foi priorizado porque o trabalho na linha de frente não era visto como relevante para aumentar as vendas e os lucros.

Em nossa experiência, as empresas que fizeram da conquista dos clientes seu principal objetivo foram capazes de efetivamente realizar essas subtrações e reconheceram os benefícios para seus resultados. Com um foco ponta a ponta no cliente, elas poderiam se libertar da tomada de decisões isoladas e principalmente motivadas financeiramente e passar para a tomada de decisões centradas em sistemas e no cliente.

Veja-se, por exemplo, a Mud Bay, uma cadeia de lojas de artigos para pet com sede em Olympia, Washington. As unidades ficavam abertas até às 21h de segunda a sábado e até 19h aos domingos. Os funcionários relataram que as lojas ficavam “”mortas”” perto do horário de fechamento e sugeriram fechar mais cedo. Mas quando os dados de vendas de um intervalo de seis semanas foram analisados, eles viram que as vendas de última hora eram significativas o bastante para que, se fossem perdidas, a economia na folha de pagamento pela redução de horas mal compensaria.

Em muitas empresas, isso teria encerrado a discussão. Mas a liderança da Mud Bay considerou como os efeitos colaterais da antecipação do fechamento poderiam beneficiar o sistema: melhorar os horários dos funcionários poderia reduzir a rotatividade, e o maior tempo de casa levava a um maior conhecimento dos produtos, necessário para se envolver em vendas consultivas. Isto melhoraria a experiência e a fidelidade do cliente, aumentando assim as vendas.

Então, Mud Bay decidiu reduzir seu horário. Em vez de diminuir, os volumes cresceram 13% em comparação com o ano anterior. Desde 2017, Mud Bay reduziu ainda mais o horário – em 16%, ao todo – sem queda nas vendas.

Efeitos da redução sobre as áreas

A redução de horários, produtos ou atividades pode fazer uma enorme diferença na capacidade das empresas de reduzir a rotatividade de pessoal, causa raiz de muitos problemas de desempenho, e aumentar a fidelidade do cliente. Quando estudei a Mercadona, o turnover era inferior a um décimo da média do setor de varejo de alimentos. O Sam’s Club reduziu a rotatividade dos trabalhadores em 25%, a Mud Bay em 35% e a Quest Diagnostics em mais de 50%. Esses estudos são descritos em detalhes no meu livro The Case for Good Jobs: how great companies bring dignity, pay, and meaning to everyone’s work.

The Case for Good Jobs
The Case for Good Jobs amazon.com.br

O movimento das empresas ajuda nesse ganho por várias razões. Os funcionários sentem mais orgulho de seu trabalho porque ele pode ser muito mais bem feito; quando os funcionários da Mercadona não perdiam tempo com mudanças enfadonhas de preços, tinham mais tempo para ajudar os clientes. Também permite que a empresa invista mais em seu pessoal. De 2014 a 2017, a Mud Bay, uma empresa com uma margem de lucro de apenas 2%, conseguiu, assim mesmo, aumentar os níveis salariais em 24% para os funcionários da linha de frente. Em 2019, o Sam’s Club concedeu aumentos salariais entre US$ 5 e 7 por hora para milhares de funcionários, incluindo cortadores de carne, especialistas em padaria e líderes de equipe. Os salários anteriores estavam em US$ 15 por hora, o que mostra um aumento significativo.

Diminuir a variação da carga de trabalho também torna possíveis horários estáveis. Cargas de trabalho constantes permitiram à Mercadona operar com uma maior percentagem de colaboradores em tempo integral (85%), que tinham horários regulares. A Mud Bay conseguiu aumentar o percentual de funcionários que trabalhavam mais de 30 horas por semana de 69% para 82%. O Sam’s Club aumentou a porcentagem de funcionários em tempo integral em 13% em dois anos e estes passaram a ter horários estáveis.

Essas mudanças, junto com o aumento do investimento em pessoas, geram impulso. À medida que as empresas entram em um ciclo virtuoso de menor rotatividade e melhor desempenho, elas podem investir mais em pessoas. Em 2022, a Mud Bay conseguiu pagar a todos os seus funcionários um salário baseado na fórmula de cálculo de custo de vida do MIT. De 2020 para 2022, o Sam’s Club aumentou o pagamento por hora em 18%.

As mesmas ações também ajudam a reter os gestores. Mesmo aqueles bem remunerados tendem a se esgotar com as altas cargas de trabalho ditadas pela matriz e o estresse de gerir trabalhadores frustrados e desmotivados da linha de frente. Graças a uma nova forma de organizar o trabalho e à redução do turnover, eles agora têm mais tempo para contratar as pessoas certas e desenvolvê-las. A formação no local de trabalho pode agora ser realizada por pessoas mais experientes, sabendo que é provável que novatos e trainees permaneçam no emprego.

Reduzir o excesso de produtos, ferramentas, descontos, relatórios, comunicações e processos charmosos, mas desnecessários, deixa as empresas com menos itens para padronizar e nos quais treinar os funcionários. A estabilidade da força de trabalho permite que os líderes envolvam os funcionários na tomada de decisões que afetam seu trabalho, baseando-se em sua experiência e conhecimento de atividades e dos clientes, aumentando assim a produtividade e o moral.

Steve Jobs disse que estava tão orgulhoso do que não tinha feito quanto do que tinha feito. Se mais empresas adotassem essa abordagem, veríamos melhores empregos, clientes mais satisfeitos e melhor desempenho individual e corporativo.”

Zeynep Ton
Zeynep Ton é professora na MIT Sloan School of Management e cofundador do Good Jobs Institute. É autora de *The Case for Good Jobs: how great companies bring dignity, pay, and meaning to everyone♭s work.* (Harvard Business Review Press, 2023).

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