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Na transformação dos times, o “eu” vem antes do “nós”

Pesquisas mostram que, para alterações mais profundas no ambiente de trabalho, times que optam por começar pelo treinamento individual antes do coletivo têm melhores resultados

Elad N. Sherf, Subra Tangirala e Alex Ning Li
30 de julho de 2024
Na transformação dos times, o “eu” vem antes do “nós”
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Imagine que você comanda uma fábrica de equipamentos eletrônicos. Os operários trabalham de maneira interdependente em linhas de montagem e estão diante de uma mudança tecnológica profunda que você acaba de implementar. Braços robóticos e máquinas automatizadas foram instaladas para agilizar o processo produtivo, substituindo diversas tarefas que antes eram executadas manualmente.

Agora, os equipamentos fazem movimentos precisos e repetitivos, como parafusar peças e aplicar adesivos. Essa mudança libera os trabalhadores do trabalho mais braçal e permite que eles se dediquem a aspectos mais complexos do processo, como controle de qualidade, solução de problemas e otimizações. Mas eles precisam se ajustar à nova ordem: devem aprender como operar e manter os sistemas automatizados enquanto descobrem como se reorganizar como grupo.

Situações como essa mudam a forma como os membros de uma equipe se relacionam com suas funções individuais, e entre si, em qualquer ambiente de trabalho. A decisão da empresa de adotar uma nova tecnologia, a determinação de novas normas ou transformações estruturais exige uma adaptação em ambas as esferas, a do indivíduo e a do grupo.

Tomemos, por exemplo, trabalhadores de uma firma de contabilidade que precisam aprender uma nova legislação. Cada um terá que dominar as novas normas para elaborar relatórios, para repensar a articulação da equipe e para estabelecer novos sistemas de controle. Funcionários de uma empresa que passa por uma transição têm que conhecer os produtos e serviços da antiga e da nova realidade para que consigam coordenar suas atividades no novo ambiente.

Enfrentar essa dupla demanda, de aprendizado e adaptação, é essencial para uma boa gestão da mudança. Mas os gestores não dão a devida atenção a se, quando ou como os funcionários fazem para aprender o que precisam. Quando decidem olhar isso, é sempre com foco no coletivo. Nossa pesquisa mostra que é interessante priorizar a requalificação individualmente. Quando se começa pelo indivíduo, a equipe se ajusta com mais facilidade às alterações significativas.

Requalifique as partes antes do todo

A construção de uma equipe exige habilidades em dois níveis diferentes: seus membros devem ser competentes na realização das próprias tarefas e capazes de trabalhar bem em conjunto. Até que eles tenham esse domínio sobre as qualificações individuais, é difícil que o grupo atinja o mesmo rendimento de antes e apresente uma coordenação efetiva. Isso acontece porque a capacidade coletiva só se manifesta a partir da existência da individual. Assim, para lidar com mudanças fundamentais, o desenvolvimento das pessoas, individualmente, deve vir antes.

Esse conceito se baseia em um estudo que fizemos sobre mudanças em uma das divisões de uma grande fabricante chinesa de eletrônicos, com mais de 10 mil funcionários. Acompanhamos 116 equipes na produção ao longo de vários meses. Esses times tinham acabado de iniciar a adaptação a uma série de avanços tecnológicos radicais, com uso de ferramentas e processos produtivos inovadores. Para comparar o desempenho das equipes antes e depois das mudanças, usamos a métrica da própria empresa: o percentual de produtos entregues de acordo com as especificações técnicas.

Como era de se esperar, a necessidade de adaptação à mudança prejudicou a produção. Cerca de duas semanas antes das alterações, a taxa de produtos aprovados estava em 99,15%. Quatro semanas depois, caiu para 93,82%. Mas a queda não foi a mesma em todos os times. Nós atribuímos parte da diferença de resultado entre as equipes à variação na intensidade da mudança encarada por cada uma delas: algumas tiveram muito mais a reaprender tanto individual como coletivamente.

No entanto, depois de considerar essa diferença de intensidade, vimos que as equipes que tinham começado a requalificação pelos indivíduos tinham tido um resultado 12% superior ao daquelas que, de cara, partiram para ajustar a coordenação do grupo. A forma de remunerar também teve seu papel: funcionários que, na fase inicial, tiveram um reconhecimento financeiro mais baseado no desempenho individual do que no coletivo superaram as dificuldades mais rapidamente.Quando olhamos os resultados depois de dois meses, em uma etapa mais amadurecida dos ajustes, o percentual médio de produtos aprovados havia subido para 96,95%. Mas a diferença no desempenho entre as equipes continuava relevante, se comparada à fase anterior às mudanças.A essa altura, os times que tinham priorizado a reciclagem individual e agora se voltavam para os ajustes no grupo tinham um rendimento 11% superior em relação aos outros. A mudança de foco foi reforçada por um sistema de compensação mais voltado aos resultados coletivos. As equipes que enfatizaram o retorno para o grupo nessa fase transitaram mais facilmente da atenção às habilidades individuais para as de coordenação.

A mudança deve ser gerida em duas etapas

Nossa pesquisa mostra que a gestão de mudanças na base da organização requer uma ação sequencial, em duas etapas. No começo do processo, a liderança deve incentivar que os indivíduos tenham acesso ao aprendizado do conteúdo e às habilidades necessárias. Não apenas ao treinamento, mas às oportunidades de experimentar e incorporar as novas tarefas por si mesmos, antes de buscar o redirecionamento do time.

No contexto em que trabalhamos, as equipes bem-sucedidas logo deram aos membros a chance de encontrar seu jeito de realizar as atividades e de adaptar os recursos disponíveis. O sistema de reconhecimento deve acompanhar essa fase de requalificação. Quando os prêmios refletem a participação de cada pessoa, elas se dedicam ao aprendizado com um olhar para seus próprios resultados. Nas fases posteriores de uma mudança profunda, quando cada membro da equipe estiver dominando suas próprias tarefas, eles podem começar a avaliar os fluxos e o encadeamento do trabalho, observando se há redundâncias e desencaixes.

De acordo com nossa pesquisa, uma vez que as pessoas aprendem o individual, mostram-se mais rápidas na execução de suas tarefas do que eram no modelo anterior. Isso significa que essas pessoas tiveram que se rearranjar para maximizar a eficiência. Nessa fase, a ênfase deve estar no reconhecimento do coletivo, reduzindo as diferenças, incentivando a colaboração e a atenção às metas compartilhadas.

A alternância no modelo de recompensas é essencial para garantir que as prioridades corretas sejam tomadas. Se a atenção estiver no grupo desde o instante inicial, nem todos poderão atingir o grau necessário de domínio das novas atividades.

Tempo importa

Nossa pesquisa traz evidências empíricas sobre a necessidade de desenvolver habilidades individuais antes das coletivas no ambiente empresarial, e podemos ver que essa ideia se aplica a outros setores. No começo dos anos 1990, uma nova regra no futebol proibia que os goleiros usassem as mãos para pegar bolas tocadas a eles por algum parceiro do time. Foi uma mudança muito grande no esporte, porque exigia novas habilidades e novos tipos de coordenação entre os jogadores.No começo foi difícil para os times jogarem sob a nova regra, porque os goleiros não podiam usar as mãos nessas situações e eram menos habilidosos com os pés, o que gerava erros frequentes.

Muitos técnicos optaram por não interferir nas jogadas entre a defesa e os goleiros, para ver se os jogadores conseguiriam se arranjar para desenvolver esse novo modo de devolver a bola. Não deu muito certo. Por quê? Porque eles queriam que os jogadores focassem na colaboração antes de desenvolverem as novas habilidades individuais que a regra exigia.

Por outro lado, alguns técnicos decidiram ajudar goleiros e zagueiros a trabalhar habilidades de drible e passe sem precisar se preocupar com trabalhar em conjunto. Só mais tarde, quando todos estavam confortáveis com as novas aptidões, eles passaram a treinar com os outros, buscando a coordenação da defesa e do ataque de formas novas e criativas. Foi uma estratégia muito mais bem-sucedida, que levou a um jeito todo novo de jogar futebol.

AS CAPACIDADES COLETIVAS SÓ SE ESTABELECEM quando são baseadas em fortes habilidades individuais. Os líderes muitas vezes se esquecem disso e, em tempos de mudança, tentam fazer com que a equipe trabalhe bem antes que cada membro aprenda a dominar as novas tarefas. Aqueles que gerenciam as mudanças devem se lembrar de garantir as condições e os incentivos suficientes para que cada pessoa experimente e aprenda novas tecnologias e conhecimentos por conta própria. Só depois é que a equipe deve traçar a melhor forma de trabalhar coletivamente.”

Elad N. Sherf, Subra Tangirala e Alex Ning Li
Elad N. Sherf é professor de comportamento organizacional na Kenan-Flagler Business School da University of North Carolina (EUA). Subra Tangirala é professor de administração da Robert H. Smith School of Business, da University of Maryland (EUA). Alex Ning Li é professor-assistente da Naveen Jindal School of Management, University of Texas em Dallas (EUA).

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