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Narrativa estratégica: como a história pessoal pode abrir portas para lideranças femininas

Conheça seis passos para revisitar sua trajetória e transformar vivências em diferenciais que contribuam com a conquista de seus objetivos

Tamy Freitas
3 de dezembro de 2024
Narrativa estratégica: como a história pessoal pode abrir portas para lideranças femininas
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Ela sobe ao palco para mais uma conferência, um momento que representa meses de produção e dedicação. Como diretora da organização, embala com energia e dedicação o badalado evento que apresenta as principais iniciativas do ano e os horizontes futuros. À sua frente, uma plateia plural, formada por centenas de pessoas — da presidência a assistentes —, tem o olhar voltado para ela. 

Na organização, ela lidera uma grande equipe, distribuída por toda a América Latina. Fora da empresa, é filha e responsável pelo sustento financeiro e emocional da família, que vive no interior, de onde vêm suas origens — simples, para não dizer escassas. 

Quando lhe perguntam “o que você faz?”, não raro, ela hesita em responder. Em algum lugar dentro dela, habita o medo de “ser descoberta”, de que percebam sua origem distante de escolas renomadas ou de um sobrenome que carrega um legado. Sua história não lhe oferece o aparente prestígio que ela acredita ser esperado de uma diretora de uma das maiores organizações do país.

Esse poderia ser apenas um caso isolado de uma mulher que precisa se fortalecer e se apropriar do seu valor. Ou, talvez, o reflexo da dificuldade que ela enfrenta para construir e compartilhar uma narrativa inspiradora sobre a trajetória de uma mulher que alcançou ascensão profissional e econômica por seus próprios meios.

Mas a verdade é que não surpreende, tampouco é novidade, que mulheres questionem se estão preparadas para ocupar uma posição estratégica, um lugar de visibilidade e destaque. Ou que coloquem em xeque se o que sabem e o que fazem realmente têm o poder de impactar significativamente a vida de outras pessoas.

No artigo “Identidade e território: mulher no empreendedorismo de inovação no Brasil”, as autoras Henriette Krutman e Natalia Levy afirmam que “dúvidas constantes sobre a sua capacidade e a sua competência começam a surgir, mesmo diante de conquistas objetivas”. Isso evidencia a autocobrança feminina, sobretudo, para sustentar a chegada onde tanto se queria chegar. Além do árduo caminho para atingir esse ‘lá’, emerge também o medo constante de perder o que foi conquistado.

Um preço alto para muitas mulheres e impagável para aquelas que vieram de camadas sociais de onde poucas conseguem emergir. A ausência de uma figura de destaque em casa, de uma rede de contatos influentes ou de experiências de prestígio tornam essa trajetória ainda mais difícil e amplifica os desafios.

Revisitar a própria trajetória

As histórias que carregamos podem ser repletas de desafios e conquistas, mas nem sempre são fáceis de narrar. Ao revisitar sua jornada, é possível que você encontre vulnerabilidades que, à primeira vista, não pareçam estratégicas de revelar ou que não correspondam à imagem que gostaria de projetar.

Lembro-me de um palestrante que, em sua apresentação, revelou não ter formação acadêmica. Percebi que a turma inicialmente o olhou com desconfiança — “um professor sem diploma?”. Mas ele virou o jogo ao afirmar que a universidade não foi feita para quem pensa fora da caixa, como Steve Jobs e outros inovadores. 

Essa subversão transformou uma possível vulnerabilidade em uma autoridade para falar sobre inovação. Ao se posicionar como alguém que quebrou paradigmas e que, por isso, era a pessoa certa para estar ali, tomou para si o lugar de admiração aos olhos do público. 

A partir desse cenário, a convido a refletir sobre:

  • Como você conta sua história? 
  • Quais partes você escolhe esconder? E quais decide exaltar? 
  • Como você transformaria um possível ponto de vulnerabilidade em um lugar de respeito e admiração, criando o “plot twist” que muda a percepção dos outros?

Saber contar essa história não é uma tarefa simples, especialmente para as mulheres, que historicamente estiveram afastadas da caneta que escreveu sobre o que se viu no mundo. Elas guardam em si memórias, desafios e reflexões que, muitas vezes, escaparam e ainda escapam ao olhar de quem as vê ocupando posições de liderança.

Histórias como a ‘do camelô a bilionário’, personalizada por Silvio Santos, são raras nas biografias femininas. Me pergunto se isso ocorre porque as mulheres não conseguiram criar uma narrativa envolvente sobre si mesmas ou porque poucas chegam a posições de destaque. Ou, quem sabe, se elas próprias ainda não se convenceram de que suas trajetórias são relevantes e que merecem ser contadas. Será que a história de superação de uma mulher não comove tanto quanto a de um homem?

Reposicionar-se frente à história de vida

Contar e registrar nossa história de vida é um ato de reposicionamento, como protagonista, de forma a se colocar como referência em um mundo dominado por exemplos de sucesso masculinos. 

Essas histórias precisam ganhar vida além das memórias, ocupando o espaço essencial de novas perspectivas e referências reais. As experiências de vida de nós, mulheres, podem oferecer apoio àquelas que se sentem sós em suas narrativas, que não encontram ao seu redor histórias que se pareçam com a sua ou algo palpável, uma história real, em que possam acreditar.

Não fosse potente o bastante o poder de revisão da própria jornada, ao registrarmos as nossas histórias, possibilitamos que o mundo possa entender mais sobre um universo pouco explorado, pouco falado, pouco exaltado. Essas referências são fundamentais para propor uma nova construção do que é superação sob a perspectiva da mulher. São também uma fonte para criar uma memória coletiva, um novo identitário que nos fortalece enquanto coletivo feminino. 

No livro A História das Mulheres – Cultura e Poder, a historiadora Michelle Perrot afirma que contar a história das mulheres é um ato de resistência contra séculos de exclusão e silenciamento. Além de nos permitir protagonizar nossa própria história, incentiva outras mulheres a contar as suas e exercitar a narrativa como uma habilidade fundamental para desbravar seu potencial, se colocar no mundo e desenvolver sua capacidade de articular e construir um poder discursivo, em que a presença da voz feminina amplia a experiência humana para repensarmos algumas estruturas.

Seis passos para construir sua narrativa

Assumir e se apropriar do poder da narrativa também é um processo emancipatório. Existem diversos mecanismos que você pode utilizar para contar sua história, valorizando aquilo que será estratégico para conquistar seus objetivos. Para isso, experimente:

  1. Reconheça a própria jornada: olhe para sua trajetória com afeto, revisitando e percebendo tudo o que a trouxe até aqui. Identifique as experiências que a construíram.
  2. Conheça e valorize as histórias das mulheres ao seu redor: busque conhecer as narrativas das mulheres próximas a você. Pergunte, ouça e incentive-as a contar como chegaram onde estão. Isso promove entre as mulheres o exercício da narrativa e fortalece a construção do discurso.
  3. Crie uma narrativa estratégica sobre si mesma: primeiramente, conte sua história para si própria, repetidas vezes. Observe como a relata, o que destaca e o que esconde. Esse processo ajudará a construir uma narrativa autêntica e significativa.
  4. Identifique seus atos de coragem: reconheça momentos em que tomou decisões contrárias às expectativas, em que seguiu em frente apesar da insegurança, e nas quais ousou arriscar.
  5. Provoque o efeito “tcharan”: durante o processo de revisão de sua história, você pode identificar vulnerabilidades, como o palestrante sem formação acadêmica. Reflita sobre como subverter essas partes da sua história a seu favor.
  6. Escreva e evidencie suas conquistas: registre os objetivos conquistados, por menores que pareçam. Transforme sua trajetória em uma narrativa cativante, mostrando como cada desafio superado foi essencial para que você seguisse em frente.

Narrar a própria vida é mais do que um exercício de memória – é um ato de afirmação e de transformação profunda nas estruturas sociais. Ao se apropriar do valor da sua trajetória, dos seus atos de coragem e das decisões que a moldaram, você não apenas reescreve (ou quebra) paradigmas, mas também fortalece a forma como se enxerga e é vista. 

Está na hora de assumir a caneta, revelar a potência que carrega consigo e dar voz à sua história – porque ninguém pode contá-la tão bem quanto você. 

Tamy Freitas
Tamy Freitas é especialista em aprendizagem organizacional e liderança feminina e embaixadora do "Sinapses", programa do CNEX dedicado a despertar a potência da liderança feminina, bem como o apoio mútuo e a coletividade como caminhos para a ascensão das mulheres no mercado de trabalho. Há mais de uma década, atua no campo da educação corporativa, desenhando jornadas de aprendizagem para escolas criativas e algumas das maiores empresas do país.

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