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O blá, blá, blá do clima

O debate continua no meio empresarial: quando Greta Thunberg falou isso, estava sendo uma adolescente inconsequente ou tinha alguma razão? Veja o que dizem os dados

Carlos de Mathias Martins
6 de agosto de 2024
O blá, blá, blá do clima
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A expressão “blá, blá, blá do clima” viralizou após discurso da ativista sueca Greta Thunberg proferido na cúpula Youth4climate no final de setembro de 2021 em Milão. Naquela reunião preparatória para a Cop26, Greta reiterava o seu descontentamento com a atitude dos mandatários globais que, segundo ela, estariam privilegiando o “blá, blá, blá” em detrimento de ações efetivas no combate às causas das mudanças climáticas.

Greta Thunberg personifica a parcela engajada de uma geração de adolescentes ansiosa por participar do debate sobre a emergência climática. Por um lado, sabemos que o discurso desses jovens ativistas é raso e cheio de platitudes, mas também é verdade que a exposição midiática de lideranças tal como Greta Thunberg colabora com a disseminação de conceitos meritórios em prol da causa sócio ambiental.

Sobre o ativismo ambiental dos adolescentes da chamada geração Z, esse recorte da população que cresceu com as telas das mídias sociais do Facebook, do Youtube, do Twitter, do Instagram e, mais recentemente, do TikTok, alguns citariam o neurocientista Michel Desmurget, que dirige o Instituto Nacional de Saúde da França (N. do E.: e trabalhou no MIT por um tempo), os nativos digitais constituem a primeira geração da história com quociente de inteligência mais baixo do que o QI da geração imediatamente anterior. No seu livro A Fábrica de Cretinos Digitais, Desmurget apresenta uma série de dados e estatísticas que, segundo ele, demonstram de forma inequívoca o impacto nocivo da exposição às telas de dispositivos eletrônicos no desenvolvimento neural de crianças e jovens. (Abro um parêntesis para registrar que os adolescentes filhos dos meus amigos e filhos de parentes de primeiro, segundo e terceiro graus não são cretinos. Os cretinos são os filhos dos outros.)

Primeiro, devo dizer que concordo plenamente com o engenheiro e escritor libanês Nassim Nicholas Taleb: a estatística que embasa testes de QI é muito frágil. Nas palavras de Taleb, em tradução livre do inglês, o conceito de QI é majoritariamente um embuste pseudocientífico. Assim, talvez a eventual cretinice da geração de ungidos que pretende nos salvar da emergência climática não possa ser medida com a acurácia perseguida por nós engenheiros.

E, retomando o debate, que não tem nada de cretino, sobre a expressão blá, blá, blá do clima, devo dizer: Greta Thunberg está correta. Os mandatários dos países ricos estão falando muito e fazendo pouco.

Vamos a alguns dados

Para começo de conversa, as nações desenvolvidas postergaram o compromisso de subsidiar a transição energética dos países em desenvolvimento. O acerto original, compromisso assumido na conferência do clima da ONU em Copenhague no ano de 2009, estipulava aportes anuais de US$ 100 bilhões em financiamentos atrelados a metas de descarbonização de países em desenvolvimento. Esses aportes teriam início em 2020. Foram adiados para 2023.

Tem mais: em Glasgow, durante a última conferência do clima, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha, Suécia, Suíça, Grã Bretanha e Estados Unidos, entre outros países, firmaram compromisso de cortar todo e qualquer financiamento público internacional para projetos de energia do setor de combustíveis fósseis. Isso significa que tais nações, que enriqueceram queimando carvão, gás natural e diesel, e continuam a fazê-lo, deixam de financiar as que fazem isso em escala muito menor. Por exemplo, o Canadá, que consome 60 giga-joules de energia per capita proveniente da queima das suas reservas de gás natural, prometeu deixar de oferecer financiamento governamental para projetos de energia fóssil em países como Índia, Nigéria e Angola que consomem aproximadamente 1 giga-joule de gás natural per capita. Graças a esse acordo intitulado Statement on International Public Support for the Clean Energy Transition, países como os EUA que consomem 54 giga-joules de gás natural per capita, deixarão de financiar termoelétricas a gás natural em Bangladesh, onde se consome 3 giga-joules de gás natural per capita.

Obviamente instituições financeiras privadas continuarão oferecendo financiamento para projetos de energia movidos a combustíveis fósseis em países em desenvolvimento. Mas, como é evidente que sem os subsídios de organismos governamentais dos países ricos, tais financiamentos resultarão mais caros (penalizando os países em desenvolvimento). E esse movimento de penalização ocorre enquanto os países ricos rejeitam abdicar dos subsídios para combustíveis fósseis nas suas próprias jurisdições.

Quem deve pagar a conta?

O fato é que o fenômeno das mudanças climáticas não se restringe a um problema meramente científico. As possíveis soluções implicam um emaranhando de trade-offs ou permutas e escolhas que impactam a prosperidade e o bem-estar das populações de todas as nações do planeta, as ricas e as pobres. As nações ricas enriqueceram, a partir da revolução industrial, usufruindo de infraestrutura energética baseada majoritariamente na queima de combustíveis fósseis, cujo resultado é a acumulação de gases de efeito estufa na atmosfera.

A ciência estabelece que o combate às mudanças climáticas começa por reverter o processo que levou ao enriquecimento de algumas nações. Falta definir – sem blá, blá, blá – quem vai pagar essa conta.”

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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