A lógica (óbvia) de tratar os funcionários como as pessoas adultas que eles são, com confiança, autonomia e protagonismo, está apresentando resultados positivos e foi adotada por empresas que têm como base da sua cultura o valor da liberdade com responsabilidade, como a Netflix
Quando me formei em administração de empresas, no início dos anos 2000, pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP), uma das mais renomadas escolas de negócio do Brasil, aprendi que o principal objetivo de uma empresa era gerar valor para os seus acionistas. Essa forma de pensar dominou por décadas a gestão empresarial, sendo ainda hoje o mantra dominante em grande parte das organizações.
Uma década depois, durante o meu MBA na MIT Sloan School of Management, em Massachusetts, nos Estados Unidos, comecei a perceber uma mudança de paradigma. O objetivo central das organizações foi ampliado, passando a não apenas gerar valor para os acionistas, mas também gerar valor para todos os seus stakeholders, incluindo seus colaboradores, clientes, fornecedores e comunidades em que estão inseridas.
Essa nova visão foi ainda mais reforçada em 2019, durante o Business Roundtable, associação que reúne as maiores corporações dos Estados Unidos, quando 181 CEOs assinaram um manifesto reafirmando o compromisso de suas empresas com todos os seus stakeholders e com o bem-estar social. Esse propósito de responsabilidade corporativa, de acordo com o manifesto, deve ser mais relevante do que o próprio lucro.
Por que empresas como Amazon, Apple, Coca-Cola e IBM assinaram esse documento? Porque elas, assim como todas as demais empresas que participaram do manifesto, perceberam que essa é a única maneira de se obter sucesso no longo prazo.
Esse movimento, aliás, iniciou-se mais de uma década antes, quando, em 2006, uma iniciativa de investidores em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU), chamada “Princípios para o investimento responsável”, deu início à adoção das práticas ESG (governança ambiental, social e corporativa, na tradução), reforçando o papel fundamental que as organizações têm na construção de um mundo mais sustentável, com impacto positivo na sociedade e no planeta.
Porém, não podemos nos iludir. Essa mudança de mindset não ocorreu apenas pela boa vontade das organizações, que passaram a atuar de forma mais responsável pelo bem da humanidade. Há também uma clara motivação financeira.
Vários estudos comprovam que organizações movidas por um propósito maior se conectam de forma muito mais profunda com seus colaboradores, clientes e parceiros, gerando mais lealdade e produtividade – o que se traduz, no final, em mais lucro para seus acionistas. Como diz Simon Sinek, criador do golden circle, organizações que começam pelo porquê têm muito mais sucesso no longo prazo.
Isto é, não só no agora, mas no futuro.
Todas essas mudanças vêm pautando uma transformação radical na forma como as organizações se relacionam com seus stakeholders e, em especial, com seus colaboradores. A era do “comando e controle”, em que as decisões são tomadas de forma centralizada por um grupo restrito da alta liderança, e depois cascateadas por toda a organização, não faz mais sentido no cenário atual.
Hoje, mais do que nunca, pessoas e times de todos os níveis da organização precisam ter autonomia para reagir rapidamente a mudanças de cenário e se adaptar a novos contextos. Por isso, muitas organizações já vêm trabalhando no modelo ágil, com times interdisciplinares e representantes de diferentes áreas do negócio, empoderados para tomarem e implementarem decisões no dia a dia.
Mais do que isso: esse novo paradigma, que eu gosto de chamar de era da “gestão com propósito”, tem uma implicação profunda na relação das pessoas com o trabalho. Historicamente, o trabalho foi por muito tempo visto apenas como fonte de renda pelos colaboradores, que por sua vez eram vistos apenas como recursos substituíveis pelas empresas.
Assim, criava-se uma dinâmica negativa, e muitas vezes tóxica, na qual as pessoas trabalhavam altamente desmotivadas (e por vezes o mínimo possível para manter seus empregos), enquanto as organizações implementavam métodos de controle (e, quando muito, incentivos financeiros para buscar garantir que as pessoas trabalhassem e desempenhassem suas funções com alta produtividade). Era um círculo vicioso.
Na era da gestão com propósito, ocorre exatamente o contrário. Ao menos, essa é a grande meta. Seguindo os resultados esperados pela teoria da “dinâmica de sistemas”, idealizada pelo falecido professor da MIT Sloan School of Management, Jay Forrester, nesse novo paradigma ocorre um ciclo virtuoso.
As empresas empoderam seus colaboradores para serem protagonistas na sua jornada profissional, proporcionando mais autonomia e senso de propósito, o que leva a um maior sentimento de responsabilização e confiança, e, consequentemente, a uma melhor performance e a um maior sentimento de realização profissional.
Aliás, cabe aqui uma reflexão importante: se tratarmos as pessoas como crianças, que precisam de supervisão constante e não têm autonomia para tomar decisões, elas irão agir como crianças, inseguras e passivas. No entanto, se as tratarmos como pessoas adultas (afinal, é o que são), com confiança, liberdade para realizar seu trabalho e protagonismo na busca por resultados, elas agirão de forma muito mais madura e responsável.
Essa lógica já é adotada por muitas organizações, como a Netflix, que têm como base da sua cultura o valor da liberdade com responsabilidade. Não por acaso, empresas que adotam esse modelo apresentam resultados muito melhores de engajamento e de performance e turnover de colaboradores mais baixa do que as demais.
Ao refletirmos sobre dois polos de modelos de gestão, torna-se evidente a necessidade de uma transição do antigo paradigma do comando e controle para a abordagem mais moderna e eficaz da gestão por propósito.
Em um mundo cada vez mais complexo e interconectado, é fundamental que as organizações adotem uma visão de longo prazo, orientada para resultados sustentáveis e baseada na mobilização de suas equipes em torno de um propósito comum.
Ao escolhermos conscientemente o nosso modelo de gestão, abrimos caminho para uma cultura organizacional mais colaborativa, flexível e focada no desenvolvimento contínuo, impulsionando o sucesso duradouro e a realização de objetivos ainda mais corajosos.