Para cuidar da reputação em tempos de muita vigilância, empresas vêm trocando estratégias reativas por proativas – principalmente duas: o silêncio estratégia e a admissão de culpa. Novas pesquisas indicam que fazer isso contribui muito para a construção de uma imagem de confiança
Muitos executivos vêm dedicando uma parcela cada vez maior de seu tempo à atenção que precisam ter para com a reputação de suas organizações. As empresas estão sendo mais fiscalizadas do que nunca por funcionários, acionistas, sindicatos, mídia e ativistas, prontos a julgar atitudes e impactos, particularmente os relacionados a questões sociais ou ambientais. Isto fez com que alguns deles se empenhassem em achar maneiras de construir e manter uma imagem positiva aos olhos dos principais stakeholders.
Em um mundo em que as redes sociais espalham rapidamente narrativas fora do controle das empresas, pode ser difícil crer na possibilidade de neutralizar notícias negativas de uma só vez com a publicação de alguma informação positiva. Isso já foi o modelo comum usado em relações públicas e, até recentemente, algumas organizações continuavam a usar declarações assim como resposta a revelações negativas sobre suas atividades.
Hoje, essa estratégia de cortina de fumaça não funciona mais, já que informações indesejáveis são mais fáceis de serem descobertas e divulgadas. Assim, as organizações estão mais propensas a tratar essas questões como qualquer outro tipo de crise: pedem desculpas, se possível de forma rápida e transparente, e prometem reparar o erro.
Tanto a cortina de fumaça como o pedido de desculpas são comportamentos reativos, no entanto. Empresas mais sofisticadas já perceberam que uma postura proativa funciona muito melhor se querem administrar sua reputação. Muitas delas, por exemplo, estabelecem algum tipo de parceria com sindicatos e ONGs de segmentos variados. Assim, ao mesmo tempo que isto lhes oferece uma oportunidade de aprendizado sobre questões sociais e ambientais, também esperam algum ganho de imagem por meio dessa associação.
Mais recentemente, companhias começaram a adotar o que vem sendo chamado de “silêncio estratégico”, na qual uma organização se engaja em atitudes socialmente responsáveis ou ações filantrópicas sem dar publicidade a elas. Os estudos sobre essa opção pela discrição nos dizem que ela tem o objetivo de evitar possíveis acusações de hipocrisia: os vigilantes das ações sociais são espertos e, quando veem uma organização exibir seus feitos, costumam olhar sob o tapete para verificar se são consistentes com o que pregam.
Nossa última pesquisa identificou ainda outra estratégia de gestão de imagem: a admissão de erros. Na esteira da gigantesca onda de protestos Black Lives Matter após o assassinato de George Floyd em 2020, assim como do crescente acompanhamento das práticas organizacionais relativas à inclusão racial, as empresas começaram a incorporar uma nova e proativa estratégia para cuidar de sua reputação: elas começaram a confessar seus pecados.
A Coca-Cola usou essa abordagem, emitindo um comunicado que, entre outros assuntos, dizia que “as empresas norte-americanas não fizeram o bastante para incluir pessoas pretas, e nem nós mesmos”. Expôs os seus erros, inclusive aqueles que levaram ao que a empresa chamou de “o maior processo por discriminação na história dos Estados Unidos, entre 1999 e 2000”. O comunicado prosseguiu: “como disse o juiz responsável, o maior problema não foram os erros cometidos e os casos individuais, mas que, quando estes foram identificados, não fizemos nada para corrigir e melhorar a situação.”
A estratégia da confissão também foi adotada pelas B Corporations (empresas benéficas, que usam o poder de seu negócio para enfrentar problemas sociais ou ambientais), como a Patagonia, que declarou “o movimento Black Lives Matter provocou um acerto de contas sobre a profunda injustiça racial ao nosso redor e desnudou nossa cumplicidade… Somos uma empresa gerida por brancos que depende do lazer obtido nas terras roubadas aos nativos que ainda não estão completamente protegidos… Devemos enfrentar nosso atraso na inclusão e assumir totalmente as consequências de nossas falhas”.
A mesma postura foi usada também por entidades sem fins lucrativos. Um exemplo é um relatório publicado pela Harvard University sobre seus laços históricos com a escravidão, que reconhecia que “senhores de escravos estiveram entre os líderes de Harvard, nas faculdades, entre seus benfeitores, funcionários e professores; obtiveram riqueza do tráfico e do trabalho escravo e defenderam a escravatura, assim como alguns escravizados trabalharam na instituição”. Também é importante dizer que, em quase todos os casos, essas organizações não foram acusadas nos últimos tempos de discriminação ou desatenção à questão racial. Contudo, os eventos de 2020 exibiram o efeito do racismo sistêmico nos Estados Unidos e em outros países. Isto não apenas fez com que os líderes das organizações olhassem para suas próprias práticas, mas trouxe a preocupação de que a população em geral pudesse assumir que elas fossem parte dessa questão do racismo institucional.
Identificamos a estratégia de confissão pela primeira vez em 2020, quando, diante do clamor em torno da morte de Floyd, criamos uma equipe para pesquisar declarações públicas a respeito de racismo, desigualdade racial e sobre o movimento Black Lives Matter por parte de cada empresa listada na Fortune 500 e de todas as B Corporations certificadas que integrassem a relação do site da B Lab. Descobrimos que 46% das empresas da Fortune 500 e 221% das B Corps haviam emitido algum documento a respeito desses temas. Os 525 textos que coletamos incluíam cartas enviadas aos funcionários, que eram publicadas online na sequência, e cartas abertas dirigidas a clientes e consumidores.
À medida que líamos as declarações, víamos quantas (42%) continham algum tipo de confissão. Identificamos dois tipos dela: algumas empresas admitiam ações que iam contra a busca pela equidade racial, enquanto outras abriam sua falta de consciência sobre a dimensão dessa desigualdade. Nós as chamamos respectivamente de admissão de ação e admissão de omissão.
Uma vez revelada essa nova forma de gerir a reputação das organizações em um momento em que elas estão cada vez mais sob vigilância cerrada, começamos a pensar no efeito que teria sobre a percepção do público. Será que as pessoas passariam a ver as empresas como mais responsáveis do ponto de vista social?
Para conseguir responder a esta pergunta, fizemos uma pesquisa online com 1046 respondentes com representatividade estatística da população norte-americana em idade, gênero, raça e identidade étnica, renda e escolaridade. Os participantes foram recrutados no Prolific Academic, uma plataforma de pesquisa acadêmica mantida pelo Oxford Centre for Innovation. Para minimizar desvios nessa seleção, usamos uma descrição genérica para apresentar o estudo, pedindo às pessoas que lessem o anúncio e respondessem a um questionário. Pagamos US$ 9 por hora a cada respondente como forma de incentivo, e só compilamos as respostas daqueles que tivessem passado por diversas verificações de estarem atentos às perguntas. A inclinação ideológica também foi medida: cerca de metade se declarou liberal, enquanto a outra metade se disse conservadora.
Pedimos a cada participante que lesse uma das 525 declarações sobre equidade racial, das quais 42% continham algum tipo de confissão e as outras 58%, não. Os conteúdos foram randomicamente distribuídos entre os respondentes, de forma que quase todos os textos pudessem receber uma pontuação, inclusive os que não continham qualquer admissão. Os participantes deveriam opinar sobre o grau de responsabilidade social da organização usando uma escala de 1 a 7.
Descobrimos que as empresas que receberam as notas mais altas em responsabilidade social foram aquelas cujas declarações continham um dos dois tipos de admissão de falha, em lugar de nenhuma confissão. Na verdade, nosso estudo mostrou que a existência de uma admissão de culpa em uma declaração sobre inclusão racial praticamente fazia dobrar a percepção de que se tratava de uma organização socialmente responsável.
E quanto à confissão de ações versus omissões? Quando o texto admitia uma omissão, a pontuação média de responsabilidade social chegava a 5,4 na escala de 1 a 7, uma diferença de 125% em relação a declarações sem admissão, que era de 2,4. Porém, quando a empresa admitia uma ação negativa, a pontuação de responsabilidade era de 6,3 nessa mesma escala. Ou seja, um efeito ainda maior, 162,5% superior, na avaliação dos respondentes.
Alertamos que os dados acima foram obtidos a partir de uma única pesquisa. Desta forma, não observamos outros aspectos que poderiam fazer parte das declarações das empresas. Embora soubéssemos de várias características das companhias declarantes, pode ter acontecido de os conteúdos dos textos que apresentavam admissões de falhas apresentarem outros indicadores de responsabilidade social. Atualmente estamos conduzindo outras pesquisas para ver se conseguimos isolar esse efeito.
Nosso trabalho sugere que, para aquelas organizações que desejam construir ou manter uma imagem positiva quanto à sua responsabilidade social, esta maneira nova e proativa de se posicionar é mais efetiva do que as estratégias reativas de se desculpar ou de contrapor fatos positivos a um evento negativo. Assim como a postura de estabelecer parcerias com ONGs ou de fazer o bem silenciosamente, a confissão de erros prioriza a relação de confiança com os stakeholders. Faz com que a organização pareça mais honesta e autêntica. Ao abrir seus erros ao público, as empresas se expõem, mas demonstram transparência e dizem como pretendem melhorar. Nesse processo, reforçam o mais frágil e valioso dos seus ativos, a confiança.”