Embora utilizados para ajustes rápidos de preços segundo demandas dos consumidores, esses algoritmos podem facilitar a formação de cartéis
Algoritmos de precificação podem permitir que empresas respondam de forma mais eficiente à demanda variável ao longo do tempo, auxiliando-as no ajuste de preços com base no comportamento do consumidor. A rigor, ao visar uma maior eficiência, o uso desses algoritmos não representa, per se, qualquer ameaça para a concorrência. No entanto, parece inegável que algoritmos de precificação criam oportunidades de coordenação entre empresas concorrentes, o que se traduz em uma questão importante e instigante no que se refere à aplicação do direito da concorrência.
As discussões sobre o tema culminam no desafio entre incentivar a inovação e proteger a concorrência, um paradoxo que as autoridades antitruste de todo o mundo, entre elas o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no Brasil, têm enfrentado ao longo dos anos, mais particularmente na economia digital.
Por meio de mecanismos que permitem às empresas monitorar os preços, reagir com extrema rapidez aos sinais do mercado e implementar políticas comerciais e de precificação uniformes, não se pode afastar o risco de que os algoritmos facilitem a formação de cartéis. Esse cenário pode ser agravado pelo fato de que, dependendo das circunstâncias e dos setores envolvidos, os algoritmos podem ser capazes de alcançar resultados semelhantes aos alcançados por cartéis “clássicos”, por colusão tácita.
Com pouca ou quase nenhuma interferência humana, as empresas podem ser capazes de sustentar lucros acima do nível competitivo sem necessariamente ter que chegar a um acordo para esse fim. As preocupações com a coordenação entre os algoritmos de precificação de diferentes empresas são maiores quando as empresas concorrentes contratam as mesmas empresas de Tecnologia da Informação (TI) e programadores para desenvolver seus algoritmos, conforme apontam os autores e professores de Direito Vassilios Tountopoulos e Rüdiger Veil no livro Transparency of Stock Corporations in Europe: Rationales, Limitations and Perspectives, de 2019.
É claro, então, que um dos principais riscos potencialmente gerados pelo uso desses algoritmos é que eles, segundo Tountopoulos e Veil, “expandem a área cinzenta entre o conluio explícito ilegal e o conluio tácito lícito”, permitindo que as empresas alcancem preços supracompetitivos no mercado sem propriamente entrar em um acordo.
Considerando que esses algoritmos podem criar métodos de precificação paralelos, mas descoordenados, adotados simultaneamente por empresas no mesmo mercado, é difícil para que as autoridades de defesa da concorrência – incluindo o Cade – identifiquem em quais ocasiões a adoção da inteligência pode ser classificada como conduta anticompetitiva ou não.
Portanto, a utilização de algoritmos de precificação pode estar sujeita a investigação antitruste e até mesmo a sanções no Brasil e em outras jurisdições. A Lei de Defesa da Concorrência brasileira (Lei 12.529/11) estabelece que os seguintes atos podem ser considerados “infrações à ordem econômica”, independentemente de culpa e mesmo que não alcançada:
(i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
(ii) dominar o mercado relevante de bens ou serviços;
(iii) aumentar arbitrariamente os lucros;
(iv) exercer de forma abusiva posição dominante.
Em 2019, no relatório BRICS na Economia Digital, o Cade esclareceu que “no momento, não há dispositivos específicos que tratem do uso de algoritmos de preços no Brasil” e que o “uso de algoritmos é lícito no Brasil, desde que não leve a nenhuma forma de comportamento anticompetitivo (por exemplo, cartel organizado por meio de algoritmos (…))”.
Algumas autoridades antitruste estrangeiras já emitiram relatórios e estudos sobre o assunto, indicando que estão dispostas a ajudar organizações em seus esforços para implementação de programas de conformidade/compliance efetivos. O Cade ainda não emitiu qualquer guia dedicado ao uso de algoritmos de precificação, porém, continua atento a comportamentos de empresas e indivíduos que possam vir a ser considerados infrações à ordem econômica, nos termos da Lei descrita acima.
Tendo em vista a expectativa de que o Cade seja mais ativo na análise do uso de algoritmos de precificação, faz sentido que as empresas sejam bastante cuidadosas nessa seara. Em nosso próximo artigo, apresentamos medidas que as empresas podem adotar para mitigar riscos associados ao uso de algoritmos de precificação em suas operações no Brasil.”