Aplicativo traz vantagens ao promover espaços de debate, inclusão e pluralidade de vozes. Os usuários, contudo, podem pregar para convertidos e reproduzir falas preconceituosas
Ouvi falar do Clubhouse há menos de uma semana e estou tendo dificuldades de me desligar da plataforma nos horários em que estou livre. A famosa FoMO me pegou de jeito (sigla em inglês para “fear of missing out”, que traduzido em português significa o “medo de estar perdendo algo”). E não foi só comigo.
Segundo o Google, de 30 de janeiro a 6 de fevereiro, o interesse por Clubhouse saltou seis vezes no Brasil em comparação com a semana anterior, e mesmo em fase de testes da versão beta, já recebeu uma avaliação de mais de US$ 100 milhões.
Exclusivo para convidados e inicialmente apenas para usuários do sistema iOS, o aplicativo possibilita criar salas para falar sobre os mais variados assuntos por meio de mensagens de áudio. É como se fosse um podcast ao vivo, no qual várias pessoas podem falar e interagir com os speakers principais.
A plataforma é muito intuitiva e a divisão dos participantes é como nos shows de música. Tem os palestrantes (os músicos) no “palco” e uma pista premium com as pessoas seguidas pelos palestrantes e os ouvintes na “plateia”.
As salas que podem ser criadas por qualquer pessoa, e com temas diversos, têm sido avaliadas como locais de oportunidades, seja de compartilhar conteúdos, promover conexões, escutar seus ídolos ou apenas como um local para aprender.
Como o aplicativo requer um convite de alguém que você conhece, os primeiros participantes eram principalmente das comunidades em torno de seu fundador e financiadores, basicamente investidores e profissionais de tecnologia do Vale do Silício.
Como consequência, o aplicativo foi fortemente centrado em conversas focadas em tecnologia e negócios e ainda se vê muitas salas assim. E aí vem o meu primeiro alerta de cuidado, pois se você só se conecta com pessoas que são do seu círculo, qual a relevância das trocas que você vai ter na plataforma?
Existe um termo em inglês muito utilizado para comportamento em mídias sociais que é “echo chamber” ou câmara de eco. Cuidado para não se cercar das mesmas opiniões sempre e viver em uma bolha.
Há que se fazer um esforço para não participar sempre das mesmas conversas e abrir espaço para escutar posicionamentos que podem ser diferentes dos seus.
Como dizia Leonardo Boff, ponto de vista é nada mais do que a vista que temos a partir do ponto em que estamos. Assim, é fundamental ouvir pessoas que estão em pontos em que você nunca esteve.
Um exemplo, que vi no final de semana, foi na sala criada pela Laís Trajano, chamada “Feminista Exausta – venha desabafar”, onde homens também participavam. Um deles disse ao final que havia aprendido muito com as histórias compartilhadas por diversas mulheres e que dificilmente ouviria histórias tão verdadeiras conversando pessoalmente com mulheres.
Aliás, tenho visto muitas dessas salas que discutem temas relacionados a questões sociais e, lógico que diversidade e inclusão tem aparecido como tema central em muitas dessas discussões.
Apesar de ainda vermos menos mulheres do que homens, pouquíssimos usuários negros, LGBTQ+ e pessoas com deficiência, a discussão sobre esses temas tem sido diária e composta por pessoas que talvez não tenham a oportunidade de falar e, principalmente de ouvir sobre esses temas com tanta coragem, abertura e transparência.
No entanto, já surgiram os primeiros sinais de rachadura no teto de vidro do aplicativo, como, por exemplo, a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva.
Assim como no início do Instagram, falava-se muito em acessibilidade para deficientes visuais, o Clubhouse que é 100% baseado em comunicação em áudio, não permite a interação por pessoas que não se comunicam através da fala ou não escutam.
Temos que lembrar que o aplicativo, lançado em abril de 2020, ainda está em fase de testes. Então, há esperanças de que novas versões tragam mais acessibilidade.
Um cuidado a ser tomado é sobre o que você fala. Diferente de outras redes sociais onde você pensa antes de escrever (apesar de muita gente não fazê-lo), em uma conversa aberta, a chance de você cometer um deslize ou reproduzir alguma fala que seja considerada preconceituosa, ou discriminatória, é muito grande.
As conversas têm sido bastante estruturadas pelos moderadores e o acolhimento dos diferentes pontos de vista é altamente incentivado. Porém, é importante pensar que a diversidade de vivências na audiência requer um nível de conhecimento e preparo prévio sobre temas considerados sensíveis.
Outro ponto para ser lembrado é de que o Clubhouse é um clube, ou seja, você é responsável por quem você convida e essa informação é pública para todos os usuários. Se você quebrar uma das regras estabelecidas na plataforma ou ter atitudes não inclusivas, a pessoa que te convidou pode ser reportada, além de você.
Desse modo, é importante ler atentamente as “regras do clube”, que são muito claras quanto ao comportamento e atitudes esperados de quem usa o aplicativo. Destaco aqui algumas que considero muito relevantes:
– Você não pode se envolver em abuso, intimidação ou assédio de qualquer pessoa, ou grupos de pessoas.
– Você não pode discriminar, se envolver em conduta odiosa dirigida ou ameaçar com violência qualquer pessoa ou grupos de pessoas.
– Você não pode transcrever, gravar, reproduzir ou compartilhar informações obtidas no Clubhouse sem permissão prévia.
– Você não pode compartilhar ou promover informações que tenham a intenção de causar danos a qualquer pessoa ou grupos de pessoas, incluindo menores.
As políticas ainda falam de como reportar incidentes e fazer denúncias de comportamentos inadequados.
Resumindo, a plataforma parece abrir oportunidades incríveis de conversas e trocas de conhecimento para pessoas de diferentes backgrounds. Ela possibilita conexões com pessoas que talvez você nunca tivesse acesso.
No entanto, como na vida real, é preciso expressar-se lembrando que sua imagem ali na plataforma não está desconectada da sua imagem profissional e que qualquer contribuição sua, está sendo ouvida por uma audiência diversa e exigente.”