O fim da lua de mel com o ChatGPT
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Aplicativo traz vantagens ao promover espaços de debate, inclusão e pluralidade de vozes. Os usuários, contudo, podem pregar para convertidos e reproduzir falas preconceituosas
Daniele Botaro
11 de Fevereiro
Ouvi falar do Clubhouse há menos de uma semana e estou tendo dificuldades de me desligar da plataforma nos horários em que estou livre. A famosa FoMO me pegou de jeito (sigla em inglês para “fear of missing out”, que traduzido em português significa o “medo de estar perdendo algo”). E não foi só comigo.
Segundo o Google, de 30 de janeiro a 6 de fevereiro, o interesse por Clubhouse saltou seis vezes no Brasil em comparação com a semana anterior, e mesmo em fase de testes da versão beta, já recebeu uma avaliação de mais de US$ 100 milhões.
Exclusivo para convidados e inicialmente apenas para usuários do sistema iOS, o aplicativo possibilita criar salas para falar sobre os mais variados assuntos por meio de mensagens de áudio. É como se fosse um podcast ao vivo, no qual várias pessoas podem falar e interagir com os speakers principais.
A plataforma é muito intuitiva e a divisão dos participantes é como nos shows de música. Tem os palestrantes (os músicos) no “palco” e uma pista premium com as pessoas seguidas pelos palestrantes e os ouvintes na “plateia”.
As salas que podem ser criadas por qualquer pessoa, e com temas diversos, têm sido avaliadas como locais de oportunidades, seja de compartilhar conteúdos, promover conexões, escutar seus ídolos ou apenas como um local para aprender.
Como o aplicativo requer um convite de alguém que você conhece, os primeiros participantes eram principalmente das comunidades em torno de seu fundador e financiadores, basicamente investidores e profissionais de tecnologia do Vale do Silício.
Como consequência, o aplicativo foi fortemente centrado em conversas focadas em tecnologia e negócios e ainda se vê muitas salas assim. E aí vem o meu primeiro alerta de cuidado, pois se você só se conecta com pessoas que são do seu círculo, qual a relevância das trocas que você vai ter na plataforma?
Existe um termo em inglês muito utilizado para comportamento em mídias sociais que é “echo chamber” ou câmara de eco. Cuidado para não se cercar das mesmas opiniões sempre e viver em uma bolha.
Há que se fazer um esforço para não participar sempre das mesmas conversas e abrir espaço para escutar posicionamentos que podem ser diferentes dos seus.
Como dizia Leonardo Boff, ponto de vista é nada mais do que a vista que temos a partir do ponto em que estamos. Assim, é fundamental ouvir pessoas que estão em pontos em que você nunca esteve.
Um exemplo, que vi no final de semana, foi na sala criada pela Laís Trajano, chamada “Feminista Exausta – venha desabafar”, onde homens também participavam. Um deles disse ao final que havia aprendido muito com as histórias compartilhadas por diversas mulheres e que dificilmente ouviria histórias tão verdadeiras conversando pessoalmente com mulheres.
Aliás, tenho visto muitas dessas salas que discutem temas relacionados a questões sociais e, lógico que diversidade e inclusão tem aparecido como tema central em muitas dessas discussões.
Apesar de ainda vermos menos mulheres do que homens, pouquíssimos usuários negros, LGBTQ+ e pessoas com deficiência, a discussão sobre esses temas tem sido diária e composta por pessoas que talvez não tenham a oportunidade de falar e, principalmente de ouvir sobre esses temas com tanta coragem, abertura e transparência.
No entanto, já surgiram os primeiros sinais de rachadura no teto de vidro do aplicativo, como, por exemplo, a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva.
Assim como no início do Instagram, falava-se muito em acessibilidade para deficientes visuais, o Clubhouse que é 100% baseado em comunicação em áudio, não permite a interação por pessoas que não se comunicam através da fala ou não escutam.
Temos que lembrar que o aplicativo, lançado em abril de 2020, ainda está em fase de testes. Então, há esperanças de que novas versões tragam mais acessibilidade.
Um cuidado a ser tomado é sobre o que você fala. Diferente de outras redes sociais onde você pensa antes de escrever (apesar de muita gente não fazê-lo), em uma conversa aberta, a chance de você cometer um deslize ou reproduzir alguma fala que seja considerada preconceituosa, ou discriminatória, é muito grande.
As conversas têm sido bastante estruturadas pelos moderadores e o acolhimento dos diferentes pontos de vista é altamente incentivado. Porém, é importante pensar que a diversidade de vivências na audiência requer um nível de conhecimento e preparo prévio sobre temas considerados sensíveis.
Outro ponto para ser lembrado é de que o Clubhouse é um clube, ou seja, você é responsável por quem você convida e essa informação é pública para todos os usuários. Se você quebrar uma das regras estabelecidas na plataforma ou ter atitudes não inclusivas, a pessoa que te convidou pode ser reportada, além de você.
Desse modo, é importante ler atentamente as “regras do clube”, que são muito claras quanto ao comportamento e atitudes esperados de quem usa o aplicativo. Destaco aqui algumas que considero muito relevantes:
Você não pode se envolver em abuso, intimidação ou assédio de qualquer pessoa, ou grupos de pessoas.
Você não pode discriminar, se envolver em conduta odiosa dirigida ou ameaçar com violência qualquer pessoa ou grupos de pessoas.
Você não pode transcrever, gravar, reproduzir ou compartilhar informações obtidas no Clubhouse sem permissão prévia.
Você não pode compartilhar ou promover informações que tenham a intenção de causar danos a qualquer pessoa ou grupos de pessoas, incluindo menores.
As políticas ainda falam de como reportar incidentes e fazer denúncias de comportamentos inadequados.
Resumindo, a plataforma parece abrir oportunidades incríveis de conversas e trocas de conhecimento para pessoas de diferentes backgrounds. Ela possibilita conexões com pessoas que talvez você nunca tivesse acesso.
No entanto, como na vida real, é preciso expressar-se lembrando que sua imagem ali na plataforma não está desconectada da sua imagem profissional e que qualquer contribuição sua, está sendo ouvida por uma audiência diversa e exigente.
Head de diversidade e inclusão da Oracle para a América Latina, ela também é embaixadora da Gaia+. Foi empreendedora, e sócia-diretora, da Impulso Beta, consultoria especializada em programas de diversidade.
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