Se sua empresa tem um projeto ligado a descoberta, conhecimento, intangibilidade e aprendizagem, ela precisa trabalhar com o escopo aberto
Como a gestão ágil de projetos pode ser usada em projetos de inovação onde o nível de incerteza é intrinsecamente alto? Características como escopo aberto, abertura a mudanças e empoderamento da equipe são essenciais para fomentar a criatividade e permitir que o time realmente inove.
Na época em que desenvolvíamos produtos utilizando ciclo de vida em cascata (waterfall), projetos com escopo fechado talvez fizessem algum sentido, pois a ideia era termos um entendimento completo de tudo que deveria ser feito, detalhar todos os requisitos e o cronograma logo no início. O contrato, então, era assinado e qualquer mudança no escopo passava a ser rigidamente controlada. Parecia ser justo e confortável para ambas as partes (cliente e fornecedor).
Esse mindset foi herdado da indústria de manufatura espelhado em processos de chão de fábrica onde o sistema de produção era “empurrado” (push) e previsível. No entanto, esse tipo de abordagem não funciona adequadamente quando deparamos com projetos de inovação onde a solução não é tão clara no início do projeto e precisamos aprender o que deve ser feito junto com o usuário. Nesse caso, estamos falando de um sistema de produção “puxada” (pull) e pouco prescritivo onde não faz sentido despender muito tempo com previsões baseadas em requisitos ainda instáveis em que as prioridades podem mudar diariamente.
Estamos amadurecendo e chegando à conclusão que isso não funciona para projetos com características de inovação, principalmente na indústria de software. Projetos dessa natureza estão intimamente ligados com descoberta, conhecimento, intangibilidade e aprendizagem. E essas características nos levam a crer que precisamos de processos empíricos baseados em inspeção e adaptação, processos nos quais mudanças são bem-vindas.
Muitos profissionais já descobriram que, para um projeto dar certo, o ciclo de desenvolvimento precisa ser iterativo e incremental, ter entregas constantes e feedbacks rápidos do usuário.
O movimento das startups percebeu essa mudança primeiro e passou a adotar conceitos do lean thinking (daí o termo lean-startup) para simplificação dos processos em todo o ciclo de vida de desenvolvimento de produto. Trata-se de uma filosofia baseada no Sistema Toyota de Produção (Toyota Production System – TPS) “que olha com detalhe para as atividades básicas envolvidas no negócio e identifica o que é o desperdício e o que é o valor a partir da ótica dos clientes e usuários” (“The Machine That Changed The World”, de Womack, Jones e Roos, 1996).
E as empresas mais maduras? Nelas, muitos projetos continuam sendo feitos considerando o mindset da era waterfall, ou seja, com escopo fechado e sem adaptação às mudanças. Não adianta apenas fazer um ciclo de desenvolvimento adaptativo como o das startups; é preciso que os termos nos quais o projeto é planejado também sejam readaptados e considerem que o produto que está sendo concebido ainda não é claro e cristalino para nenhuma das partes. Para aumentarmos as chances de nossos projetos darem certo, é necessário mudarmos a forma como elaboramos nossos acordos.
Aí entra o paradigma ágil. A forma de conduzir um projeto de inovação com o paradigma ágil é diferente. Em vez de gerenciar “recursos”, o líder de projetos gerencia o fluxo de trabalho, limita a quantidade de trabalho em progresso (WIP – work in progress), elimina os gargalos, reduz o lead time e produz somente o necessário na quantidade necessária e na hora certa (“just in time” – JIT). Tal abordagem está alinhada com o modelo de “Especulação-Colaboração-Aprendizagem”, precursor de vários métodos ágeis.
Em vez de seguir a famosa tríade de escopo, custo e prazo estudada pelos métodos tradicionais de gestão de projetos, preferimos a visão ágil de Highsmith onde os aspectos do triângulo referentes a valor e qualidade estão em primeiro plano, porém, sem deixar de lado as demais restrições. “Em um contexto de risco e incerteza pode ser muito útil o estabelecimento de restrições de prazo, porém, estabelecer fortes restrições de escopo é geralmente contraproducente.”
Mas por que as empresas insistem em planejar projetos considerando o escopo fechado? Por que não já deixar claro no planejamento que os requisitos serão definidos ao longo do projeto, e que tudo será priorizado em função das necessidades do cliente – necessidades essas que só ficarão mais claras ao longo do caminho? O entendimento de quem vai fazer também só será refinado ao longo do caminho.
A questão principal é que não estamos tratando apenas de questões técnicas e exatas. A principal questão está relacionada com CONFIANÇA. Confiança entre quem vende e quem compra. É fácil entender o que motiva o cliente a querer assinar um contrato com escopo fechado. Ninguém gosta de pagar por algo que não sabe exatamente o que irá receber ao final.
A mudança de paradigma só ocorre quando o cliente percebe que ele não está contratando um produto físico, tangível. Ele está contratando um serviço que irá lhe proporcionar entregas rápidas de valor que serão melhores identificadas por na medida em que ele mesmo entra em contato com o produto que está sendo construído por meio de um processo de descoberta. E, ainda, que ele dará total autonomia para que o produto esteja em constante mudança a fim de atender suas reais necessidades.
Estamos reaprendendo a gerenciar projetos, agora com alto grau de incerteza. Mas tudo isso só funciona num ambiente de confiança e empoderamento das pessoas. Poder tem a ver com autonomia, liberdade, responsabilidade, liderança, comprometimento e reconhecimento do bom desempenho.
Qualquer que seja a forma como você gerencia seus projetos voltados à inovação, entendemos que esses princípios precisam ser considerados: eliminação de desperdício, criação de conhecimento, decidir o mais tarde possível (com responsabilidade), entregar o mais rápido possível, dar poder às pessoas, construir com integridade e otimizar o todo.
Isso é a base do lean. A gestão ágil para projetos de inovação tem de implementar esses princípios, auxiliando as equipes a entregarem produtos ou serviços de valor em um ambiente complexo, instável e desafiador.”