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Como processos ultrapassados viraram economia de US$ 230 milhões na AT&T

Por meio de um projeto colaborativo, movido por funcionários, a organização eliminou ineficiências, impulsionou a inovação e passou a promover a cultura de melhoria contínua

Jeremy Legg
8 de agosto de 2024
Como processos ultrapassados viraram economia de US$ 230 milhões na AT&T
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Um reembolso de US$ 8 — rejeitado por causa de uma política de viagens — resultou na minha primeira “gota de chuva” (do inglês, raindrops). O uso que damos a essa expressão é exclusivo da AT&T, mas o desafio que ela impõe às lideranças não é. Uma gota de chuva pode ser uma política irritante, um processo desatualizado ou uma ferramenta que se tornou inútil. Uma ou duas podem atrapalhar, mas são suportáveis. Junte o suficiente delas, no entanto, e um dia de trabalho pode fazer as pessoas se sentirem como se estivessem afogadas em burocracia. Cada gota desperdiça tempo, energia ou dinheiro.

Durante os últimos três anos e meio, resolver ou se livrar delas gerou à AT&T uma economia de 3,6 milhões de horas e ajudou a evitar mais de US$ 230 milhões em gastos — o que é um bom retorno, pode-se dizer, especialmente quando comparado a atenção dirigida aassuntos tão pequenos quanto uma despesa de US$ 8.

Dado que ninguém se propõe a criar normas inúteis e nem deseja trabalhar com elas, por que ainda são tão frequentes?

Para a AT&T, a resposta remonta a 1885, quando a empresa foi fundada – uma época em que a bandeira dos EUA tinha apenas 38 estrelas, a lâmpada era nova e Mark Twain tinha acabado de publicar As aventuras de Huckleberry Finn. Combine essa história e o senso de tradição que ela invoca com a prudência natural da AT&T, que opera em setores críticos e altamente regulados, como banda larga e sem fio, e é fácil ver como sistemas e políticas podem se acumular e permanecer sem ser contestados por décadas.

Como nasceu o projeto Raindrops

Três fatores nos inspiraram a agir. Primeiro, uma pesquisa anual com os funcionários revelou uma profunda frustração com as ferramentas, processos e sistemas da empresa. Em seguida, a covid-19 nos desafiou a encontrar maneiras diferentes de trabalhar e mais eficientes. Em paralelo, houve uma iniciativa em toda a empresa para consolidar e atualizar nossos sistemas e rede e melhorar as ferramentas e experiências dos funcionários e clientes. Isso envolveu a adoção de menos, porém mais robustos, servidores, aplicações e fornecedores. Como resultado, mais pessoas na AT&T começaram a questionar: “por que fazemos determinada coisa?”. E, por vezes, a resposta era “porque sempre foi feito assim” ou “honestamente, não sei”.

No verão de 2020, nasceu o projeto Raindrops, com um pequeno grupo de funcionários, munido apenas de um endereço de e-mail. O objetivo era abrir espaço para que as pessoas sugerissem algo que deveria ser revisado. Começamos convidando as pessoas a apresentar suas ideias. Gestores e líderes multiplicaram o convite em e-mails, mensagens e reuniões. A primeira sugestão, por exemplo, levou-nos a repensar e agilizar a forma como o acesso era dado a determinados sistemas.

Desde então, a equipe do Raindrops já agiu em mais de 270 sugestões propostas coletivamente, não apenas nos tornando mais eficientes, mas também criando um senso de responsabilidade compartilhada para se alcançar melhores resultados. Uma das mudanças mais conhecidas e valorizadas foi a substituição de um sistema de rede virtual privada (VPN) que exigia que os funcionários se conectassem diversas vezes ao longo do dia. A solução: uma VPN igualmente segura, mas que requeria logins menos frequentes. Outro favorito do público foi deixar de exigir que os funcionários listassem todos os participantes de certos eventos e festas corporativas, como comemorações de aposentadoria ou almoços de equipe, nos relatórios de despesas. Outras melhorias incluem a aprovação automática de qualquer despesa até certo limite, o que dispensa a aprovação do supervisor, e o envio de novos crachás direto para os funcionários, em vez de seus superiores.

Atualmente, o Raindrops conta com seis funcionários em tempo integral na área de TI e uma página dedicada na intranet da empresa. A dinâmica colaborativa permanece a mesma: um funcionário envia um pedido de revisão de alguma norma ou processo. Este é examinado e analisado com agilidade, sob a seguinte ótica: já abordamos algo assim?, o que seria necessário para corrigir o problema?, quais são as economias potenciais? e há riscos de conformidade, auditoria, legais ou de segurança?.

Se a decisão for por seguinte em frente — o que fazemos na grande maioria dos casos —, a equipe do Raindrops e a liderança da organização colaboram com o autor da ideia para chegar a um acordo sobre orçamento e o cronograma e definir o que será considerado um resultado bem-sucedido. Funcionários cuja “gota de chuva” é eliminada se tornam celebridades, com seus nomes adicionados a um painel da fama, que hoje reúne pessoas de praticamente todos os departamentos e níveis da empresa.

O caminho: três atributos para o sucesso

Três atributos simples foram essenciais para posicionar o projeto Raindrops na rota para o sucesso e continuarão a orientar o nosso foco. Acredito que eles são replicáveis em muitas outras empresas e setores.

1. Informal por definição.

Muitas grandes ideias são sufocadas por camadas de aprovação e trabalho inútil. Tudo o que você realmente precisa para começar é disposição para pedir às pessoas que proponham suas ideias, ouvir o que têm a dizer e capacitá-las para resolver problemas. Desde o início, é preciso haver clareza de que se trata de um esforço genuíno e de que as sugestões conduzem à mudança.

Mantemos o processo o mais ágil possível. Há um formulário inicial simples para preencher, seguido de uma conversa ao vivo com o remetente. O responsável por receber a ideia deve avaliar se ela é repetida, se está dentro das normas legais, se é exequível, etc, antes que possa avançar oficialmente. Uma vez oficializada, é encaminhada a um especialista da equipe de soluções do Raindrops. Esta, por sua vez, é capacitada para projetar a melhor solução — seja ela criar um novo recurso ou eliminar um obstáculo atual — e implantá-la o quanto antes. A governança executiva só entra em cena nos raros casos em que é necessário um financiamento especial.

O objetivo final: manter a iniciativa simples, eliminando o atrito da mudança e garantindo que não criemos inadvertidamente novas “gotas de chuva” no processo.

2. Gerado por funcionários, para funcionários. O projeto viralizou na AT&T porque resolvia incômodos que pareciam fazer parte da paisagem e trazia benefícios imediatos. Foi isso que inspirou as pessoas a participarem. Não foi uma exigência dos líderes para os funcionários, nem eram consultores apresentando estratégias de agilização de processos. Era um convite para que eles próprios melhorassem suas vidas profissionais e consertassem coisas que os atrapalhavam.

Continuamos promovendo o programa internamente para que mais pessoas, principalmente os novos colaboradores, se sintam empoderados para contribuir. Identificamos que os que mais contribuem com ideias são os que estão na AT&T há algum tempo. Mas os novos funcionários chegam com uma nova perspectiva e podem ver oportunidades de melhoria ainda mais nítidas, e queremos ouvi-los também.

3. Apoio do topo da organização.

A retirada de algumas dessas “gotas de chuva” exigiu investimentos, enquanto outras envolveram mudanças nas políticas. Nesses casos, os funcionários que fazem essas sugestões e a equipe que os ajuda a implantá-las precisam do apoio da liderança para avançar nessas decisões. Se, por exemplo, você sugerir ajustar a forma como a empresa analisa pequenas despesas, precisará de recursos para construir uma solução melhor, como usar IA para detectar fraudes em vez de realizar verificações manuais. Os líderes têm que assumir esse apoio.

DUAS LIÇÕES EM PARTICULAR SE DESTACAM ATÉ AGORA. A primeira é que a tecnologia atual muda fundamentalmente a escala e a velocidade de um projeto como esse. Os avanços recentes — particularmente aqueles em machine learning e inteligência artificial – nos permitem imaginar o que era inimaginável mesmo há apenas um ou dois anos.

A segunda lição é que o pequeno rapidamente se torna grande. O poder criado pelo acúmulo de pequenas mudanças é notável. Os resultados do projeto Raindrops refletem a mesma coisa: muitas pequenas gotas se tornam uma inundação, e pequenas mudanças de processo podem se tornar uma transformação do negócio.

Onde queremos e podemos chegar? Direcionar nossos esforços para deixar de “eliminar gotas de chuva” e começar a “resolver tsunamis”. Em outras palavras, olhar para áreas onde essas gotas de chuva se agruparam e ver quais temas e oportunidades maiores surgem e quais investimentos podemos fazer para aproveitar mais do progresso já fizemos até aqui.

Há outro aspecto, ainda, nessa ideia que James Clear aborda em Atomic Habits, livro que permanece na lista dos mais vendidos do The New York Times há mais de quatro anos. “Quanto mais você repete um comportamento, mais você reforça a identidade associada a esse comportamento”, escreve. “Na verdade, a palavra identidade foi originalmente derivada das palavras latinas essentitas, que significa ser, e identidem, que significa repetidamente. Sua identidade é literalmente seu ‘ser repetido’.”

Atomic Habits
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Eu diria que o retorno mais valioso do Raindrops é o mais difícil de quantificar: seu efeito sobre como nossos funcionários veem a si mesmos e nossa empresa. Você pode dizer aos membros da sua equipe durante todo o dia que os valoriza, mas, se os fizer perder tempo e ignorar suas ideias, eles receberão uma mensagem muito diferente.

Toda empresa quer ser inovadora, criativa e empregar pessoas motivadas. A maneira de fazer isso é capacitá-los a se mover mais rápido, se apropriar de suas áreas de especialização e minimizar obstáculos para que se concentrem em alcançar grandes resultados.

Jeremy Legg
Jeremy Legg é o CTO da AT&T. Antes de ingressar na empresa em 2020, foi vice-presidente executivo e CTO da WarnerMedia, onde liderou a estratégia, o desenvolvimento e as operações de tecnologia, incluindo o desenvolvimento da plataforma de streaming de vídeo HBO Max.

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