É preciso entender onde realmente estão a dificuldade e a beleza de inovar: no longo prazo. O iPhone começou a ser desenvolvido 60 anos antes de 2007
Quando uma inovação torna-se notada, não percebemos toda a janela de tempo que levou para que ela se desenvolvesse. A forma como a notícia se propaga também não ajuda ninguém a entender o processo. Normalmente as notícias focam apenas o momento de ruptura, o que nos induz a pensar na inovação como ocorrendo num estalar de dedos, e que tenha sido uma realização (normalmente) de um gênio solitário.
Por exemplo, os smartphones. Parecem ser uma coisa de 2007, e um feito de Steve Jobs. Mas não é! Na verdade, inovação é um processo, ocorre muito lentamente, continuamente, e nunca é o feito de uma pessoa só, nunca! Costumo dizer que o processo tem três etapas, ou melhor, três espirais evolutivas, conectadas, bem definidas e longas, que são:1. Estudo, pesquisa e formação de liderança.2. Construção do modelo dominante.3. Melhorias incrementais.
E falo espiral, não etapa, como uma metáfora de algo que fica sendo construído gradativamente. Algo que, enquanto amadurece, cresce e pega velocidade, até que escapa (como um satélite que foge da órbita) para outra espiral, num outro lugar, num outro tempo, a fim de passar por outra fase de desenvolvimento.
Vamos, então, ao detalhe de cada uma delas:
A espiral 1 é de estudo, pesquisa e formação de liderançaTrata-se da espiral que ocorre normalmente nas universidades, ou em centros de pesquisa de grandes empresas. Talvez a espiral mais longa (em tempo), e que precise mais dos recursos do Estado, pois é aqui que o risco é maior. É dela que surgem os empreendedores e o conhecimento, pré-competitivo, moldável a diferentes soluções.
Segundo escreve a pesquisadora do MIT Mariana Mazzucato, no livro O Estado Empreendedor, para que os smartphones surgissem, pelo menos 12 tecnologias-chave precisaram acontecer. E todas elas surgiram muito antes dos smartphones, por meio de projetos de pesquisa que tiveram algum fomento do governo. O smartphone veio a mercado em 2007, com o lançamento do iPhone, mas para obter o sucesso que conseguiu, apoiou-se nos componentes eletrônicos em silício (1947), na internet (1980), no GPS (1972), na bateria de lítio (1979) e na tela de cristal líquido (1971), entre outros. Ou seja, podemos corrigir a data em que o iPhone começou a ser desenvolvido para pelo menos 60 anos antes do lançamento…
A espiral 2 é a que dá a forma à inovação.A partir desse ponto a inovação já é visível ao público, mas ainda existe uma competição pelo formato. Os produtos disponíveis são falhos (vamos combinar que o primeiro iPhone era ruim demais…) e, pelo grau de novidade, têm custo elevado. Nessa espiral, só os mais curiosos, os chamados inovadores ou mavericks – segundo Geoffrey Moore em Crossing the Chasm, menos que 5% da população – arriscam-se a investir no produto ou serviço.
É por aqui que o form factor e o modelo de negócio são definidos. O processo é caótico, várias empresas tentam diferentes opções, mas uma combinação de custo, canal de distribuição, facilidade de fabricação, robustez e mercado definem um vencedor. Vocês já viram o filme A Batalha das Correntes , que conta a guerra entre Thomas A. Edison (corrente contínua) e George Westinghouse (corrente alternada)? Ou talvez as batalhas do VHS versus Betamax, ou ainda a do DVD versus BluRay?
Antes do iPhone, a Nokia havia tentado com o Symbian construir um computador de bolso, lembra? Mas foi o formato do iPhone (trabalho de dois anos na Apple) que pegou, e tornou-se o modelo dominante. Quando ele foi lançado, tinha uma tela de 89 mm, 320×480 pixels, 8 meros Mbytes de memória RAM e a câmera, pasmem, apenas 2 megapixels. A baixa qualidade de cada um desses itens ainda permitiu algumas experimentações de configurações alternativas pelos concorrentes, principalmente quanto à tela touch (por teclados convencionais ou que utilizassem a canetinha stylus). Mas compare qualquer smartphone daquela época com um atual. Exceto pelo botão HOME, mesmo 13 anos após o lançamento, lado a lado com o iPhone 1, qualquer um diria tratar-se da mesma categoria de produtos.
É como comparar um carro ultra-sofisticado hoje com um fabricado por H. Ford há 100 anos: tanto o atual como o original têm quatro rodas, porta-malas, motor, câmbio, direção do lado esquerdo (na grande maioria dos países) etc. Qualquer um que visse os dois modelos juntos, reconheceria ambos como o mesmo produto, embora um mais evoluído do que o outro.
Então chegamos à espiral 3, das melhorias incrementais.Por aqui o produto ou serviço se já consolidou em formato e também no modelo de negócio. O processo de melhorias contínuas transforma um produto desejável em adorável, e que supera em desempenho as expectativas e mesmo as necessidades dos consumidores mais exigentes. O produto normalmente encarece e abre espaço no mercado para o que Clayton Christensen chamou de ruptura de baixo mercado, porque, nessa espiral, a maioria dos concorrentes já esqueceu o consumidor, e competem entre si, numa batalha contínua de inovações incrementais, pela manutenção de market share (sem mudar, apenas melhorando os fundamentos do produto).
Compare as categorias de produtos citados na espiral anterior. Só para falar de dois parâmetros, o Iphone de hoje tem tela de 154 mm, 73% maior que o Iphone original. Na configuração mais simples, 64 Gbytes de memória. 8000x mais capacidade de armazenamento, que o Iphone 1. E o preço, hum… Pulou de US$ 500 para US$ 1.000… Todo ano, um pouco mais, ou um pouco melhor nos itens que o mercado compara. Reflita um pouco também, só um pouco, sobre a indústria automotiva. Pois é… O mesmo ocorre em vários outros setores!
Estão aí então a dificuldade e a beleza de inovar: o longo prazo!
Para encerrar, relembro Peter Drucker, com complemento de Silvio Meira , “”Inovação é a MUDANÇA no comportamento de AGENTES, no MERCADO, como fornecedores e consumidores de qualquer coisa””. E acrescento, para ser mais justo e amplo, inovação não é uma corrida de um só, muito menos de 100 metros!”