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Quando a Schadenfreude sai pela culatra

Ambientalistas não devem se precipitar a celebrar a baixa do consumo causada pela Covid-19 como uma vitória do meio ambiente; preste atenção no petróleo

Carlos de Mathias Martins
29 de julho de 2024
Quando a Schadenfreude sai pela culatra
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Resta incontroverso que o alemão é o idioma do perigoso e traiçoeiro perdigoto. Mas mesmo nesta pandemia causada pelo patriarcado e pelo vírus de gênero masculino, _Schadenfreude_ permanece sendo o vocábulo que melhor representa a sensação de satisfação perante o infortúnio de um terceiro. Ocorre que nas últimas semanas a mídia golpista e a esgotosfera da internet inundaram os lares da tradicional família planetária acerca do impacto positivo de uma recessão global na redução de emissões de gases de efeito estufa. Alguns masoquistas do clima não escondem a satisfação com nossa realidade caótica, argumentando que essa pandemia trará lições valiosas sobre consumo consciente para a humanidade.

Nada mais fake. Ao contrário do textão que circula no zap, não existe nenhuma evidência científica demonstrando que esse surto virótico decorra de uma reação da mamãe Gaia ao nosso estilo de vida desenfreado. Além do mais, o novo coronavírus não se compara ao Thanos que conseguiu dizimar metade da população global com seis pedrinhas de bijuteria e um _snap_. Por outro lado, uma provável recessão global vai resultar em queda sustentada no preço do petróleo, tornando as fontes renováveis de energia menos competitivas justamente quando a humanidade avalia o custo de transição para uma economia de baixo carbono.

WATERGATE: FOLLOW THE MONEY

Sigam o filamento por favor: a Love Story é uma boate localizada no centro de São Paulo. Pois bem, assim como a Love Story é considerada a casa de todas as casas e o Bank of International Settlements  é considerado o banco central de todos os bancos centrais, o Fundo Monetário Internacional é considerado o banqueiro de todos os banqueiros. Países quebrados recorrem ao FMI para tomar empréstimos depois repassados ao sistema financeiro local. O FMI está seguramente entre as instituições mais alinhadas com o establishment global e sua economista-chefe é autoridade em macroeconomia. Isso posto, o FMI calcula que os subsídios governamentais direcionados aos combustíveis fósseis totalizam aproximadamente US$ 400 bilhões anualmente. Cifra expressiva quando comparada aos menos de US$ 150 bilhões anuais destinados às fontes renováveis de energia, segundo a IEA – Agência Internacional de Energia. Tem mais: o FMI afirma, categoricamente, que subsídios aos combustíveis fósseis causam efeito negativo na economia e no meio ambiente e beneficiam majoritariamente as camadas mais ricas da sociedade.

Esses números estratosféricos muitas vezes não fazem sentido, mas mesmo um terraplanista brasileiro não precisa dar a volta no planeta para aproveitar essa benesse. Basta encher o tanque de gasolina. Por fim, segundo artigo publicado mês passado na prestigiosa revista _Nature_, a remoção destes mesmos subsídios aumentaria o orçamento de carbono do planeta em até 2 bilhões de toneladas de CO2 em 2030.

Mas eu divago e me afasto do meu filamento. Aposto um pacote de biscoito Globo que, no cenário cada dia mais provável de uma recessão mundial, governos ao redor do globo (ou dessa enorme mesa de ping-pong na qual vivemos) serão forçados a subsidiar diversos setores da economia. O FMI será chamado a resgatar países em dificuldades que. por sua vez, irão socorrer os apaniguados de sempre, incluindo aqueles setores intensivos em emissão de gases de efeito estufa. Leio nos periódicos da extrema imprensa e da mídia golpista que empresas de petróleo endividadas estão sem crédito no mercado de capitais. A pergunta que vale um caminhão cheio de pelúcias do Baby Yoda: vão deixar quebrar?

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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