Entenda se as restrições de processo ou recursos estão paralisando o trabalho. Um grande estudo sobre os problemas enfrentados por companhias aéreas americanas ajuda a entender o tamanho do desafio – e como superá-lo
Gargalos são frustrantes. Seja o processo de análise jurídica que atrasa a execução de um grande contrato ou a falta de tecnologia que impede o avanço de uma nova iniciativa digital, tais restrições podem fazer com que tarefas se acumulem e dificultem o trabalho das equipes, num desperdício de tempo e dinheiro para as empresas.
Não raro, ao encontrar uma falha do tipo, as lideranças tentam resolvê-la, mas logo descobrem que há outras. Nossa pesquisa constatou que a melhor maneira de lidar com gargalos organizacionais não é abordando-os aos poucos, mas tratando a situação com uma visão holística dos sistemas de trabalho.
Como descobrimos os gargalos? Ao ver tarefas paralisadas por um destes dois motivos: ou porque dependem da saída de outras tarefas que não foram concluídas ou porque os recursos necessários para concluí-la não estão disponíveis.
Os gargalos de tarefas ocorrem com frequência enquanto as equipes aguardam aprovações jurídicas ou de compliance, por exemplo. Já os de recursos são os tipos de casos que acontecem quando, numa construção, há muita demanda por guindastes, mas só existe um guindaste disponível.
Os gargalos de tarefas podem surgir quando é necessário mais tempo para concluir a atividade do que o previsto, mesmo que tudo que seja necessário esteja disponível. Dá para resolver gargalos de recursos investindo mais, porém nem sempre nos livramos dos gargalos de tarefas ao trazer mais recursos. Vamos explorar, a seguir, as nuances dessas duas formas de gargalos.
Quantos gargalos (e de que tipo) você consegue localizar em seu fluxo de trabalho?
Os gargalos de tarefas dependem de dois fatores em um sistema de trabalho: centralização e complexidade. A centralização se refere ao nível de interdependência em um sistema de trabalho, em que tarefas se conectam a outras em uma sequência.
Um hospital em que cada especialidade tem seu próprio laboratório de sangue é um exemplo de sistema descentralizado. Já um hospital com um único laboratório de sangue para atender a todas as especialidades é um sistema mais centralizado.
Tempos de processamento mais longos podem ser uma desvantagem de ter um laboratório de sangue centralizado, mas também pode haver benefícios de coordenação, já que executar apenas um teste e compartilhar os resultados com vários grupos seria mais eficiente do que fazer com que cada especialidade solicitasse o mesmo teste separadamente. Isso, por sua vez, facilitaria um atendimento mais global ao paciente.
Ou seja, há vantagens e desvantagens. A centralização tende a criar mais gargalos, mas ela pode trazer benefícios como implantar recursos com eficiência, garantir consistência na qualidade e coordenar esforços entre vários grupos para atingir um objetivo compartilhado.
Para avaliar essas escolhas, os gestores devem levar em consideração a complexidade do sistema de atividades. Com isso, eles definirão o nível apropriado de centralização.
O que determina a complexidade é o número de tarefas em uma sequência de trabalho antes que ela se repita. Por exemplo, um gestor comparando várias propostas em um projeto conclui um conjunto de tarefas para avaliar uma delas antes de reiniciar o processo e repetir a sequência de tarefas para avaliar as outras propostas.
Já um gestor que avalia uma potencial aquisição tem uma sequência muito mais longa de tarefas pela frente antes de repeti-la para avaliar o próximo alvo de aquisição. À medida que essas sequências se tornam mais longas, há uma chance maior de que qualquer tarefa do ciclo não seja concluída, o que causa um efeito cascata maior, que afetará todo o ciclo de atividades.
No setor de saúde, o tratamento para uma doença comum, como apendicite, seria uma sequência de trabalho menos complexa se comparada com o diagnóstico e o tratamento de uma doença infecciosa rara. Isso porque a apendicite envolve uma sequência mais curta de tarefas, cada uma das quais é bem compreendida.
À medida que as empresas organizam seu trabalho, elas não apenas decidem quais atividades cada ciclo de tarefas incluirá (ou seja, sua complexidade), mas também quais delas serão executadas paralelamente ou em sequência (ou seja, seu grau de centralização). É aí que entra a prevenção contra gargalos.
Maior centralização tende a criar mais gargalos. Mas traz benefícios como uma melhor coordenação
Nossa pesquisa descobriu que, em vez de administrar gargalos de tarefas apenas pela sua descentralização ou pela redução de complexidade, um sistema de trabalho ideal usa ambos. Ele combina baixa complexidade com fluxos centralizados e alta complexidade com fluxos descentralizados.
Quando as empresas têm um trabalho altamente complexo envolvendo muitas tarefas semelhantes, elas são mais eficientes se as equipes conseguirem tocar essas tarefas em paralelo (ou seja, mais descentralização). Se uma aquisição potencial estiver paralisada porque o gestor encarregado ainda está trabalhando em um acordo anterior, em um sistema descentralizado um outro gestor faria a avaliação paralelamente.
Por outro lado, quando há baixa complexidade com ciclos mais curtos com tarefas semelhantes, há menos riscos de erro antes que o ciclo termine e recomece. Esse sistema mais simples requer menos coordenação e pode permanecer centralizado, o que é menos dispendioso do que executar tarefas redundantes em paralelo.
Um sistema de tarefas altamente centralizado é aquele em que muitas tarefas entram e saem de uma única tarefa e dependem dela para que o trabalho continue. Um sistema de tarefas menos centralizado é aquele que é menos dependente da conclusão de qualquer tarefa única para que o trabalho continue.
Fonte: S. Karim, C.-H. Lee e M.N. Hoehn-Weiss, “Gargalos de Tarefas e Recursos: Um Exame Holístico dos Sistemas de Tarefas Através de uma Lente de Design Organizacional”, Strategic Management Journal 44, nº 8 (agosto de 2023): 1839-1878
Os gargalos de recursos ocorrem quando as tarefas não podem ser concluídas. Ou os recursos necessários não estão disponíveis (não há folga suficiente) ou os recursos disponíveis não são aplicáveis (não há fungibilidade suficiente).
Fungibilidade é o grau em que um recurso pode ser aplicado para múltiplos usos e contextos. A baixa fungibilidade é muitas vezes chamada de especificidade. Por exemplo, no contexto da saúde, uma máquina de diálise, usada principalmente para tratar doenças renais, é menos fungível do que uma bomba de infusão, que pode ser usada para fornecer uma variedade de fluidos aos pacientes, como medicamentos e nutrientes.
A folga, por sua vez, é a medida que determina o quão disponíveis estão os recursos. Se estão ociosos, significa que a organização tem uma reserva de emergência para a qual recorrer em um pico de demanda.
Embora o benefício dessa folga seja óbvio, há desvantagens quando ela é exagerada, porque recursos ociosos sempre geram custos. Então, como as empresas devem gerenciá-la?
As companhias precisam de algum grau de fungibilidade e folga para evitar gargalos de recursos. Uma organização não tem nenhuma vantagem se houver um recurso disponível que não serve para a tarefa em questão.
Por exemplo, uma empresa de consultoria pode ter vários projetos de clientes em diversos setores. Seus recursos, no caso, são os consultores que ela emprega com especializações variadas.
Se essa organização precisa designar um consultor para um cliente do mercado financeiro, mas o único disponível for um especialista no setor de energia, essa pessoa não é fungível. Logo, a empresa precisa de alguém que esteja disponível e seja um especialista financeiro.
As empresas precisam estar atentas à fungibilidade e à folga de seus recursos para evitar gargalos
Se um segundo consultor tiver experiência nos setores automotivo e bancário, ele é fungível e um candidato adequado para a tarefa. No entanto, se não estiver disponível porque foi designado para um caso diferente, sua fungibilidade deixa de ser útil.
Nossa pesquisa descobriu que, à medida que as empresas têm mais recursos ociosos, seu desempenho melhora apenas quando elas também têm recursos mais fungíveis. Além disso, constatamos que as organizações com recursos fungíveis melhoram o desempenho apenas quando eles também são recursos ociosos.
Para realizar uma tarefa, precisamos de recursos. Uma vez concluída essa tarefa, ela gera um novo recurso, utilizado em uma tarefa subsequente. Então, os gargalos de tarefas e os gargalos de recursos afetam uns aos outros.
Mesmo quando as organizações estão bem alinhadas com a centralização e a complexidade, qualquer gargalo de recursos no sistema provocará gargalos de tarefas. Da mesma forma, ainda que a fungibilidade e a folga de recursos estejam alinhadas, uma falta de sintonia entre descentralização e complexidade provocará gargalos de recursos. Isso ocorre porque a inconclusão de uma sequência de tarefas mantém os recursos ocupados e impede que eles sejam realocados para outras funções.
Assim, em nosso estudo, também consideramos como essas quatro características interagem e como elas devem ser geridas para melhorar o desempenho. Lembre-se de que as empresas se saem melhor quando as características de seu sistema de tarefas estão alinhadas, com baixa descentralização e baixa complexidade (uma condição baixa) ou alta descentralização e alta complexidade (uma condição alta).
Entretanto descobrimos que as organizações têm um desempenho ainda melhor quando as características de tarefas e as de recursos estão alinhadas. Nossos resultados mostram que os sistemas de tarefas mais bem-sucedidos (com condições baixas-baixas ou altas-altas) melhoram ainda mais por terem recursos aplicáveis e disponíveis.
Por exemplo, em 2022, os Estados Unidos sofreram um evento climático severo que afetou as viagens aéreas. Só no dia 26 de dezembro, foram quase 3 mil voos cancelados. Mas nenhuma companhia sofreu mais do que a Southwest Airlines. [Veja mais no box “O efeito cascata dos gargalos”.]
Quando uma tempestade de inverno atingiu os EUA no período de Natal, em 2022, o sistema de tarefas de alta complexidade da Southwest Airlines e a falta de recursos disponíveis resultaram em cancelamentos de voos sem precedentes. A companhia sofreu com perda de receita de milhões de dólares, multas federais e reembolsos aos passageiros afetados.
Embora todas as companhias aéreas tenham enfrentado mau tempo, a Southwest teve mais dificuldade para se recuperar. Enquanto as concorrentes operavam em um modelo hub-and-spoke (com alguns destinos servindo de hub), a Southwest operava em um modelo mais ponto a ponto. Os aviões estavam distribuídos em muitos aeroportos, então alguns locais que deveriam ter aeronaves e tripulações prontas não tinham nada, causando gargalos. Como a duração do ciclo era longa (ou seja, alta complexidade), colocar esses recursos novamente em posição para retomar seus ciclos (sem a disponibilidade de recursos de folga) aumentou o tempo de recuperação, afetando todo o sistema de atividade.
O que pode ser feito para administrar os diferentes tipos de gargalos que podem surgir dentro das organizações? Com base em nossa análise de tarefas e recursos, aqui estão nossas recomendações.
1. Localize e identifique gargalos específicos no sistema
Os gestores devem verificar continuamente os gargalos sob sua alçada. Além disso, eles têm que identificar se os gargalos são de tarefas ou de recursos e determinar suas fontes.
São dois tipos diferentes de afunilamento. Na maioria dos casos, não dá para começar uma tarefa porque ela depende da conclusão de outra ou porque o recurso certo necessário para concluí-la não está disponível.
2. Avalie os gargalos de tarefas no sistema de trabalho
Os gestores devem analisar se um gargalo de tarefas, por mais que atrase as coisas, tem o benefício de agregar informações para melhor coordenação, tomada de decisão ou avaliação de qualidade. Quando não houver tais benefícios, os gestores precisam determinar se o gargalo resultou de uma comunicação deficiente em relação ao tempo necessário para concluir as tarefas anteriores. Se a resposta for “sim”, eles devem facilitar um melhor compartilhamento de informações entre as pessoas responsáveis por diferentes tarefas na sequência, a fim de melhorar a coordenação.
3. Determine a complexidade e redesenhe a centralização
Depois de avaliar cada gargalo de tarefa individual, os gestores devem checar todo o sistema de trabalho para identificar o ciclo de tarefas sequenciais onde está o gargalo. Quanto mais longo o ciclo, maior a complexidade, o que significa que há mais espaço para falhas.
Ciclos curtos de sequência de tarefas devem funcionar com um alto grau de centralização. Se o gargalo da tarefa estiver dentro de uma sequência longa e sofrer muitos atrasos, os gestores precisam considerar ajustar o sistema de trabalho para que mais tarefas sejam executadas em paralelo, tornando o sistema mais descentralizado. Ou então eles devem encurtar a sequência a fim de reduzir a complexidade.
Executar atividades paralelamente, dividindo os trabalhadores em subgrupos, pode ajudar. Um exemplo é quando os projetos de P&D de software são modularizados para funcionar independentemente uns dos outros antes da integração.
4. Avalie os gargalos de recursos no sistema de trabalho
Abordados os gargalos de tarefas, os gestores devem voltar sua atenção para os recursos necessários para sua realização. Especificamente, para as tarefas que sofreram atrasos, eles têm que determinar se o design do sistema de tarefas é o culpado (nesse caso, devem seguir as etapas acima) ou se a falta de recursos está impedindo a conclusão da tarefa.
5. Descubra por que os recursos estão faltando e, em seguida, projete mais folga ou fungibilidade no sistema
Uma vez identificadas as tarefas atrasadas por falta de recursos, os gestores devem investigar se tais recursos não estão disponíveis ou não são aplicáveis. Se um recurso crítico não estiver disponível, eles precisam incluir mais folga no sistema.
Mas, se as empresas projetarem operações muito enxutas, com pouca folga, elas correm o risco de interrupções graves. Por exemplo, durante uma grande tempestade de gelo no Dia dos Namorados de 2007, a companhia aérea JetBlue sofreu um colapso operacional que afetou mais de 130 mil clientes. Isso ilustra o perigo de não ter pessoal suficiente disponível para lidar com milhares de remarcações simultâneas e a realocação de tripulações de voo em resposta a cancelamentos, atrasos e desvios.
Porém, o excesso também não ajuda. Muita folga – ou muita redundância – aumenta os custos e, portanto, é algo que deve ser evitado.
Por outro lado, se os gestores descobrirem que os recursos disponíveis não podem ser aplicados à tarefa, isso indica uma falta de recursos fungíveis adequados. Nesse caso, eles devem adicionar recursos ao seu portfólio que possam servir a mais de um propósito.
Por exemplo, nos casos da Southwest e da JetBlue, elas optaram por ter menos tipos de aeronaves para simplificar o treinamento de pilotos: isso aumenta a fungibilidade da aplicação de pares de tripulação para concluir suas tarefas.
Na indústria de alimentos, muitos restaurantes agora treinam funcionários em tarefas que são voltadas ou não para o cliente. Eles notaram melhorias na produtividade, satisfação no trabalho e atendimento.
É IMPORTANTE QUE OS GESTORES NÃO APENAS OBSERVEM GARGALOS em suas organizações, mas também capacitem seus funcionários a identificá-los e relatá-los. Tendo isso em mente, as empresas podem avançar para projetar com mais eficiência seus sistemas de trabalho e portfólios de recursos para melhorar o desempenho.
*Avalie continuamente os fluxos de trabalho para localizar gargalos de tarefas ou recursos. Verifique se há interdependências ou falta de recursos necessários e determine as causas.
*Em ciclos longos, descentralize tarefas. Nos curtos, centralize para otimizar tempo e coordenação.
*Garanta recursos versáteis e reserva suficiente para evitar atrasos sem sobrecarregar custos operacionais.