
Equidade não é caridade, é correção histórica e estratégia de futuro. Promover justiça de gênero não significa perder espaço, e sim ampliar o potencial coletivo das organizações
A equidade de gênero nas organizações não é uma pauta exclusiva das mulheres — é, antes de tudo, um chamado à responsabilidade coletiva. Nessa jornada, o papel dos homens é central e exige o engajamento consciente e ativo de todos, especialmente daqueles que ocupam cargos de liderança e tomada de decisão. Mais do que aliados, os homens devem ser cocriadores de uma cultura empresarial que reconhece as desigualdades históricas, compreende as rotinas e realidades femininas e atua de forma propositiva para que o ambiente de trabalho seja, de fato, mais inclusivo.
Quando falamos de empresas mais justas para as mulheres, falamos de empresas melhores para todos. Mas, para que isso ocorra, é necessário que os homens deixem de ser apenas espectadores e se tornem agentes ativos da transformação.
Para começar, é essencial olhar para aquilo que muitas vezes não aparece nos relatórios: o cotidiano das mulheres. A maioria das mulheres que ocupa cargos no mercado formal também é responsável pelo cuidado com a casa, os filhos, os pais idosos ou o próprio parceiro. Essa “dupla jornada”, ainda que já amplamente discutida, segue sendo uma realidade persistente.
Segundo dados do IBGE (PNAD Contínua), elas dedicam cerca de 21 horas semanais a tarefas domésticas e de cuidado, enquanto os homens dedicam 11 horas em média.
O primeiro passo para a construção de equidade é o reconhecimento dessa carga adicional. Mulheres, sobretudo aquelas com filhos ou com responsabilidades familiares, frequentemente acumulam atividades que vão além do expediente. Esse “segundo turno” é silencioso, muitas vezes desvalorizado e nem sempre considerado pelas lideranças corporativas.
Realidades como essa podem impactar a produtividade, a disponibilidade para viagens e treinamentos, além da participação em espaços informais como happy hours e eventos de networking — momentos que muitas vezes contribuem para o fortalecimento de relações de confiança e decisões estratégicas.
É justamente nesse ponto que o papel dos homens se torna fundamental. Compreender e acolher essa sobrecarga não significa fragilizar processos, mas torná-los mais humanos, justos e sustentáveis. Um gestor que reconhece essas demandas entende que não se trata de concessão, mas de responsabilidade social corporativa.
Equidade de gênero não é sobre “dar espaço”, mas sobre repensar o uso do espaço que as mulheres ocupam. Isso começa com escuta ativa: quantos gestores homens já perguntaram às suas colegas o que elas precisam para desempenhar melhor seu papel? Quantos CEOs revisaram políticas de horários, metas e viagens com base em conversas reais com suas colaboradoras? Ser corresponsável é, por exemplo, evitar marcar reuniões importantes fora do horário comercial, especialmente quando se sabe que parte da equipe tem compromissos familiares.
A equidade se constrói com decisões intencionais e corajosas no cotidiano. Isso implica, por exemplo, refletir acerca da própria participação em happy hours ou jantares corporativos que, por dinâmica e horário, possam restringir a presença feminina. Ao fazer desses espaços critérios implícitos de visibilidade e promoção, corre-se o risco de reforçar desigualdades. É preciso refletir sobre alternativas mais inclusivas e criar canais formais de participação que contemplem diferentes realidades.
A presença feminina em treinamentos, viagens e reuniões pode ser facilitada com ajustes simples: prever datas com antecedência, oferecer estruturas de cuidado infantil em eventos internos e considerar a logística de deslocamentos. Além disso, programas de formação e mentoria voltados especialmente para mulheres, que respeitem seus tempos e contextos, podem fazer diferença significativa.
A construção de uma cultura organizacional equânime passa, obrigatoriamente, pela revisão dos critérios de avaliação e promoção. Cabe às empresas refletir sobre o quanto ainda avaliam lideranças com base em disponibilidade total ou presença física. As mulheres líderes, muitas vezes, entregam resultados iguais aos dos homens — ou superiores — com menos visibilidade, pois operam em uma lógica de alta produtividade no tempo que têm disponível.
Homens em cargos de decisão podem — e devem — ser patrocinadores de mulheres com potencial de liderança. Isso não é uma concessão, mas uma forma de equilibrar um campo historicamente desigual. Também é necessário revisar os próprios vieses: quando se diz que uma mulher “não está pronta” para liderar, o julgamento é técnico ou está relacionado a expectativas de comportamento?
É comum encontrar mulheres brilhantes em cargos operacionais ou técnicos que não avançam para posições de liderança. Muitas vezes, isso não ocorre por falta de competência, mas por barreiras estruturais — como ausência de mentoria, redes de apoio e oportunidades reais de desenvolvimento. Os homens, nesse cenário, têm papel decisivo como patrocinadores, e não apenas como simpatizantes da causa.
Ser patrocinador é mais do que apoiar à distância — é usar a própria posição de influência para abrir portas, indicar mulheres para cargos estratégicos, oferecer feedbacks construtivos e, sobretudo, questionar ambientes onde apenas homens estão na mesa de decisão. A equidade de gênero em cargos de liderança não se alcança com discursos: ela se constrói com ações intencionais e consistentes.
Cuidar das mulheres no ambiente de trabalho não é tratá-las como frágeis, mas reconhecê-las como inteiras: mães, cuidadoras, líderes, especialistas. Homens podem apoiar colegas sobrecarregadas, redistribuir tarefas, proteger espaços de fala e se posicionar contra piadas, interrupções e estereótipos. Pequenas atitudes constroem ambientes mais justos.
Ao construir espaços mais equânimes para as mulheres, as organizações se tornam também mais saudáveis para todos. Homens também se beneficiam de jornadas mais equilibradas, culturas mais respeitosas e relações mais empáticas. A equidade de gênero é, portanto, um projeto de justiça coletiva.
Empresas mais diversas e justas tendem a apresentar melhor desempenho financeiro, maior capacidade de atrair e engajar talentos, mais inovação e reputações mais sólidas. Quando a cultura corporativa acolhe as necessidades das mulheres, ela se torna mais empática e equilibrada para todos — inclusive para os homens, que também enfrentam pressões ligadas a estereótipos da masculinidade tradicional.
Homens em posições de poder precisam compreender que equidade não é caridade: é correção histórica e estratégia de futuro. Assumir um papel ativo na promoção da justiça de gênero não significa perder espaço, e sim ampliar o potencial coletivo da organização.
A construção de empresas mais equânimes passa, necessariamente, por uma revisão das práticas cotidianas, das decisões estratégicas e dos valores organizacionais. E os homens têm papel essencial nessa jornada — não como protagonistas de uma nova narrativa, mas como corresponsáveis por um futuro onde mulheres possam liderar sem precisar sacrificar sua saúde, sua família ou sua identidade.
Cabe a ele fazer mais do que simplesmente apoiar: precisam agir, dividir espaços, abrir caminhos e, muitas vezes, sair do centro. Porque, quando o ambiente é justo para as mulheres, é mais justo para todo mundo.