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Sua empresa tem executivo de ética?

O comportamento ético corporativo ganhou uma relevância nunca antes vista, e os desafios éticos gerados pela disrupção do trabalho no futuro encontram 73% das empresas despreparadas. Algumas organizações estão se mexendo

Lilia Porto
29 de julho de 2024
Sua empresa tem executivo de ética?
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Na história da humanidade, a reflexão sobre a ética sempre esteve presente. Eu quero? Eu posso? Eu devo? A ética nos ajuda a responder perguntas desse tipo, estabelecendo as bases que guiam a nossa conduta e a melhor forma de agir e de se comportar dentro de uma sociedade.

Como antídoto a empresas que colocam o lucro acima de tudo, e como resultado de uma sociedade mais consciente, e ainda, sob influência da atual pandemia, a ética vem sendo colocada no epicentro das atenções. Há tempos, líderes e gestores empresariais enfrentam questões éticas, mas hoje há uma perspectiva mais ampla, sobre posicionar-se publicamente, ser transparente e construir confiança junto aos stakeholders – colaboradores, consumidores, investidores, comunidades e sociedade. Gestores também começam a ser desafiados a solucionar possíveis trade-offs decorrentes da crescente adoção tecnológica e da interseção entre humanos e tecnologia.

Voltemos à época em que a Covid-19 eclodiu. Mesmo diante de imensas dificuldades, diversas empresas agiram com ética e integridade, cumprindo compromissos e cuidando de seus colaboradores. Outras foram mais negligentes ou priorizaram as finanças.

A Disney, por exemplo, suspendeu os salários e deu licença temporária a 43 mil funcionários. Sim, os seus parques estariam vazios por um bom tempo, mas a maioria das empresas também estavam enfrentando adversidades e mesmo assim vimos exemplos altruístas, como o de executivos que reduziram seus próprios salários para conseguir manter a folha de pagamento. Ou de empresas que deram suporte emocional e psicológico e fortaleceram ainda mais o senso de pertencimento de seus colaboradores.

Ética em alta

Uma crise, muitas vezes, revela o modus operandi e o caráter de uma pessoa. A pandemia, nesse caso, foi o teste que tirou o véu da face das empresas e de seus líderes. Cada um reagiu de maneira diferente e todos, mais na frente, serão avaliados pelos resultados.

Uma questão que surge é se o comportamento ético pode ser medido em termos de reputação. A RepTrack, empresa que faz essa quantificação explica que existem sete fatores que afetam a reputação de uma empresa: produtos e serviços, inovação, ambiente de trabalho, governança, cidadania, liderança e desempenho. Suas descobertas, a partir de uma pesquisa feita no início da pandemia, são reveladoras.

Se os fatores de reputação antes da pandemia (em janeiro) concentravam-se principalmente em ter um ótimo produto ou serviço, representando 21% da reputação, em abril, como resultado do impacto da Covid-19, os consumidores mudaram suas expectativas em relação às empresas, uma tendência que a RepTrak nunca tinha mapeado antes.

Então, o principal fator de confiança e de estima agora gira em torno de como as empresas se comportam no mercado. Em outras palavras, o comportamento ético passa a ser o fator número um. A qualidade dos produtos caiu para 15% e passou para o segundo lugar.

Essa mudança pode significar que os consumidores estejam esperando que líderes empresariais se posicionem sobre desafios e questões emergentes que afetam a economia e a vida das pessoas. A era do foco no lucro e no produto parece estar desaparecendo, e muito rapidamente.

“Acredito que essa crise possa inspirar um movimento em direção a uma liderança mais ética. As pessoas exigirão isso.” – Adam Grant, psicólogo e professor da Wharton School, na The Economist.

Tecnologia e trabalho humano

Pois é. À medida que as empresas estão adotando tecnologias emergentes, buscando forças de trabalho alternativas e novos formatos de trabalhar, também passam a enfrentar novos desafios éticos.

Esses desafios são intensificados quando ocorre a interseção entre humanos e tecnologia, onde novas questões – como o impacto nos trabalhadores e na sociedade – sobem ao topo da agenda ética. A forma como as empresas irão combinar pessoas e máquinas estará no centro das preocupações éticas daqui pra frente.

A Deloitte divulgou recentemente sua pesquisa anual Global Human Capital Trends 2020. Neste ano, 85% dos entrevistados afirmaram acreditar que o futuro do trabalho gera desafios éticos – mas apenas 27% disseram possuir em suas empresas políticas e líderes capazes de gerenciar esses desafios. Essa gestão da ética, relacionada ao futuro do trabalho, cresce em importância: mais da metade dos entrevistados disse que esse era o principal ou um dos principais problemas que as empresas enfrentam atualmente e 66% preveem que será o principal desafio nos próximos três anos.

Quando a Deloitte perguntou o que estaria impulsionando a importância da ética, quatro fatores foram destacados: questões legais e regulamentares, adoção rápida da inteligência artificial (IA), mudanças na composição da força de trabalho e pressão dos stakeholders.

Inteligência artificial

A pressão em cima da ética em função da rápida profusão da IA é compreensível. Embora essa pesquisa tenha constatado que apenas uma pequena porcentagem das empresas esteja usando robôs e IA para substituir pessoas, a ameaça continua incomodando, principalmente se a adoção dessas novas tecnologias não for avaliada quanto à imparcialidade e à equidade, considerando questões como:

• diminuição ou aumento do viés discriminatório; • privacidade dos dados dos colaboradores; • se as decisões tomadas pela tecnologia são transparentes e justificáveis; e • quais políticas devem ser adotadas para responsabilizar ou não os humanos pelos resultados de decisões.

Gig economy

Em relação às mudanças na composição da força de trabalho, o crescimento de uma força alternativa – terceirizados e gig economy – é um fenômeno que amplifica preocupações éticas relacionadas a uma remuneração justa e outros benefícios. Apenas 21% disseram que as estratégias de suas empresas para o bem-estar incluem os trabalhadores alternativos.

Desigualdade social e mudanças climáticas

O fator mais determinante da importância da ética no futuro do trabalho observado pela Deloitte é que as empresas estão enfrentando pressões crescentes de clientes e de investidores para se posicionar e agir em questões éticas, mesmo àquelas que não afetam as operações do negócio em si – como a desigualdade social e as mudanças climáticas.

A sociedade começa a exigir que as organizações enfrentem e solucionem esse tipo de desafio e isso pode fazer emergir uma nova agenda para elas. Contudo, os entrevistados revelaram, de forma esmagadora, que suas empresas não estão prontas para gerenciar esses desafios éticos.

Perspectiva emergente

Uma mudança de perspectiva talvez seja necessária. Ao abordar essas novas questões éticas Em vez de perguntar “”poderíamos”” seria perguntar “”como deveríamos””. Um movimento emergente já é observado: as organizações estão começando a colocar a ética como parte de sua estratégia e missão.

Algumas já estão criando cargos executivos para impulsionar a tomada de decisão ética. Em 2019, por exemplo, a Salesforce contratou Paula Goldman como diretora de ética, no intuito de garantir que tecnologias emergentes que fossem implementadas na empresa, conduzissem mudanças sociais positivas, “beneficiando a humanidade”.

A ética é um ativo que aumenta a reputação de uma empresa, com efeito profundo nas percepções dos consumidores e dos colaboradores especialmente.

Empresas capazes de se adaptar rapidamente a mudanças, com uma forte cultura ética, poderão navegar nesses tempos complexos e sobreviver na nova economia que será redefinida pela reputação.”

Lilia Porto
É economista e também fundadora, editora-chefe e pesquisadora do O Futuro das Coisas. Tem buscando contribuir para vislumbrar e acelerar os próximos passos para pessoas, empresas e marcas conectadas com o futuro.

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