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Varejo: o complexo posicionamento de marcas no século 21

Marcas que atuam no varejo precisam olhar o consumidor como o centro de todo o processo; assim, o relacionamento e o posicionamento diante desse consumidor deve ser integral, desde o mobile first, passando pela compra na loja física, até o pós-venda

Ulisses Zamboni
6 de agosto de 2024
Varejo: o complexo posicionamento de marcas no século 21
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“Nos meus artigos, nas minhas palestras e aulas, e no meu dia a dia com clientes, evito usar o clichê “estamos passando por uma revolução” para quaisquer assuntos do marketing, do consumidor e da comunicação. No entanto, quando se trata do segmento de varejo, não há como evitar. Ou estamos num quadro patente de revolução do segmento ou, no mínimo, numa evolução monumental.

Tenho estudado consecutivamente (e com alguma profundidade) os negócios e as marcas de varejo nos últimos 10 anos, ouso afirmar que ao longo desse tempo a tecnologia elevou o segmento e o comportamento do consumidor a um patamar tão surpreendente que conseguiu subverter os padrões clássicos do segmento. Nesses dois últimos anos então, nem se fala.

As demandas do varejo de hoje, a começar pela obrigatoriedade contemporânea do omnichannel, são tantas, tão caras e tão sofisticadas que o sonho dourado de um empreendedor menos preparado, mas com garra e desejo de abrir um negócio, pode se tornar um completo desastre do dia para a noite.

Investimentos quase que obrigatórios em tecnologia, logística funcionando como relógio, diálogo com usuário via redes sociais, site (obrigatório) com e-commerce e UX perfeito funcionando (para não gerar fricção nas vendas), CX, experiência na loja, enfim “”name it””! Poderia passar o texto todo relatando os atributos que o novo varejo tem que adotar.

Negócios totalmente à disposição do rei, o consumidor

Há pelo menos uns cinco anos, o gap entre países com varejos muito mais maduros como os Estados Unidos, Inglaterra e China – sim, a China – e o Brasil passaram a ser menores graças à adoção mais massiva de tecnologias digitais que se espalharam mundo afora e que também chegaram por aqui.

No entanto, além da tecnologia que, vale dizer ser “”meio”” e não “”fim”” para o varejo, não há outro segmento que evidencie tanto a presença ou a ausência do que chamamos de marketing voltado ao usuário.

No marketing, falamos o tempo todo da necessidade de os usuários terem suas necessidades respondidas pelas marcas. Entretanto, quando isso não acontece no segmento de varejo, o negócio está a um passo de falhar (e de durar pouco). É o que os americanos conceituam de “”customer centricity”” (foco total no cliente), ou seja, um modelo de negócio onde o usuário está no centro das estratégias.

Para isso, as ofertas do varejo, seja no pré, no durante ou na pós-venda precisam estar coladas nas necessidades do usuário. Quer exemplos? Quer comprar e não tem no estoque? Mando para sua casa ainda hoje. Começou a comprar no celular, continuou no desktop e terminou na loja? A marca da loja precisa saber disso e não “”recomeçar”” a compra do usuário. Não quer o mesmo tênis que todo mundo? Use a área de personalização da loja. Mesma peça, mesma cor, preço maior? O vendedor precisa de autonomia para negociar a venda com o usuário (o famoso “”deixe-me ver com o gerente”” é um convite à debandada do cliente da loja). E daí em diante. O usuário passa a ser o centro de todo o processo do varejo.

Os exemplos acima parecem básicos para o segmento de varejo, só que pela digitalização o básico tornou-se absurdamente caro para o empreendedor. Prova disso é que dificilmente o usuário inicia uma compra entrando na loja física. Ele faz isso sem sair de casa num comportamento cada vez mais frequente que é o “”mobile first shopping”” (iniciar uma jornada de compra pelo celular).

E essa perspectiva é possível pela combinação da disponibilidade e democratização dos dispositivos móveis, aumento da velocidade das redes e pela certeza da segurança de dados (com a LGPD a todo vapor nos próximos meses). A propósito, você pode baixar – se for inscrito no MIT Sloan Management Review americano, o PDF do “”Data Driven Marketing“”, que descreve a base para uma relação “”customer driven”” impecável para o século 21.

Como posicionar as marcas de varejo num cenário tão desafiador?

Sem a pretensão de encerrar o assunto nos próximos parágrafos, gostaria de dar um pano de fundo a esse assunto que tem chegado até mim na consultoria de forma recorrente, uma vez que estamos em tempos líquidos e, portanto, estamos em tempo de revisão de posicionamentos de marcas.

Ouso dizer – e por favor, sem querer ofender ninguém – que são poucos os profissionais de marketing e de comunicação que dominam a construção de marcas do varejo. Ouso dizer também que posicionar uma marca de varejo em comunicação está longe de se preencher o mesmo gabarito da construção de imagem das marcas em FMCG e de serviços. A começar pelo objetivo desse posicionamento que não só terá que distinguir e diferenciar a empresa como também fazer com que ela estimule o usuário a entrar em contato com algum canal de vendas: loja, site, WhatsApp, etc. É o que chamamos de posicionamento de marca somado ao posicionamento de destino.

O posicionamento de destino do varejo pode ser dividido em alguns territórios de acordo com o livro “”Winning Retail“”, de Neil Stern. Estive com o Stern em 2019 numa conferência de varejo em Nova Iorque e perguntei a ele se a teoria por ele criada ainda permanecia de pé com o advento digital e a resposta foi sim. São 20 anos de teoria que se comprovam ano após ano.

Para Stern e sua metodologia, um posicionamento que torna a loja um destino precisa obrigatoriamente preencher um dos quatro grandes territórios: “”fashion”” ou de inovação (lojas da Apple, Osklen, etc), “”value for money””, leia-se compra com valor agregado ou compra mais barata (Ultrafarma, Fast Shop), conveniência (Hering, 7Eleven), profundidade em expertise (Leroy Merlin, Cobasi).

De acordo com seu livro, Stern diz que não existem outras avenidas estratégicas de posicionamento de destino no caso do varejo. Um consumidor só se interessa por uma loja como destino a partir dessas quatro vias, e lembra que entretenimento, cafezinho e longe são atributos periféricos que pouco agregam na hora da escolha do loja como destino. E, por isso, o empreendedor do varejo precisa deixar claro “”a que veio””. É claro que uma loja voltada para conveniência ou rapidez em comprar deve também acumular outros territórios, mas essa é outra história, num outro artigo para quem tiver curiosidade.

O posicionamento de destino da loja é fundamental, mas não suficiente para que faça o usuário da marca ter o trabalho de sair de casa ou visitar o site. Ele precisa de uma combinação de estímulos, e é daí que entra o posicionamento da marca. Quem é essa marca? Por que devo comprar lá e não em outro lugar que tenha os mesmos produtos? Ela é socialmente responsável? Trabalho infantil? Como ela enxerga o mundo que vivemos? Que emoção ela gera para mim?

Essas questões constituem um binômio interessante que deve ser analisado. Olhando friamente, quando falamos de marcas, e em especial as marcas de varejo, parece que estamos falando de uma pessoa, não é? Pois então, a identidade dessa marca precisa ser construída de forma inequívoca na cabeça do usuário a fim de que ele saiba “”com quem está lidando””, afinal de contas, uma loja de varejo tem um dono – onde quer que ele esteja. É para isso que usamos a metodologia arquetípica de marca, para que ele saiba que tipo de oferta emocional aquele varejo está pronto para entregar.

O outro braço paralelo ao de posicionamento de marca para o varejo é o entendimento profundo da “”dor”” de seu usuário. Na verdade, qual a dor filosófica do target essa marca veio aplacar? Um exemplo bastante conhecido das mulheres é o da marca de varejo “”quem disse, berenice?”” que tem como oferta filosófica de valor a total liberdade da mulher se expressar pela maquiagem, sem impor estilos. É uma chamada de liberdade filosófica da marca que está intimamente ligada à “”dor”” das mulheres contemporâneas (usuárias de maquiagem) que ficam escravas das regras, tutoriais e das réguas de beleza. Afinal de contas, maquiagem não é tatuagem.

Um negócio deliciosamente complexo

É mister deixar claro: nenhum outro negócio precisa ter tanto alinhamento entre o posicionamento da marca e o posicionamento do negócio quanto o varejo. E, é por isso que me encantei tanto com o tema.

Pense bem. O contingente humano que constitui o negócio do varejo e o faz rodar é monstruoso. Empregos diretos e indiretos somados ao impacto da empresa/marca na comunidade. Com uma cadeia de valor absurdamente grande como essa, formada por stakeholders muito relevantes, e de importância vital para o negócio e para o processo de conversão, uma marca de varejo está sempre à mercê da subtração de valor, se alguns destes “”players”” estiverem descontentes com ela. Nesse caso, a marca passa a ser porta voz corporativa da empresa e precisa estar alinhada com questões institucionais.

Experiência de loja, logística, estoque, “omnicanalidade”, tecnologia, jornada de consumo mobile first, etc, enfim, um complexo ecossistema de engrenagens que fazem o segmento ser tão intrigante. O melhor? Enquanto escrevo esse artigo, uma infinidade de outras novidades estão sendo criadas e agregadas à toda essa equação do negócio. E isso não é bom?

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Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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