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Abra-se para o mundo

Criar estratégias fechadas é uma receita para o fracasso quando as disrupções vêm de todos os lados; três cases ilustram isso

Christian Stadler, Julia Hautz, Kurt Matzler e Stephan Friedrich von den Eichen
12 de julho de 2024
Abra-se para o mundo
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Formular e executar uma estratégia organizacional sólida é uma tarefa difícil. Com frequência, a estratégia é criada por equipes de elite e, portanto, pode se ver limitada pelos preconceitos de seus formuladores contra os concorrentes, pelas necessidades dos clientes e pelas forças de mercado. E pode ser uma batalha árdua convencer os stakeholders em toda a empresa a canalizar dinheiro, tempo e energia para um rumo novo, não testado.

Nossa solução para a formulação da estratégia e para os desafios de sua execução é radical: abra seu processo estratégico. Isso oferece às equipes de liderança acesso a diversas fontes de conhecimento externo, ao mesmo tempo que torna os líderes individuais conscientes de seus preconceitos e os ajuda a construir a adesão necessária para acelerar a execução.

Essa abordagem é bastante valiosa quando as empresas enfrentam ameaças disruptivas. É bem mais fácil dominar as disrupções quando se forja uma estratégia ao lado de outros que veem o mundo por uma lente diferente da sua. O progresso e a inovação dependem menos de pensadores solitários com QI excepcional do que de grupos de pessoas que trabalham em conjunto e capitalizam sua individualidade, como mostrou o cientista social Scott E. Page.

O envolvimento de pessoas de fora do C-level – e da própria empresa – na elaboração de estratégias não só é fonte de ideias frescas, mas também mobiliza todos os envolvidos. Assim, a execução torna-se parte do processo. E tudo isso pode acontecer sem perda de controle sobre a elaboração da estratégia em si.

Limitações da estratégia atual

O planejamento estratégico ainda é a ferramenta mais popular disponível para os gestores segundo pesquisa da Bain de 2018. No entanto, estudos constatam que entre 50% e 90% das estratégias elaboradas pelos líderes não funcionam. Nossa própria pesquisa de 2018 com 201 executivos americanos e europeus revelou que 52% de suas iniciativas estratégicas nos três anos anteriores haviam tido desempenho abaixo do esperado.

Esses resultados decepcionantes surpreendem, considerando os recursos que as empresas dedicam à elaboração de estratégias. Por ano, são investidos mais de US$ 30 bilhões em consultorias, e os CEOs gastam em média mais de 20% de suas horas de trabalho concentrando-se na estratégia.

No centro do problema está o processo de elaboração da estratégia. Quando os executivos presumem que centralizar a estratégia mantém a empresa a salvo de funcionários ou parceiros externos que trariam pensamentos rebeldes ou imprecisos, e de concorrentes que roubariam suas ideias, estão prejudicando a empresa. Em geral, entregam uma de três coisas:- Estratégias isomórficas. Boa parte do pensamento estratégico em um setor parece igual, devido ao fenômeno que os teóricos organizacionais chamam de isomorfismo. Assim como nós nos comportamos de maneiras cada vez mais semelhantes em nome da adaptação ao ambiente, as empresas, ficam mais parecidas, porque benchmarking e melhores práticas influenciam muito as estratégias.- Estratégias pouco imaginativas. É difícil garimpar ideias novas em ambientes corporativos fechados. Departamentos e indivíduos competem entre si por recursos ou prestígio, e mesmo quando os líderes exigem cooperação e quebra de silos, as ideias não fluem livremente. Exemplo? Nos anos 1990, a Sony lançou a iniciativa de inovação “Sony United”. Em 1999, na feira Comdex, a maior do setor, duas divisões da empresa apresentaram players de música digital desenvolvidos independentemente. Eram quase idênticos, mas incompatíveis. – Estratégias tendenciosas. O fracasso da Polaroid e da Kodak em navegar na transição para a fotografia digital é famoso. Um dos culpados foi o que os psicólogos cognitivos às vezes chamam de armadilha do status quo – a tendência a favorecer o que já existe e as informações que confirmam essa escolha. Outros preconceitos comuns incluem a armadilha do custo irrecuperável (a tendência a apoiar irracionalmente escolhas passadas que estão falhando), a aversão à perda (a tendência a dar mais peso a perdas potenciais do que a ganhos potenciais) e a armadilha do excesso de confiança (a tendência a acreditar em previsões excessivamente otimistas). Tais preconceitos representam pontos cegos perigosos para estrategistas que trabalham sozinhos ou em pequenos grupos.

Há mais de duas décadas, Gary Hamel observou a necessidade de as empresas repensarem sua maneira tradicional – e elitista – de criar estratégias.

Concorrente pesadelo e um case

A estratégia aberta requer novas técnicas para administrar a complexidade das visões internas e externas, gerando e sintetizando insights e mobilizando os funcionários. Uma delas é o Desafio do Concorrente Pesadelo, da IMP Consulting – um exercício no qual os participantes imaginam concorrentes fictícios cujos modelos de negócio são capazes de disruptar uma indústria e expulsar os atores estabelecidos. Esse exercício também ajuda a enquadrar a disrupção como ameaça, não oportunidade, o que aumenta a chance de os líderes tomarem uma atitude com base nas descobertas que fazem. Em vez de envolver só um grupo pequeno e homogêneo de funcionários do alto escalão, o exercício inclui pessoas de funções e níveis hierárquicos diferentes, mais participantes externos.

A Voestalpine, empresa de soldagem de aço, usou esse método em 2016. Com operações em mais de 50 países e receitas de mais de € 11 bilhões em 2016-2017, ela enfrentou redução da demanda, uso crescente de substitutos de aço, capacidade ociosa e concorrência da China. Pressões regulatórias também cresceram, ante as metas ESG da União Europeia. E as margens ficaram achatadas.

A Voestalpine selecionou então 20 participantes externos e 15 internos para um workshop de quatro dias. Os critérios para a escolha dos externos foram: competências, capacidade de pensamento criativo e abertura para contribuir. Havia especialistas da indústria do aço, mas também de tecnologia digital e modelos de negócio circulares, pesquisadores em sustentabilidade, potenciais clientes, fornecedores, empreendedores disruptores do mercado e pensadores laterais capazes de reconhecer padrões e soluções transferíveis.

Ao selecionar os participantes internos, a empresa ignorou a hierarquia, trazendo pessoas com experiência em estratégia, visão corporativa, operações, vendas, marketing e P&D.

Equipes compostas de participantes internos e externos examinaram tendências pré-selecionadas que poderiam disruptar a empresa: mudanças de hábitos de mobilidade, mudanças climáticas, novos métodos de produção ambientalmente corretos, opções de reciclagem, digitalização e materiais que poderiam atuar como substitutos do aço. E passaram um dia e meio imaginando como tais tendências poderiam originar novos concorrentes e detalhando seus modelos de negócio específicos.

Cada equipe criou e fez pitch, para a cúpula executiva da Voestalpine, dos modelos de negócio do concorrente imaginário como se fosse uma empresa em busca de financiamento. “Os convidados externos foram um importante contrapeso, pois alguns internos não foram suficientemente radicais em seu pensamento. Mas barreiras mentais foram removidas e surgiram novas perspectivas que podem ser realmente intrigantes”, disse Christian Presslmayer, chefe de estratégia da divisão de aço da Voestalpine.

A empresa deu um passo além, em 2018, na fabricação de aço livre de CO2, unindo-se a um consórcio industrial com o objetivo de criar a maior instalação-piloto do mundo para a produção de “hidrogênio verde”. Em 2021, anunciou a patente de um processo industrial de produção de aço neutro em carbono.

Como abrir a estratégia

Embora workshops que exploram oportunidades disruptivas sejam um bom começo, uma estratégia aberta requer mais do que isso. É necessária uma mentalidade nova, baseada em transparência, colaboração e diversidade, que precisa ser alimentada no longo prazo. Então, tome as seguintes medidas:

Assuma um compromisso como uma equipe de liderança de alto nível. Deve-se reconhecer que insights valiosos não estão limitados à equipe de liderança e aos consultores. Se você e sua equipe relutam em limitar seus próprios direitos de decisão e em se comprometer com as definições da estratégia aberta, pelo menos considerem as contribuições úteis recebidas, mesmo que não influam nas decisões finais – pois iniciativas de estratégia aberta sem esse compromisso têm menos chances de sucesso.

Alguns anos atrás, um fabricante alemão de máquinas especializadas de médio porte nos procurou, ansioso para saber se a estratégia aberta poderia ajudá-lo a elaborar uma nova proposta de valor baseada em serviços para enfrentar os concorrentes globais de baixo custo.

O CEO parecia disposto a reformular o processo de elaboração da estratégia da empresa, mas sua equipe sênior não concordou. O negócio principal continuava forte, argumentaram, e novas ofertas de serviços eram apenas uma forma de reforçá-lo. O CEO, influenciado pela maioria, mudou de opinião. A abertura a novas ideias parecia inteligente em teoria, mas também significava incerteza, mudança e até uma perda de controle. Faltou o compromisso.

Abra-se gradualmente. Embora uma estratégia aberta seja promissora, os processos convencionais ainda servem bem às empresas em certas situações, em especial quando o core business não enfrenta ameaças iminentes. Em vez de abrir imediatamente a estratégia, identifique, em sua carteira de negócios, quais já estão sofrendo disrupção, quais enfrentam ameaças iminentes e quais não estão diante de ameaças sérias. Introduza a estratégia aberta nas duas primeiras categorias e deixe o processo estratégico atual em vigor na última.

A Oetker, multinacional alemã diversificada com receita anual de cerca de € 7,3 bilhões, é um bom exemplo. Em 2021, a empresa decidiu tentar uma estratégia aberta em seu negócio de cereais, em constante declínio havia anos, apesar do investimento em novas linhas de produtos. Num workshop semelhante ao já descrito, seus líderes abriram a elaboração de estratégias para funcionários da linha de frente e colaboradores externos. Com base em tendências e motivações como conveniência, otimização individualizada da saúde, desenvolvimento de produtos com base em dados e construção da comunidade, equipes mistas vislumbraram concorrentes que poderiam revolucionar o negócio de cereais. Após esse trabalho inicial em uma unidade de negócios menor, a empresa pensa em introduzir uma estratégia aberta em outras maiores.

Crie novas estruturas e desenvolva capacidades. É frequente que a estratégia aberta produza novas iniciativas que a princípio todos amam, mas que não podem ser executadas na estrutura atual da empresa. Quando essa realidade passa despercebida, as iniciativas morrem na praia do subfinanciamento, das guerras de poder e/ou da falta de capacidades. Como Clayton Christensen já argumentava, novos modelos de negócio radicais exigem estruturas separadas e novos KPIs.Em 2006, a IBM conduziu um enorme brainstorming com 150 mil participantes, incluindo clientes e parceiros de negócios de 64 empresas diferentes. O objetivo era criar negócios pela combinação de iniciativas existentes. Dez novos negócios foram criados – de US$ 750 milhões em receita anual.

Amplifique as vozes externas. As ideias que mudam um setor quase sempre vêm de fora. No entanto, a maioria dos líderes ainda tem dificuldade em convencer suas empresas a fazer analogias – ou seja, extrair e adotar ideias de coisas similares em outros domínios. Embora as fronteiras setoriais estejam desaparecendo, poucos enxergam além delas.

A abertura a participantes externos aumenta a amplitude, a profundidade e a aplicabilidade do raciocínio por analogias. Quando você está se esforçando para ver além da próxima esquina, confie no poder da multidão. Então, envolva partes externas e as mobilize com um facilitador forte.

É importante complementar as vozes externas com as opiniões dos funcionários, para aumentar as chances de as novas estratégias serem práticas (de acordo com a empresa) e para prevenir a resistência.

Não pense em estratégia aberta apenas em tempos “de calmaria”. Abraçar uma estratégia aberta em uma grande empresa leva tempo, e pode ser tentador voltar aos antigos métodos, ainda mais em tempos difíceis. Quando ocorrem recessões econômicas ou choques inesperados como o da pandemia, os líderes costumam suspender seus planos de mudança. Isso é um erro, porque algumas das contribuições mais significativas da estratégia aberta acontecem nessas disrupções.

Dois anos após a crise de 2008, a empresa alemã de software Saxonia Systems enfrentou uma crise existencial quando sua base de clientes começou a migrar para fornecedores maiores e de menor custo. Em poucos meses, as receitas da empresa caíram 40%. Por causa da estrutura de silos da Saxonia, foi difícil unir as pessoas para criar algo.

Então, a empresa lançou sprints de estratégia que reuniam os gerentes seniores a cada quatro meses e, depois, os expandiu gradualmente até incluir 20% da força de trabalho. Em 2019, a nova estratégia nascia: especialização em gestão de projetos. A receita anual da Saxônia quase triplicou para € 35,2 milhões.

VOESTALPINE, OETKER E SAXONIA não estão sozinhas nas abordagens abertas à estratégia. Telecoms como Ericsson e Telefónica também as têm praticado. Nossa pesquisa levantou que menos de um terço das iniciativas estratégicas das empresas estudadas foram abertas, mas estas representaram 50% das receitas e lucros de suas empresas. Onde líderes cooperam com pessoas de fora, as estratégias são mais realistas e sua execução é mais rápida e eficaz.

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9. Christian Presslmayer, author interview, May 7, 2018.

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12. Liam Cleaver, author interview, Aug. 24, 2018.

13. G. Gavetti and J.W. Rivkin, “How Strategists Really Think,” Harvard Business Review 83, no. 4 (April 2005): 54-63.

14. D. Tapscott and A.D. Williams. “Wikinomics: How Mass Collaboration Changes Everything” (New York: Penguin, 2010); and S. Johnson, “Where Good

Ideas Come From: The Natural History of Innovation” (New York: Penguin, 2010).15. Klaus Bachstein, author interview, Aug. 11, 2017.

Artigo publicado na MIT Sloan Management Review Brasil nº 12

Christian Stadler, Julia Hautz, Kurt Matzler e Stephan Friedrich von den Eichen
Christian Stadler é professor de gestão estratégica na Warwick Business School, no Reino Unido. Julia Hautz e Kurt Matzler são professores de gestão estratégica na University of Innsbruck, na Áustria. Stephan Friedrich von den Eichen é sócio de Matzler na IMP Consulting e professor de inovação na University of Bremen, Alemanha.

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