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As difíceis questões difíceis e as platitudes

Entre o Green New Deal e a população empobrecida, o governo americano decidiu pressionar os países exportadores de petróleo para aumentarem a produção do grande culpado pelas mudanças climáticas

Carlos de Mathias Martins
30 de julho de 2024
As difíceis questões difíceis e as platitudes
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No longa-metragem Muito Além do Jardim de 1979, o ator britânico Peter Sellers interpreta Chance, um jardineiro simplório que vive enclausurado na mansão de um milionário em Washington, capital dos EUA. Sem conhecer nada do mundo exterior além do que assistia pela TV, Chance é mandado para a rua com a morte do patrão. Uma série de eventos fortuitos conectam o jardineiro a um magnata influente que confunde a inocência de Chance com sabedoria. No filme, até o presidente americano é ludibriado pelas platitudes de Chance que responde a qualquer pergunta com trivialidades associadas ao ofício de jardineiro.

Falando sobre um assunto que definitivamente não é uma platitude, o mês de agosto começou quente não só pelo impacto das mudanças climáticas na temperatura da Terra, mas também por causa da publicação do sexto relatório de avaliação (AR6) compilado pelo painel intergovernamental sobre mudança do clima da ONU (IPCC). O sumário do AR6 preparado para policymakers, ou formuladores de politicas públicas, está repleto de evidências que comprovam a influência inequívoca do ser humano no aumento da temperatura da atmosfera terrestre.

Não faltam também exemplos do efeito do aquecimento global nos ecossistemas do planeta, tal como o derretimento da calota polar, as chuvas extremas, o aumento do nível dos oceanos, a desertificação – enfim, todo tipo de desastre que a mídia golpista (ironia) adora publica.Tem até o parágrafo C.1.4 do sumário do AR6, que assevera como provável a erupção de um vulcão durante o século 21. Tal evento reduziria a temperatura da superfície terrestre por até três anos, mascarando temporariamente os efeitos do aquecimento global – tudo isto segundo o AR6, embora esta informação você só vai ler aqui e no relatório.

Policymakers não precisam de um diploma em meteorologia, portanto, para entender, a partir da leitura do AR6, que, embora a probabilidade seja baixa, a humanidade está correndo o chamado “risco de ruina”. Em linguagem estatística de cassino, um apostador estaria correndo risco de ruina se, por exemplo, arriscasse todo o seu patrimônio em uma rodada de roleta. Caso perdesse a aposta, tal individuo não teria como voltar a jogar no cassino.

Biden, Opep, justiça climática

A mim parece óbvio que policymakers não deveriam ter mandato para expor a humanidade ao risco de ruina – e obviamente não estamos falando de dinheiro. Mas quando o tema são as mudanças climáticas, esse postulado nem sempre é obedecido. Por exemplo, na mesma semana da publicação do AR6, passou despercebida uma notícia relevante para quem se interessa pela temperatura da Terra. O governo americano decidiu pressionar o cartel dos países exportadores de petróleo – a Opep – para que estes aumentassem a produção do grande culpado pelas mudanças climáticas: o petróleo.

A preocupação do governo americano não é uma platitude: é com a alta do preço da gasolina no país, que atingiu o patamar mais elevado dos últimos sete anos. Caso o presidente Joe Biden venha a ser atendido em sua demanda de retomada da oferta de petróleo até o nível pré-pandemia, as emissões globais de CO2 aumentarão aproximadamente 1,5 bilhão de toneladas em um ano, volume que equivale às emissões líquidas do Brasil em 2019. Admito que a vida dos policymakers não é fácil.

No contexto do plano de retomada econômica baseado no Green New Deal proposto pela administração Biden, não faz sentido incentivar a produção de petróleo. Mas tampouco faz sentido que a população empobrecida na pandemia pague a conta da eventual escassez de gasolina e a consequente escalada de preços no mercado global. (Para mim, o conceito de quem paga a conta é a verdadeira definição de justiça climática.)

Estratégias de Amory Lovins

Haveria outro caminho? Menos de uma semana antes da divulgação oficial do AR6, Amory Lovins, professor da Stanford University, publicou um artigo na MIT Sloan Management Review (confira aqui) sobre descarbonização da indústria. O americano Lovins é fundador do Instituto Rocky Mountain, uma das mais importantes organizações sem fins lucrativos dedicadas à pesquisa dos temas energia e sustentabilidade. Em seu artigo, o professor de Stanford propõe cinco estratégias de negócio para zerar as emissões líquidas dos setores industriais e de transporte pesado até 2050.

O tom assertivo do texto contrasta com a aridez dos relatórios do IPCC e também com as manchetes do fim do mundo da mídia ativista. A premissa básica do raciocínio de Lovins é o ganho de escala da geração de eletricidade por fontes renováveis e seu efeito multiplicador na descarbonização de setores intensivos em energia. Faz total sentido e espero não estar vivendo em um multiverso paralelo por acreditar que a energia renovável é parte relevante da solução no combate ao aquecimento global.

Mas gostaria de ver Lovins fazer uma análise financeira simples que avalie perdas e ganhos no contexto das estratégias propostas por Lovins. Como ensinou o americano Thomas Sowell, um dos maiores economistas de todos os tempos, não existem soluções – apenas tradeoffs. Lovins discorre sobre os trilhões de dólares que poderiam ser investidos na descarbonização dos setores intensivos em energia – cadê a análise dos trilhões de dólares em ativos da indústria da energia fóssil potencialmente tornados obsoletos pela mesma estratégia de descarbonização?

Em termos técnicos, também não encontrei no texto de Lovins, incluindo os documentos de suporte compilados pelo autor, uma análise mais rigorosa da pegada de carbono nas estratégias propostas. Lovins sugere por exemplo que uma fabricante de cimento europeia consegue descarbonizar sua linha de produtos em até 100%. Como?

Por falar em platitudes, na sequência da divulgação oficial do AR6, o The New York Times publicou uma coluna de opinião da ativista sueca Greta Thunberg.”

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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