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Como o boom da transparência afeta a liderança

Liderar em um mundo hipertransparente, onde a informação circula ainda mais rápido que a capacidade de gestão, exige abordagem adaptativa e estratégias que equilibram comunicação externa e interna e honestidade organizacional

Melissa Swift
12 de julho de 2024
Como o boom da transparência afeta a liderança
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Frank está tendo uma segunda-feira horrível.

O experiente diretor de tecnologia da informação acorda sob uma saraivada de mensagens de sua equipe, que soube da aposentadoria do presidente da empresa pelo LinkedIn, já que o anúncio feito internamente ficou retido pelos filtros de spam da rede corporativa.

Enquanto Frank dá sua corrida matinal no parque, seu chefe o interroga pelo telefone sobre alguns números de uma tabela novinha que o preocupam.

Ao chegar ao escritório, já se sentindo sob pressão, Frank derrama café gelado sobre o teclado quando recebe um e-mail informando que outra líder da organização anunciou sua saída de forma dramática no “QuitTok”, atingindo meio milhão de visualizações.

Ele gasta a maior parte da manhã respondendo a perguntas de um grupo de engenheiros de software que encontrou vagas parecidas com as deles em sites de empregos com um salário 20% maior, enquanto os executivos de marketing debatem se os números da nova tabela estão corretos ou se as antigas planilhas eram melhores.

Pouco antes do almoço, recebe uma mensagem da filha: “pai, você tem acompanhado as avaliações no Glassdoor?”. Ela envia uma tela com avaliações péssimas sobre a empresa, com comentários do tipo “não consigo dizer se a gestão é estúpida, criminosa ou criminosamente estúpida”.

Quando consegue se arrastar até o refeitório da empresa, parece que Frank já teve uma semana de horrores. E ainda é só meio-dia da segunda-feira.

Seja bem-vindo ao exercício de liderança em um mundo hiper transparente. Frank é um personagem, mas as questões que ele enfrenta são reais. O velho clichê se aplica: a informação hoje em dia circula na velocidade da luz e muito mais rápido do que os líderes conseguem acompanhar.

Mídias sociais servindo para lavar a roupa suja. Mídias sociais exibindo informação que, mesmo sem ser escandalosa, não era para ser compartilhada ou sistemas internos, por “cuspir” uma gama de dados descontextualizados nas telas de pessoal despreparado para lidar com eles. A tecnologia está corroendo significativamente a vantagem que as lideranças tinham no acesso à informação desde os primórdios do mundo do trabalho.

Adeus, fofoca em torno do bebedouro; olá, “”QuitTok””

Conhecimento é poder, e atualmente, parece que todos têm acesso a ele.

No entanto, a facilidade de acesso a informações sobre aspectos da força de trabalho, como salários, demissões ou diversidade, além de dados detalhados sobre o desempenho da empresa, está sobrecarregando o trabalhador médio com uma enxurrada de notícias que são, na melhor das hipóteses, desconfortáveis.

Para líderes e funcionários, isso está provocando conversas difíceis que se tornam uma fonte significativa de estresse: ouço constantemente de clientes que até mesmo os líderes mais experientes frequentemente têm dificuldades para se engajar nessas conversas desafiadoras, fazendo com que ambas as partes saiam mais desconfortáveis do que quando começaram.

Hoje, as ações da liderança são imediatamente discutidas por escrito e em larga escala por meio de plataformas internas e externas. Só o Slack, aplicativo interno de mensagens, ostenta 300 mil delas sendo enviadas por segundo; 145 milhões de pessoas se conectam pelo Microsoft Teams com finalidade semelhante; 55 milhões usam todo mês o Glassdoor, plataforma de avaliação de empresas; e 774 milhões estão no LinkedIn para falar de trabalho. Conteúdos de redes sociais taggeados com a hashtag #QuitTok foram vistos impressionantes 41 milhões de vezes em abril de 2023. Os dias em que as reações a decisões estratégicas tomadas pela liderança de empresas eram sujeitas apenas a picuinhas em torno do bebedouro chegaram ao fim.

Sendo assim, como líderes podem se manter sãos – e eficazes – em um mundo no qual parece que todos sabem de tudo e falam sobre isso todo o tempo? O que as organizações podem fazer para garantir que as mensagens corretas sejam percebidas em meio à cacofonia, e que todo esse ruído não interfira no bem-estar do conjunto dos funcionários?

Quatro estratégias práticas

Aqui vão quatro recomendações para manter a clareza e sanidade em um mundo hipertransparente.

– Alivie a carga dos líderes, empregando a correta honestidade organizacional. Pode parecer impossível segurar a corrente de conversas difíceis, mas um cliente me apresentou recentemente uma estratégia simples: “a vida dos líderes é mais fácil quando somos honestos. Dessa forma, não são necessárias tantas conversas duras”.

Há tanta verdade nessa frase! Se as pessoas terão acesso à realidade, comunicá-la de saída significa que os gestores não terão que fingir ou recuar ao serem confrontados por seus subordinados.

Isto significa que tudo precisa dito a todos em detalhe? Definitivamente, não. Isso quer dizer mudar a comunicação de “em que queremos que eles acreditem” para “quais os fatos e contextos básicos que as pessoas precisam saber para tomarem decisões apropriadas naquela situação”. É uma mudança na natureza da informação que irá percorrer a organização.

No modelo antigo, os gestores receberiam um conjunto estático de mensagens, com a expectativa de que circulariam sem passar por maiores abalos entre os funcionários, sem questionamento, ou, no mínimo, educadamente. No formato novo, a organização está voltada para o estabelecimento de um contexto que organiza os fatos que surgem, com o entendimento implícito que informações desafiadoras, ou até contraditórias, possam surgir sem que se possa controlar.

O objetivo se desloca da imposição de ideias para a criação de um ambiente em que a discussão minimize o atrito e maximize a ação produtiva, ainda que ocorram mudanças ou discordâncias.

– Trate as comunicações levando em conta que a realidade é única, sem distinção interna/externa.

É comum dizerem que, no mundo em que vivemos, não há mais contexto, que a informação viaja instantaneamente entre circuitos aparentemente díspares e desconectados ou que a sequência de tempo só existe no passado.

Os líderes costumavam se dar ao luxo de fazer as comunicações em etapas, antes de levar o conteúdo para elementos selecionados, em uma progressão cuidadosa. Hoje, assim que algo acontece, pode-se assumir que, em pouco tempo, se saberá tanto interna como externamente e em grupos sociais os mais variados.

Para dar conta dessa realidade, muitas organizações fundiram as áreas de comunicação interna e externa ou deram àquelas antes voltadas apenas ao público externo a tarefa de garantir consistência ao se dirigirem aos stakeholders internos.

Modelar a comunicação de forma unificada não apenas padroniza a mensagem em um ambiente sujeito a vazamentos, mas também sobe a régua da qualidade da comunicação interna, na medida em que esta última é testada pelas exigências do mercado.

Mesmo que a organização não modifique sua estrutura de comunicação, os líderes podem podem trabalhar individualmente para garantir que suas mensagens permaneçam consistentes para os públicos internos e externos.

Embora seja um exercício valioso, pode implicar também um ato de equilíbrio delicado: na prática, os líderes acabam tendo que enfrentar o desafio de imitar a linguagem das mídias sociais ao mesmo tempo em que incentivam seus colegas e supervisores a garantir que informações suficientes sejam divulgadas para satisfazer as necessidades de curiosos stakeholders internos.

– Ative as habilidades básicas de comunicação, mas inclua a inteligência emocional do século XXI.

Ainda que o mundo hipertransparente seja uma consequência de tecnologias que evoluíram rapidamente, o superpoder máximo da liderança neste contexto não vem delas. Vem da capacidade de falar ou escrever uma sentença simples e clara. Como um sino que faz calar o som de uma praça lotada, líderes com excelentes habilidades de comunicação são simplesmente melhores em se fazerem ouvir em meio ao ruído.

Uma comunicação verbal vigorosa é particularmente importante em situações nas quais um estímulo se apresenta de forma rápida e frenética, como nas mídias sociais ou canais internos de chat, ou quando a informação pode chegar de forma completamente distorcida.Temos que ter a habilidade de gritar “para tudo!” e conseguir que todos atendam e parem para refletir.

Líderes acostumados a se perder em hesitações ou discursos longos e inflados vão se ver rapidamente ultrapassados pela objetividade das formas de comunicação atuais — sejam elas verdadeiras ou benéficas para o avanço dos negócios ou não. Apesar de tudo, apenas ser factual e lógico não basta. Uma frase bem construída continua tendo o mesmo valor de sempre (o clássico manual de escrita The Elements of Style continua relevante mesmo após mais de 100 anos), mas a ciência nos mostrou muito sobre como as pessoas processam informações. Por exemplo, conteúdos que provocam reações emocionais tendem a ser mais compartilhados nas redes sociais, espalhando-se assim mais rapidamente e de forma mais ampla.

Líderes habituados a uma comunicação fria e sem emoção podem perceber que suas mensagens não fluem pela organização tão velozmente quanto as declarações carregadas de emoção de seus colegas.

Em um mundo hipertransparente, talvez devêssemos considerar as descobertas da neurociência que nos alertam que separar o pensamento racional do emocional é uma falsa dicotomia. Portanto, deveríamos parar de tentar criar mensagens de liderança completamente desprovidas de emoção.

– Desenvolva sua capacidade de julgamento — e a da sua equipe.

Vamos assumir que a natureza transparente do mundo e do local de trabalho só vai aumentar daqui para frente. Nesse ambiente, sua habilidade de decidir de forma rápida e sensata o que fazer com uma informação — ou seja, seu julgamento — torna-se uma ferramenta crítica para a sobrevivência e o sucesso.

Líderes devem trabalhar conscientemente nessa habilidade. Mas, considerando que não podem estar em todas as conversas que se multiplicam o tempo todo, certamente também irão querer que suas equipes também se desenvolvam nesse sentido.

Um banco com o qual trabalhei alguns anos atrás passou a oferecer aos funcionários da linha de frente algumas das mesmas oportunidades de desenvolvimento de liderança que historicamente reservava para os executivos de topo, com a justificativa de que, com maior disponibilidade de informações, eles estariam tomando decisões semelhantes às que antes eram feitas muitos degraus acima na hierarquia.

Há um enorme valor em poder confiar na sua equipe para fazer a coisa certa quando você não está por perto, mesmo quando confrontados com informações estranhas e conflitantes. A prática de planejamento de cenários é uma ferramenta útil nesse sentido, mesmo para membros da equipe que talvez não tenham um senso de julgamento inatamente forte.

Também pode ser útil para as equipes praticarem a avaliação da veracidade das informações para tomar decisões melhores. Essa é uma habilidade crítica em um mundo onde a IA generativa está surgindo.

Seis meses depois, alguém posta sobre a empresa de Frank em uma rede social: “A gestão não é perfeita, mas eles tentam ser bastante honestos, o que eu valorizo muito. Eles realmente estão trabalhando para fazer as coisas certas, e isso pode ser visto no dia a dia.”

Frank curte e compartilha a mensagem.”

Melissa Swift
Melissa Swift comanda a prática de força de trabalho e organização da consultoria Capgemini para a América do Norte. É autora de *Work Here Now: Think Like a Human and Build a Powerhouse Workplace*, lançado em 2023.

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