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Como ser um líder num ambiente de crise?

Liderar também significa cuidar, não só dos seus colaboradores, mas também da comunidade –especialmente em momentos cruciais, como as enchentes no Sul

Mohamed Parrini
18 de julho de 2024
Como ser um líder num ambiente de crise?
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Nesta semana, vi numa rede social uma foto da minha primeira turma de trainee na antiga Arthur Andersen, naquela época uma das empresas mais admiradas do mundo. Éramos jovens, cheios de sonhos, esperanças e ambições. Lembro bem de cada um daqueles amigos, extremamente talentosos, inteligentes e afetuosos.

Mas, para além de um início de carreira, tínhamos sonhos grandes. Queríamos provar para nós mesmos e para nosso entorno que poderíamos crescer e quem sabe um dia chegar ao C-level de uma empresa.

Trago comigo até hoje muitas características daquela turma de trainees da década de 1990. Não tínhamos pressa de subir, mas de provar nosso potencial, de aprender, e até mesmo de viver a experiência de algo mais intenso e trabalhoso, por um aprendizado maior e uma história futura para contar. As promoções e o crescimento eram consequências do esforço e do potencial aprimorado a partir do “on the job training”.

Muitos esperam do líder a força e o direcionamento para saída de uma crise. Mas e quando o próprio CEO perde as esperanças?

Hoje, aprecio observar as mudanças geracionais dos grupos iniciantes nas empresas por onde trabalho, e vejo como o tempo passa rápido. Quem era jovem há pouquíssimo tempo atrás já não é mais. Quando nos damos conta, somos nós os veteranos do nosso trabalho, sempre com o risco de não termos acumulado bagagem, nem histórias grandes para contar.

Então, fazer bem-feito e com profundidade nosso trabalho, neste novo mundo em que as profissões são cada vez mais fluidas e transitórias, talvez seja a chave para podermos viver a vida profissional de forma intensa e com mais significado, pois a satisfação de colaborar, pertencer e se superar traz um retorno pessoal similar ao de quando fazemos o bem.

É consenso que todo jovem profissional sonha um dia tornar-se CEO ou presidente de uma empresa respeitada. E a maioria crê que são as habilidades técnicas, uma atitude ambiciosa ou o conhecimento superior que lhes trará tal momento. Mas o fato é que ninguém sabe exatamente como as coisas acontecem, pois a realidade é complexa e multifatorial. Conhecimento, hard skills e empenho são, sim, essenciais, mas também é preciso ter oportunidades e, principalmente, habilidades humanas.

Leia também o artigo “Liderar na adversidade (e diversidade)”, de Larissa Coggo dos Santos

O tempo passou também para mim, e atualmente sou CEO de uma importante e tradicional instituição de saúde no Rio Grande do Sul, estado recentemente afetado por uma imensa calamidade, onde cidades inteiras foram devastadas e inúmeras famílias perderam absolutamente tudo o que tinham. Sonhamos com o lado bom do poder, e esquecemos das responsabilidades que isso traz.

Muitos esperam do líder a força e o direcionamento para saída de uma crise. Mas e quando o próprio CEO perde as esperanças? Liderando uma instituição de saúde, enfrentamos uma pandemia sem precedentes, com perdas incalculáveis, e muita polarização política em temas que deveriam ser científicos. E isso não foi fácil. E agora, uma nova calamidade, que impactou milhares de famílias, cidades e empresas.

Considerando somente funcionários, tivemos mais de mil pessoas afetadas, muitas tendo que dormir em alojamentos em nossa própria empresa. Nosso olhar como instituição de saúde vai muito além do atendimento médico: significa ajudar, acolher e, especialmente, preservar memórias.

Liderar também significa cuidar, não somente dos seus, mas também de toda a comunidade à qual se pertence

Nesse sentido, liderar também significa cuidar, não somente dos seus, mas também de toda a comunidade à qual se pertence. É claro que as empresas têm como obrigação buscar sua própria perpetuidade e sobrevivência, mas a história dos países vencedores também nos mostra a importância da conexão dessas instituições com as estratégias nacionais, considerando desenvolvimento científico, social e educacional.

E é nas crises que repensamos nossas vidas. Quando iniciei minha jornada profissional, não acreditava realmente que um dia seria responsável por tanta gente e por tantas decisões.

Neste momento, tento não me ver como um CEO que sabe todas as respostas, mas como aquele jovem trainee que tentava fazer o seu melhor para ajudar o meu entorno e aos meus amigos de trabalho, demonstrando minhas fragilidades e dúvidas, e com a mesma confiança inocente de início de carreira, quando acreditava que tudo ia dar certo. É como já nos disse o gaúcho Érico Veríssimo: “a vida começa todos os dias”, e precisamos recomeçá-la aprendendo com os nossos erros e também com as coisas que não tivemos a ousadia de fazer.

Mohamed Parrini
Mohamed Parrini é CEO do Hospital Moinhos de Vento. Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Mestrado em Filosofia pela PUCRS na área de Metafísica e Epistemologia. Também possui Extensão Executiva pela Harvard Business School, com ênfase em Estratégia, e também pelo MIT Sloan, com ênfase em Inovação. Atualmente é Membro do Conselho de Administração da Anahp (Associação Nacional dos Hospital Privados) e Global Advisory Board Member na Klas Research. Ao longo de sua carreira, já atuou em diferentes setores, como Diretor para América Latina das redes hoteleiras Starwood & Marriott, CFO no setor de Oil&Gas, e executivo na consultoria Arthur Andersen. Mohamed foi reconhecido em 2019 como CEO do Ano, no Prêmio Destaques da Saúde pela FEHOSUL & AHRGS, e eleito como um dos 100 mais influentes da saúde na última década.

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