De acordo com o World Payments Report 2022, apenas 11% das pequenas e médias empresas se dizem plenamente satisfeitas com seus bancos
Na véspera do último Dia dos Pais, em agosto de 2022, o Mercado Pago fez uma promoção voltada a vendedores. Além de oferecer um bom desconto na compra das maquininhas de pagamento, isentou de taxas, durante um mês, as transações realizadas por meio desses dispositivos. Executada durante uma das datas mais movimentadas do comércio brasileiro, a ação tinha como foco um segmento em particular: as pequenas e médias empresas (PMEs).
A iniciativa da fintech do Mercado Livre é um exemplo de estratégia para cooptar clientes que deveriam ser mais levados em conta no mercado de pagamentos. De acordo com o Ministério da Economia, as PMEs são 99% das 20,2 milhões de empresas brasileiras. Isso mesmo, 99% das empresas, que no total respondem por 62% dos empregos gerados no País e por 27% do Produto Interno Bruto (PIB).
Mesmo com toda a pujança, as PMEs são pouco valorizadas pelas instituições financeiras tradicionais. Normalmente, os bancos preferem direcionar seus esforços para grandes contas de varejo e corporativas. É o que constatou o World Payments Report 2022, relatório divulgado recentemente pelo grupo Capgemini.
Embora não conte com um recorte específico da América Latina, o documento apresenta um retrato fiel da crescente cadeia de valor de pagamentos B2B e das pequenas e médias empresas. E traz algumas conclusões que deveriam alarmar os bancos. Uma delas é que apenas 11% das PMEs se dizem satisfeitas com seus relacionamentos bancários. Em outras palavras, as outras 89% estão insatisfeitas o bastante para, se não procurar, pelo mesmo estarem abertas a novos atendimentos. O que pode representar uma oportunidade a quem compreender as necessidades das pequenas e médias empresas.
“Esse segmento tem uma baixa barreira de entrada”, afirma a líder de soluções para bancos da Capgemini, Daniela Dutra. “E as fintechs e paytechs já perceberam isso. Elas estão oferecendo serviços financeiros e também ligados a gestão de capital de giro, por exemplo, com o objetivo de se tornarem um advisor principal na gestão financeira das empresas, que são carentes de informação e educação.”
Conforme o World Payments Report, 61% dos empreendedores entrevistados revelou que trabalhava com dois a cinco bancos, enquanto 25% deles afirmou que contava com seis a dez provedores de serviços financeiros. Isso acontece porque as PMEs são atendidas de forma muito fragmentada pelos bancos tradicionais.
“Não existe nenhuma proposta de valor diferenciada para esses clientes, que acabam tendo que se relacionar com mais de um banco para conseguir ver suas necessidades plenamente satisfeitas”, ressalta Daniela Dutra.
Contar com múltiplos relacionamentos bancários não impede as empresas de enfrentarem dificuldades relacionadas aos pagamentos B2B. Segundo a líder de soluções para bancos da Capgemini, no que se refere aos processos, os desafios delas são ligados a liquidação financeira, gestão de risco e gestão de capital de giro. “Os pequenos e médios empreendedores não têm um conhecimento formal sobre gestão de negócio, aprendem na prática e, dessa forma, enfrentam muitos problemas que poderiam ser evitados”, diz.
A tecnologia também consiste em um possível percalço. Nesse sentido, Dutra observa que as dificuldades dos empreendedores são ligadas principalmente à integração com seus próprios sistemas e à falta de automação e ferramentas de análise de dados, tendo em vista que eles não dispõem de recursos para investir nesse tipo de solução.
O estudo aponta também que quase 50% das pequenas e médias empresas gostariam de ter uma visão única de dados para obter melhores insights de negócios. “O que as PMEs querem? Elas querem o tempo de volta que agora estão dedicando de forma não eficiente a tarefas administrativas. Eles querem passar mais tempo administrando os negócios, contribuindo para o crescimento e a expansão dos negócios”, sintetiza o relatório.
Daniela Dutra não tem dúvidas de que a abordagem das instituições financeiras junto às PMEs deixa bastante a desejar. E espera que elas entendam a mudança de cenário como uma oportunidade para se posicionarem com uma proposta de valor mais alinhada às dores das pequenas e médias.
“As empresas querem contar com um ecossistema financeiro que esteja conectado com a sua realidade. Que os produtos e serviços ofereçam não só o óbvio, mas uma solução que consiga otimizar todo o fluxo financeiro do dinheiro que entra e do dinheiro que tem que sair (cash in e cash out)”, explica.
A executiva da Capgemini sugere que, junto com crédito do capital de giro, antecipação de recebíveis, pagamento de fornecedores e folha de funcionários, por exemplo, seja disponibilizada uma ferramenta tecnológica que ajude na tomada de decisão das PMEs. “A melhor hora para emprestar, negociar fornecedores, fazer gestão de estoque, conciliar os pagamentos… Enfim, tudo isso pode ser definido através de soluções que facilitem a gestão do negócio”, afirma.
É notável que as pequenas e médias empresas têm diversas demandas relativas aos meios de pagamento, que não são atendidas ou são atendidas apenas de forma parcial pelas instituições financeiras. Mas o que os players do mercado de pagamentos precisam fazer para fornecer soluções adequadas e atender às expectativas das PMEs?
De acordo com Daniela Dutra, a recomendação é estruturar e alinhar os recursos e capacidades existentes, criando um hub de serviços financeiros com camadas de capacidade. Ou seja, não é necessário criar tudo do zero, e sim estruturar e organizar os recursos já disponíveis de forma estratégica. As camadas recomendadas para esse hub são: produtos; database value-added service; suporte; gestão de risco; e, por fim, a interação com outros sistemas legados ou parceiros do ecossistema.
– Produtos: é preciso deixar claro quais serão os produtos que serão priorizados na proposta de valor para essas empresas.- Database value-added service: depois, para cada produto, é necessário desenvolver a camada de dados. Estruturar soluções de dados para harmonizar, armazenar e disponibilizar as informações oriundas desses produtos para gestão de ofertas/customer relationship management (CRM), gestão de risco, fidelidade, cash management, entre outros.- Suporte: estruturar reportes, automações e soluções para o faturamento desses produtos.- Gestão de risco: contar com todas as capacidades de prevenção de fraude, lavagem de dinheiro, identificação de clientes etc.- Interação: desenvolver uma camada de interação para conexão com outros sistemas legados (por exemplo: o enterprise resource planning, ERP), plataformas de atendimento ao cliente, parceiros do ecossistema e até a conexão com novas tecnologias, como a distributed ledger technology (DLT).
Com base no World Payments Report, Daniela Dutra indica quatro pontos para os quais as PMEs devem atentar ao traçarem uma estratégia voltada às novas tecnologias de pagamento do mercado financeiro:
– Realinhar as prioridades com a mudança da dinâmica mercadológica, definindo abordagens para criar relevância nos serviços ofertados e aumentar a penetração no mercado.- Implementar uma plataforma moderna, conectada e alimentada por dados padronizados para viabilizar a entrega de serviços diferenciados por meio de integrações com o ecossistema de meios de pagamento.- Explorar oportunidades para aumentar as capacidades e o conhecimento existentes através do uso de tecnologias inovadoras, como a DLT.- Ficar atento às prioridades e tendências de setor divulgadas por instituições como Banco Central e Febraban e, com isso, identificar potenciais nichos a serem atendidos e investir em Provas de Conceito (PoCs) ou Minimum Viable Products (MVPs) para estar à frente dos concorrentes.”