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Experimento em uma empresa do ranking Fortune 500 feito durante cinco anos mostra que uma solução de agenda dupla pode produzir bons resultados para as pessoas e para a organização

Erin L. Kelly e Phyllis Moen
29 de julho de 2024
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Apesar da crescente conscientização sobre os efeitos nocivos do excesso de trabalho, principalmente quando é crônico e generalizado, as empresas continuam a demandar de seus profissionais mais tarefas do que eles podem humanamente executar, que estejam disponíveis fora do horário comercial, que façam reuniões à noite, que atendam ligações e demandas nos fins de semana e nas férias, que respondam a mensagens e e-mails a qualquer hora. E o resultado? No afã de atender a essas expectativas, as pessoas chegam ao esgotamento físico e mental, o chamado “burnout”.

Naturalmente, a sobrecarga não se restringe aos profissionais de terno e gravata (ou de tailleur e salto alto). Mas descobrimos que essa realidade é especialmente frequente entre eles. Em uma pesquisa que fizemos com mais de 1 mil profissionais da área de tecnologia da informação (TI) de uma empresa do ranking Fortune 500, vista como uma boa empregadora e empresa cidadã, que vamos chamar de “Tomo”, 41% dos funcionários e 61% dos gestores responderam que concordam ou concordam fortemente que “o tempo não é suficiente para dar conta de todo o trabalho”. A demanda crescente de trabalho e o esgotamento que ela produz foram temas recorrentes nas 400 entrevistas com colaboradores da Tomo entre 2010 e 2014.Uma diretora da empresa admitiu abertamente esperar que seus subordinados diretos estivessem disponíveis 24 × 7, nos 365 dias do ano. “Se eles não estiverem acessíveis fora do horário de trabalho, precisam me avisar”, observou. Um dos gerentes subordinados a ela relatou situações em que o trabalho interferia em sua vida pessoal. Ele contou ser comum receber ligações de trabalho tarde da noite, que algumas vezes acordavam sua esposa. E definiu a função que desempenha como uma forma nada saudável de viver – e insustentável.

Ao longo da pesquisa, surgiram muitos relatos de problemas de saúde causados pela sobrecarga de trabalho, como ataques cardíacos e derrames, problemas de memória provocados por interrupção do sono e alergias sem causas aparentes, entre outras.A pesquisa identificou mais casos de burn­out, estresse e desgaste emocional (sentimentos de tristeza, inquietação, ansiedade e desalento) entre os funcionários acostumados a longas jornadas do que entre os que trabalhavam menos horas. Os problemas emocionais, assim como a insatisfação com o trabalho, também são mais frequentes entre profissionais que trabalham em horários variáveis, sobre os quais não têm controle, do que entre os que têm horários fixos e são donos de suas agendas.

O excesso de trabalho não afeta apenas os funcionários; ele também causa prejuízo para os negócios. Insatisfeitos, muitos optam por deixar a empresa, levando consigo conhecimento, experiência e até o relacionamento com clientes. Quando permanecem, é pouco provável que contribuam com muitas soluções eficientes, criativas ou inovadoras para solucionar os desafios comerciais e técnicos – mesmo os mais experientes e talentosos.

Nas entrevistas, os desenvolvedores da Tomo demonstraram insatisfação com os códigos que estavam criando em prazos exíguos e manifestaram receio quanto aos problemas que poderiam surgir em virtude do não cumprimento de todas as etapas do processo e do adiamento de manutenções.

Para entender causas e efeitos da sobrecarga de trabalho e testar possíveis soluções, fizemos uma parceria com a Tomo por um prazo de cinco anos. Como parte da rede “trabalho, família e saúde”, coletamos dados da empresa, dos funcionários e de suas famílias. Depois, realizamos uma experiência de campo com as 56 equipes da área de TI para aplicar um modelo de redesenho de trabalho chamado Star (em português, “estrela”), acrônimo em inglês para suporte, transformação e resultados obtidos.

Definimos aleatoriamente as equipes que participariam do projeto e as que seriam do grupo de controle e, ao fim da experiência, mensuramos os resultados das pessoas e dos negócios em cada grupo e os comparamos. Este artigo relata o experimento.

Em essência, descobrimos o seguinte: a sobrecarga é um problema, geralmente causado por demandas organizacionais, e é perigoso, mas pode, sim, ser combatido pela empresa por meio de mudanças condizentes e viáveis na forma de trabalhar.

Não é questão de “equilíbrio”

As organizações geralmente tratam o problema da sobrecarga como falta de equilíbrio entre trabalho e vida familiar. Esta é uma abordagem arriscada, por várias razões. Devido à associação cultural entre família e feminilidade, tanto os gestores quanto os próprios funcionários tendem a associar “família” às mulheres. Por isso, é comum que a sobrecarga seja tratada como um problema feminino ou que afeta principalmente mães que trabalham, e, somente em alguns casos, os pais ou as pessoas responsáveis por cuidar de parentes idosos.Essa visão reforça a percepção de que as mães são menos comprometidas e menos competentes, enquanto os pais são trabalhadores dedicados, em parte porque a carga de trabalho dos homens em casa tende a ser menor e, portanto, eles estariam disponíveis fora do horário de trabalho.

Fato é que a sobrecarga afeta homens e mulheres em todas as idades e estágios da vida. Na Tomo, por exemplo, trabalhadores mais jovens, solteiros e indivíduos com pouca ou nenhuma responsabilidade familiar também se sentiam exaustos.

Por considerar a sobrecarga como um desequilíbrio entre família e trabalho, para solucioná-lo, especialistas e gestores recorrem a arranjos de trabalho flexível, como horário alternativo ou trabalho remoto – geralmente como uma solução pontual. Na prática, mesmo nas empresas que oferecem opções de trabalho flexível, os profissionais que poderiam trabalhar em horários e locais alternativos têm acesso limitado a isso, simplesmente porque se reportam a gestores que valorizam a presença física. Além disso, os que conseguem aprovação de seus gestores correm o risco do estigma da flexibilidade.

Os profissionais que buscam flexibilidade costumam ser vistos como menos comprometidos e não merecedores de promoções. Um estudo feito por renomados consultores em gestão constatou que um terço dos homens que trabalhavam menos horas do que seus colegas sem recorrer oficialmente à política de flexibilidade tiveram avaliações de desempenho “significativamente melhores” do que aqueles que formalizaram a opção pelo trabalho flexível.

Adicionalmente, os acordos de trabalho flexível permitem mudar o período ou local de trabalho, mas muitas vezes não modificam a expectativa de que os funcionários trabalhem, atendam telefonemas, respondam a e-mails ou embarquem em um avião sempre que necessário. Ou seja, as políticas de flexibilidade não abordam o problema do excesso de trabalho em si ou da expectativa de disponibilidade permanente – e podem até contribuir para a sobrecarga.

Redesenho de agenda dupla

Como as empresas podem lidar com a sobrecarga e suas consequências, evitando que a flexibilidade seja percebida como descomprometimento? Com base em nossa pesquisa, identificamos três aspectos principais:

– Permitir que os funcionários tenham controle sobre suas agendas e sobre quando, onde e como realizam seu trabalho reduz o estresse, melhora o bem-estar e os torna mais engajados e comprometidos.

– Fazer com que os gestores demonstrem interesse e preocupação com a vida pessoal e com o desenvolvimento profissional de seus colaboradores melhora a motivação e o desempenho dos profissionais.

– Informar com clareza objetivos, prioridades e metas de desempenho desfaz a percepção de que as pessoas são avaliadas pela quantidade de horas que trabalham ou ficam à vista do gestor ou pela rapidez com que respondem a telefonemas e mensagens, e não por sua contribuição para os negócios.

O modelo de redesenho de trabalho “Agenda dupla Star” foi desenvolvido para tratar desses três aspectos. A agenda dupla refere-se a trabalhar de modo eficaz, sustentável e saudável, levando em conta as prioridades pessoais e familiares dos colaboradores e garantindo seu bem-estar. O redesenho do trabalho é a construção de um “novo normal”, reconsiderando e redefinindo o que é esperado e o que é entregue pelos funcionários. Em contraste com as políticas flexíveis, nas quais o status quo não é questionado, as iniciativas de redesenho de trabalho envolvem uma equipe ou um departamento inteiro e dispõem do tempo, do espaço e do apoio necessários para mudar coletivamente a forma como o trabalho é realizado.

O Star faz as mudanças de baixo para cima. Elas são concebidas e implementadas pelos colaboradores por meio de um treinamento estruturado: ao longo de várias sessões, as unidades de trabalho identificam práticas e processos que aumentem o controle das pessoas sobre seu próprio tempo e ajudem a reduzir as tarefas de “baixo valor”. Enquanto isso, os gestores são instruídos a demonstrar seu interesse e dar suporte tanto à vida pessoal quanto ao desempenho dos funcionários. Na Tomo, as sessões totalizaram oito horas e foram realizadas durante três meses, para que os grupos pudessem pôr em prática as novas ideias entre as sessões. Para os gestores, foram duas sessões em um total de quatro horas. Por meio de um aplicativo, eles foram estimulados a interagir de forma mais explícita para demostrar apoio e solidariedade e a desenvolver novos hábitos como parte fundamental do seu papel.

No processo de redesenho, as equipes determinam como horários mais flexíveis e o trabalho remoto – como regra, não como medida pontual – podem ser adequados para as diferentes funções. Algumas equipes das unidades Star escolheram um ou dois dias por semana para trabalhar juntas no escritório e definiram em conjunto quais decisões ou reuniões funcionavam melhor presencialmente.

As unidades Star da Tomo também decidiram como se comunicar e coordenar as tarefas com menos reuniões, para que se concentrassem por mais tempo no trabalho. Outras equipes substituíram as reuniões rotineiras de status de trabalho por um painel de monitoramento ou diminuíram a duração das reuniões, ao definir a pauta antecipadamente e envolver somente as pessoas diretamente relacionadas. Algumas criaram protocolos para assunto urgentes, a fim de que seus membros pudessem se desconectar de e-mails e mensagens durante o dia.

Muitos colaboradores do grupo Star começaram a trabalhar em casa com mais frequência e mudaram seu horário para acomodar melhor suas necessidades pessoais. Mas, acima de tudo, mudaram a percepção sobre quem legitimamente decide quando, onde e como o trabalho deve ser realizado. Também passaram a se preocupar menos com a quantidade de horas de trabalho e com a rapidez para responder a ligações e e-mails.

O Star não foi mais uma nova política aprovada pelos executivos e implementada entre os subordinados. Ele deu aos gestores e colaboradores a oportunidade de redesenhar suas práticas diárias de trabalho, incluindo as necessidades pessoais, as novas tecnologias e as tarefas demandadas.

Resultados para a empresa e para os funcionários

Quando recorreram a nós, os líderes da Tomo estavam preocupados com o esgotamento dos colaboradores que queriam sair da empresa. Os executivos de TI e de RH reconheciam a sobrecarga resultante de sucessivas reduções de pessoal, da necessidade de coordenar o trabalho com colegas em outros países e de manter sistemas de tecnologia funcionando permanentemente. Eles esperavam que o redesenho diminuísse o cansaço, aumentasse a satisfação e ajudasse a empresa a reter funcionários. Como se vê, o Star atendeu às expectativas.Os resultados foram avaliados de dois modos:

– Os dados da experiência de campo possibilitaram comparar os resultados das equipes que participaram do Star com os do grupo de controle. Com as entrevistas e os dados etnográficos, foi possível checar como o redesenho do trabalho foi vivenciado e também as percepções sobre as mudanças e como as equipes descobriram o que funcionaria em situações específicas, além de registrar histórias e reflexões.

– Foi feito um follow-up após um ano, no qual os colaboradores e gestores das equipes Star relataram níveis significativamente mais baixos de esgotamento e estresse e mais satisfação com o trabalho do que o grupo de controle.

Essas melhorias foram muito significativas entre os funcionários sem função de supervisão. “Estou sempre ocupado, mas não me sinto sobrecarregado. Meu estresse diminui 100% com o Star”, afirmou um designer e desenvolvedor de software de 50 anos, que sofrera um infarto um ano antes do início do redesenho.

Curiosamente, a valorização do apoio dos gestores foi significativamente maior entre os pais do grupo Star, sugerindo que o redesenho teve efeitos também para os homens cujo envolvimento com as demandas familiares era mínimo ou inexistente.Nossas entrevistas pós-Star revelaram que as pessoas estavam se cuidando melhor, praticando mais exercícios, dormindo um pouco mais nos dias de home office e encontrando tempo para interagir com vizinhos e amigos. A rotatividade nas equipes do Star teve redução de 40% em três anos pós-redesenho.

Não temos dúvida: o redesenho do trabalho de agenda dupla atrairá cada vez mais empresas, à medida que gestores e funcionários reconhecerem o custo gerado pelo excesso de trabalho.

Pequeno guia para combater excessos

Mesmo que não possuam o apoio da alta liderança, cada gestor pode incentivar novas formas de trabalho em sua equipe e desafiar o status quo da sobrecarga das seguintes maneiras:

Concentre-se menos em quando, onde e como o trabalho é feito e mais em resultados. Não celebre longas jornadas nem as trate como sinal de comprometimento. Reconheça que gerenciar é fazer o trabalho, não monitorar quem está ou não no escritório ou valorizar quem responde imediatamente a e-mails e mensagens.

Reconheça e apoie a vida das pessoas fora do trabalho. Demonstre interesse pelo que os funcionários fazem na vida pessoal. Certifique-se de que os que são pais ou responsáveis por familiares se sintam apoiados e que os demais também se percebam ouvidos e respeitados.

Identifique o trabalho de baixo valor e o reduza. Reuniões sem agenda, tarefas duplicadas e relatórios redundantes ou desnecessários desperdiçam tempo e desviam a atenção do que realmente precisa ser feito.

Deixe claro o que é esperado de cada funcionário. Defina as metas clara e conjuntamente, sem encará-las apenas como um formulário de avaliação a ser preenchido. Incentive os funcionários a questionar tarefas que não sejam importantes para os seus objetivos prioritários.

Incentive os funcionários a compartilhar quando estiverem sobrecarregados. Peça que o avisem quando não for possível concluir algo no horário normal, e que sinalizem quando as expectativas não forem realistas. Nem sempre é possível contratar recursos adicionais ou adiar prazos, mas o gestor pode ajudar a priorizar tarefas ou buscar ajuda.

Permita que os funcionários decidam quando e onde trabalham. Crie uma cultura de equipe incorporando a flexibilidade e depois tome as medidas para fazê-la funcionar.

Reconheça que as pessoas precisam de concentração (geralmente offline) para trabalhar de maneira eficaz. Apoie os funcionários que desejam se desconectar por algumas horas para trabalhar em tarefas específicas.

Altere suas próprias rotinas de trabalho para se adequar a compromissos pessoais, familiares ou de saúde. Faça isso publicamente e sem culpa, dando o exemplo, sendo um modelo de como trabalhar de maneiras mais sustentáveis.

Erin L. Kelly e Phyllis Moen
Erin L. Kelly é professora do grupo de estudos sobre organizações e trabalho da MIT Sloan School of Management. Phyllis Moen é professora titular de sociologia da University of Minnesota. As duas são autoras do livro How Good Jobs Went Bad and What We Can Do About It, no qual este artigo é baseado.

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