Onde a segurança psicológica prevalece, as circunstâncias tendem a ser mais propícias para a diversidade de pensamentos, aprendizagem contínua e inovação.
Quanto mais vulnerável e mais incertezas tiver, maiores são as minhas chances de me conectar com as pessoas, com novas oportunidades e com a possibilidade de inovar. Esse conjunto de elementos me fortalece, dia após dia, para liderar a transformação digital e avançar a passos largos neste novo contexto, em que fica cada vez mais evidente que saber elaborar as perguntas certas vale mais do que oferecer todas as respostas e no qual me dou conta de aumentar a rede de conexões é fundamental para que as respostas sejam construídas não mais de forma solitária, mas coletivamente.
Até pouco tempo, o poder estava no conhecimento individual. Quanto mais alguém sabia, mais crescia na escala hierárquica das organizações. Agora, é preciso ter capacidade de articular, ler o ambiente e de construir de forma colaborativa algo totalmente novo.
É libertador poder dizer que não sei algo e conectar-me com indivíduos que também estão fazendo esse movimento — por vezes, pessoas mais jovens, de startups, com mentalidades diferentes. Quando falamos da importância da diversidade nas organizações, pela lente da inovação, ela vai muito além de respeitar as diferenças de gênero, raça ou orientação sexual. O foco está em respeitar as diferentes formas de pensar.
A minha geração — represento a X — não foi preparada para demonstrar fragilidade. É normal termos insegurança e medo de não sermos aceitos. Muitas vezes, o ambiente pode enxergar essa vulnerabilidade como uma fraqueza, por isso se fala tanto em segurança psicológica. Já as gerações seguintes não temem em se expor como são e, em geral, arriscam mais.
O papel das lideranças para impulsionar a nova economia
Uma pesquisa realizada pela Amcham Brasil e Humanizadas em 2023 revelou que engajar e motivar as equipes em tempos de incerteza e mudanças são o principal papel das lideranças para impulsionar a nova economia, na opinião de 53% dos respondentes. Também foram destaques no ranking de atribuições dos líderes os papéis de agente de mudança em busca de inovações contínuas (49%) e o de antecipador de tendências por meio de visão ampla e estratégica (48%). A pesquisa contou com 763 respondentes, entre os quais 56% eram fundadores, diretores ou C-level de organizações brasileiras
Aproximadamente 80% das competências que precisei desenvolver de uns tempos para cá, aprendi durante essa trajetória de reconhecimento da minha vulnerabilidade. Não sabia como liderar — ou mesmo lidar — com uma transformação que sabia ser necessária.
Trocar certezas por vulnerabilidade fez aflorar ainda mais a minha curiosidade e o meu instinto questionador para descobrir e entender o que seria a transformação digital, experimentar o novo e acreditar em resultados diferentes, mesmo sem nenhuma certeza.
Fez eu me libertar dos meus medos de atender às expectativas dos outros e da necessidade de dar respostas imediatas. Atiçou-me a realizar mais perguntas quando normalmente eu silenciaria.
> Ser vulnerável é voltar a ser aprendiz, não querer ter todas as certezas e compartilhar as dúvidas.
Me impulsionou também a aprender a melhor lidar com as diferenças e com a diversidade na forma de pensar e agir. Libertou-me de reuniões cansativas de acompanhamento com as minhas equipes. Em contrapartida, passei a usar essas oportunidades como forma de empoderá-las e desafiá-las a fazerem um movimento similar. Para nos tornarmos, juntos, melhores líderes.
Eu acredito que potencializamos os nossos resultados quando abandonamos as certezas e nos tornamos mais abertos para tentar, errar, corrigir, tentar novamente e gerar novos aprendizados com a experimentação. Uma tática que adotei de forma recorrente nos últimos anos foi a de conectar as organizações onde atuo com soluções de startups. Isso acelerou o aprendizado das mesmas em métodos ágeis, facilitou conexões com soluções pensadas a partir de novas perspectivas e, principalmente, recolocou o nosso cliente no centro de tudo.
Precisamos ter a coragem de admitir que não somos os donos da razão, principalmente quando ocupamos posições mais altas na pirâmide hierárquica das organizações. O medo do erro e da altura da queda ainda nos assombra como líderes e inibe ações de maior ousadia e risco.
Aprendi que a minha vulnerabilidade acaba me aproximando das equipes, principalmente nestes momentos de transformação, onde a única certeza está na incerteza. Quando a equipe percebe que o próprio líder não tem medo de falar das suas fraquezas, dos seus erros, a mensagem implícita é a de que eles estão autorizados a fazer o mesmo.
Essa mudança de comportamento não é automática, exige um processo educativo da nossa parte. Eu saio de uma condição em que tinha que saber tudo, ser uma espécie de super-herói, e passo a manifestar a minha vulnerabilidade, ou pedir desculpas por uma falha. Até mesmo o ‘pedir desculpas’ não fazia parte do vocabulário do mundo organizacional.
O psicanalista e consultor em liderança, Manfred Kets de Vries, diz que todo líder, que está preocupado em fazer a sua jornada de transformação, deveria poder contar com dois ou três “bobos sábios”. Segundo a lenda, eles eram as únicas pessoas na corte que tinham a coragem de dizer as verdades para o rei, mesmo assim, possuíam uma estratégia sobre a melhor forma de falar. Numa analogia, os reis somos nós, no pedestal da nossa vaidade e do nosso ego, que nos consideramos melhores por ocupar uma alta posição na hierarquia organizacional e escutarmos apenas o que nos convém.
Neste processo de transição, cercar-se dessas pessoas torna-se essencial. Ao contrário dos bajuladores, elas têm boa capacidade de leitura do ambiente, o que contribui para apontar eventuais “pisadas de bola” e dizer o que muitas vezes é doloroso ouvir.
Nas organizações onde atuo, minha rede de “bobos sábios” é formada por um grupo reduzido de pessoas com as quais travei uma relação de confiança e que passaram por um processo de desenvolvimento para se sentir seguras para o exercício da sinceridade. Com elas também, estabeleci um canal direto de comunicação, o que me ajuda a identificar mais rapidamente onde posso agir ou mudar comportamentos para ampliar minhas conexões com os times.
A jornada em direção a uma liderança mais autêntica e humana, apoiada pelos insights dos “bobos sábios”, revela-se não somente como um caminho para a superação de desafios, mas como uma estratégia essencial para construir relações mais profundas, resilientes e produtivas nas organizações.
Ao reconhecer e compartilhar nossas incertezas e falhas, não só nos libertamos do peso da perfeição, como também incentivamos nossas equipes a fazerem o mesmo. Onde a segurança psicológica prevalece, as circunstâncias tendem a ser mais propícias para que todos avancem juntos na construção de um futuro coletivo mais inclusivo, inovador e sustentável.
Dessa forma, em um mundo em constante transformação, abraçar a vulnerabilidade emerge como uma potente ferramenta de liderança, propiciando um ambiente onde a aprendizagem contínua, a inovação e a diversidade de pensamentos são não apenas valorizados, mas fundamentais para o crescimento organizacional e pessoal.