Esforços do setor público e privado são essenciais para que inovações tecnológicas sejam aplicadas de forma consciente em busca de um futuro sustentável
Há uma razão pela qual uma das mais disseminadas publicações atuais com tema ambiental, o livro de Bill Gates Como Evitar um Desastre Climático, tem como subtítulo As soluções que temos e as inovações necessárias. Em sua introdução, Gates destaca que “já dispomos de parte das ferramentas necessárias, e, quanto às que ainda não temos, tudo o que aprendi sobre clima e tecnologia me deixa otimista de que seremos capazes de inventá-las, empregá-las e, se agirmos rápido o bastante, evitar uma catástrofe climática”.
De fato, não se pode questionar o papel fundamental que a inovação tecnológica desempenha no enfrentamento de desafios ambientais de nossa era. Ela pode operar na efetiva prevenção, evitando-se a geração de impactos e danos ambientais pelo uso de tecnologias que não mais dependem de insumos com alta pegada ecológica ou que não gerem subprodutos de significativo impacto ambiental, bem como no enfrentamento dos danos e impactos já verificados por meio de mitigação e adaptação.
Assim, muitas são as expectativas de que a tecnologia seja, se não o principal, um dos principais fatores viabilizadores das mudanças necessárias a uma recuperação econômica verde pós-pandemia.
Como exemplo, podemos citar a geração de energias eólica e solar, que a cada ano representam um percentual maior da matriz energética nacional ou internacional. Há atualmente 19 projetos sob análise do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para implantação e operação de eólicas offshore nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul brasileiras.
Seu desenvolvimento em ainda maior escala, seja no Brasil ou no mundo, é vista como questão primordialmente tecnológica: como gerar mais energia com menor uso de terra e como armazenar e distribuir essa energia de forma eficiente, em especial quando comparado às fontes tradicionais.
Outras tecnologias de geração de energia limpa ainda se encontram em estágio inicial, como o caso da pioneira usina de ondas do mar, localizada no Porto do Pecém, em São Gonçalo do Amarante (CE), a 60 km da capital Fortaleza. A geração de energia limpa é tida como principal forma de redução das emissões de gases de efeito estufa.
Segundo estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ), o País possui potencial estimado de produção de 91,8 GW por meio da energia das ondas. A conversão de um quinto desse total, ainda de acordo com os pesquisadores, seria suficiente para atender a 35% da demanda de eletricidade do Brasil.
A importação da tecnologia blockchain, utilizada na disseminação de criptomoedas, para o controle e rastreabilidade dos resíduos, é outra importante medida para concretização da economia circular. O blockchain consiste em uma base de dados alimentada por diversos computadores para registrar múltiplas transações.
A inovação utilizada por plataformas permite a existência de uma cadeia única de dados entre fornecedores, transportadores e receptores dos resíduos com o objetivo único de trazer maior transparência e agilidade, atuando na prevenção à destinação inadequada desses resíduos e na fiscalização das ineficiências dos sistemas.
De olho nessas tendências que propulsionam a agenda ambiental, geram emprego e ajudam as empresas e governos no cumprimento da legislação e metas de redução de carbono, os governos começam a incentivar programas de tecnologia. Em abril de 2020, a Prefeitura de São Paulo iniciou o processo de seleção de startups para a aceleração do Green Sampa, programa de apoio a projetos que promovam soluções na temática ambiental por meio da qualificação desses profissionais.
Em similar espírito, mas em maior escala, Andrew Cuomo, governador de Nova York, anunciou, em junho de 2021, programa de 10 milhões de dólares para o Carbontech Development Initiative (Iniciativa de Desenvolvimento de Tecnologia de Carbono, em português). Seu objetivo é impulsionar a inovação em projetos de captura de resíduos e carbono atmosférico e sua transformação em produtos valiosos, além de facilitar a profunda descarbonização em toda a economia. Significa dizer que não apenas o mercado privado está de olho na inovação verde, mas há apoio governamental, ainda que em estágio incipiente, para o desenvolvimento de tecnologias verdes.
E não poderia ser diferente diante dos benefícios econômicos, ambientais e coletivos gerados:
– O incentivo a tecnologias verdes tende a gerar empregos diante da necessária mão de obra qualificada para impulsionar o projeto;
– A geração de conhecimento e a possibilidade de criação de soluções de larga escala;
– O impacto positivo não apenas à economia, mas à coletividade e ao meio ambiente, seja quanto ao cumprimento de metas de redução de carbono, cumprimento de legislação ambiental ou mesmo a descarbonização de algum setor.
Por outro lado há outra questão em jogo. A transição para uma economia verde a partir do desenvolvimento e uso de tecnologias de ponta envolve custos consideráveis, muitas vezes não compatíveis com outros necessários Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis, estabelecidos no âmbito das Nações Unidas (ONU), como a redução das desigualdades e a erradicação da pobreza.
Estimativas recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que cerca de US$ 6,3 trilhões de investimentos apenas em infraestrutura são necessários a cada ano até 2030 para cumprir as metas de desenvolvimento sustentável. Essa soma aumenta para US$ 6,9 trilhões por ano se considerarmos tornar esse investimento compatível com as metas do Acordo de Paris.
Esses números, longe de só demonstrar a magnitude do desafio, denotam também o cenário de oportunidades que a atuação empresarial e o financiamento sustentável apresentam em curto e médio prazo. A relevância de parâmetros efetivos de taxonomia, gestão, estratégia, métricas e transparência, provendo o mercado com segurança quanto à caracterização e impactos das empresas e atividades financiadas, é preocupação paralela, cuja regulamentação em qualquer âmbito deve ser capaz de acompanhar o ritmo dinâmico demandado pelo mercado.
Como Bill Gates, não é fantasioso defender a possibilidade de se evitar uma catástrofe climática. Há, no entanto, muito a ser feito para que as tecnologias verdes se propaguem e ganhem escala, ultrapassando-se os desafios inerentes ao tema. Diante do cenário internacional em construção, é esperada, a curto e médio prazo, uma intensificação no desenvolvimento dessas iniciativas em diversos setores, progressivamente ganhando mercado.
Os marcos regulatórios, por sua vez, precisam acompanhar esses movimentos, para que soluções tecnológicas não sejam inviabilizadas. Esse olhar para o desenvolvimento na área tecnológica é oportunidade de negócios essencial ao planejamento futuro dos entes privados, assim como é contribuição necessária para a recuperação verde da economia.”