PILOTO AUTOMÁTICO 18 min de leitura

Saia do automático e faça advocacy por políticas climáticas

Em vez de insistir nas mesmas ações de sustentabilidade, organizações podem (e devem) ativar essa ferramenta poderosa para ter vantagem competitiva e mitigar riscos. Um exemplo brasileiro é inspirador: a Moratória da Soja

Richard Roberts
Richard Roberts
Saia do automático e faça advocacy por políticas climáticas
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Diante do desafio urgente de combater as mudanças climáticas, muitas organizações se mexeram para ser “carbono neutro”. Para isso, inovaram em produtos, em modelos de negócio e criaram programas que engajam fornecedores na redução das emissões de gases poluentes. Hoje, o que vemos é que essa mobilização toda também entrou no modo automático. Ano a ano, as empresas repetem essas ações, porém ignoram uma das ferramentas mais poderosas que têm à sua disposição: a advocacy.

Os enormes desafios sociais e ambientais que enfrentamos não serão resolvidos sem políticas públicas eficazes, e as organizações são agentes relevantes para que isso aconteça. Então o desalinhamento entre o que as empresas dizem e as causas pelas quais advogam acaba contribuindo para a falta de avanço nas questões socioambientais. (Como escreveu o italiano Alberto Alemanno, professor de direito da HEC Paris e fundador da organização The Good Lobby, ou o “lobby do bem”.)

A PERGUNTA É:
Como as empresas podem deixar de fazer “mais do mesmo” no campo da sustentabilidade e se engajar no esforço a favor de políticas climáticas mais efetivas?

Mas podemos olhar essa questão sob outro prisma. Aproveitar o poder político das milhares de organizações que se comprometeram a reduzir suas próprias emissões de gases causadores do efeito estufa para fazer lobby por políticas climáticas mais robustas tem um grande potencial transformador.

Os CEOs e os CFOs podem até concordar, em princípio, que sua companhia faça lobby pela ação climática. Mas efetivamente alocar recursos relevantes para esse esforço é seu calcanhar de Aquiles. Somente em 2022, a indústria de petróleo e gás gastou cerca de US$ 124 milhões em lobby junto ao governo federal dos Estados Unidos, que por sua vez fez concessões ao setor na Lei de Redução da Inflação de 2022, criada para controlar as pressões inflacionárias e que também prevê investimento em tecnologias de baixo carbono.

Embora os números exatos não estejam disponíveis, sabemos que organizações de outros setores que têm muito a ganhar com uma transição bem-sucedida para o carbono zero não estão investindo nem perto desse volume de dinheiro em lobby por melhores políticas climáticas.

Para a maioria das empresas, a mudança climática não é prioridade, e muitas acham que política é algo fora de sua alçada

Por que não? O World Resources Institute (WRI) identificou sete barreiras para a liderança empresarial em política climática. Algumas são internas, relacionadas com estrutura organizacional ou capacidade técnica, por exemplo. Outras são externas, como o papel das associações comerciais ou a ameaça de uma reação política.

Durante um workshop recente do Volans – think tank onde trabalho – com líderes de empresas que já defendem a causa da sustentabilidade, pedimos aos participantes para classificar essas barreiras com base em suas experiências. O que a maioria dos executivos colocou em primeiro lugar nessa lista foi “prioridades concorrentes”.

A explicação do WRI para esse problema é que, para a maioria das empresas, a mudança climática não é uma prioridade a ser defendida. Muitas veem a política climática como algo que está fora de sua alçada, especialmente se não forem grandes emissoras de poluentes ou consumidoras intensivas de energia, segundo o WRI. Por isso concentram seus esforços em outras áreas, como a política tributária ou comercial. A sensação de ter capital político limitado exacerba essa dinâmica.

PASSO 1: ESTUDO DE VIABILIDADE DA CAUSA CLIMÁTICA

Para sair desse marasmo, é preciso construir um estudo de viabilidade mais forte, que defenda a causa climática e invista em lobby, mas se concentrando no valor e no risco, não apenas na virtude do tema. Ele varia para cada empresa, mas o time do Volans identificou três principais propostas de valor em conversas com organizações que estão na vanguarda desse campo emergente.

Essas propostas de valor se repetem em diferentes organizações, de diversos setores: expandir o mercado para seus produtos e serviços; converter o desempenho de sustentabilidade em uma fonte mais robusta de vantagem competitiva; e mitigar riscos sistêmicos. Qual delas é mais aplicável em qualquer empresa depende da natureza de seus produtos e serviços, de seu desempenho socioambiental em relação à concorrência e seu nível de exposição a riscos. As que já começaram a investir na defesa da causa da sustentabilidade devem se encaixar em pelo menos (mas não só) uma das três categorias a seguir:

Provedora de soluções

São as organizações que têm interesse material direto em acelerar a transição para uma economia sustentável, como as cleantechs e as desenvolvedoras de energia renovável. Por isso, as provedoras de soluções podem usar a defesa da ação climática a seu favor, para aumentar o mercado para seus produtos e serviços.

A Vestas (maior fabricante mundial de turbinas eólicas) e a Ørsted (maior desenvolvedora de parques eólicos offshore), por exemplo, fazem lobby por políticas que acelerem a transição energética nos principais mercados. Além disso, as duas empresas têm apoiado a agenda Fit for 55, focada em reduzir em 55% as emissões de gases poluentes na União Europeia.

Organizações que são líderes em seu setor reconhecem que as regras para nivelar o campo de jogo serão benéficas para elas e para o planeta

E estão empenhadas em acertar os detalhes das principais políticas europeias, como a Diretiva de Energias Renováveis. Elas também pressionam os governos para acelerar o processo de aprovação de novos parques eólicos, um excelente exemplo de provedores de soluções que apoiam reformas que atendem tanto ao seu próprio interesse como ao interesse público.

Líder do setor

Essas empresas se adiantam às exigências regulatórias e à maioria dos concorrentes na redução de seus impactos negativos ou no aumento do impacto positivo no meio ambiente. Podem, portanto, defender a causa para tornar seu desempenho de sustentabilidade uma fonte mais forte de vantagem competitiva.

Companhias como Unilever, Nestlé e Ferrero, que há muitos anos investem na redução da exposição a produtos ligados ao desmatamento, apoiaram a regulamentação da União Europeia sobre cadeias de suprimentos livres de desmatamento, que entrou em vigor em junho de 2023.

Essas organizações reconhecem que as regras para nivelar o campo de jogo serão benéficas para elas e para o planeta. Afinal, terão custos de conformidade menores do que os concorrentes que não agirem para combater o desmatamento e melhorar a rastreabilidade da cadeia de fornecimento.

Dinâmicas semelhantes estão em jogo na indústria automotiva. A Volvo Cars, por exemplo, pivotou mais cedo – e de forma mais agressiva – para a produção de veículos elétricos em relação a outras montadoras. A empresa sustentou essa decisão estratégica defendendo o prazo limite imposto pelo governo para a venda de novos veículos com motor de combustão interna e se posicionando contra isenções para esse tipo de veículo quando se pudesse adotar combustíveis limpos, sem derivados de petróleo. Quanto mais bem-sucedida a Volvo for na atuação política sobre esses temas, maior será o retorno de sua aposta em se tornar líder na produção de veículos elétricos.

Detentora de risco residual

Por fim, existem as empresas ou instituições financeiras que estão altamente expostas aos custos gerados pela degradação de sistemas sociais e ambientais. Elas podem defender a causa para mitigar riscos sistêmicos que não podem ser adequadamente gerenciados com diversificação ou desinvestimento, como as ameaças climáticas ao fornecimento global de alimentos e a crescente vulnerabilidade das cidades costeiras em todo o mundo.

Vamos examinar o caso da Aviva Investors, empresa de gestão de investimentos do Reino Unido, que administra mais de US$ 250 bilhões em ativos. Ela foi pioneira no conceito de macroadministração, que prega o envolvimento com reguladores, governos e outras entidades para mudar as regras do jogo em favor dos negócios e oferecer soluções para problemas de sustentabilidade.

A Aviva Investors reconhece que o impacto provável de mudanças climáticas descontroladas sobre seus portfólios de investimentos não pode ser eliminado pela diversificação, portanto assume que tem o dever de mitigar o risco sistêmico para seus ativos por outros meios.

Empresas globais de alimentos e bebidas, como Nestlé e Danone, também são portadoras de riscos residuais, pois suas cadeias de fornecimento estão altamente expostas a riscos climáticos. A diversificação de fornecedores pode mitigar esse risco só até certo ponto. É por isso que essas empresas defendem políticas que apoiem a transição para práticas agrícolas mais sustentáveis e resilientes.

PASSO 2: TRAÇANDO UMA ESTRATÉGIA VENCEDORA

Apesar desses exemplos, as organizações que investem na causa política da sustentabilidade são a exceção, não a norma. Nem mesmo as líderes nesse campo desenvolveram maneiras sofisticadas de avaliar o retorno sobre seus investimentos em advocacy. Para que intensifiquem seus esforços, é vital desenvolver um sólido estudo de viabilidade. O framework Responsible Policy Engagement, da We Mean Business Coalition, pode ser um ponto de partida útil.

Ter uma justificativa de negócio clara para advogar pela sustentabilidade é apenas o primeiro passo para desenvolver uma estratégia bem-sucedida de advocacy. Quando a lógica for clara, as organizações poderão definir objetivos concretos e prazos, que por sua vez orientarão a seleção de questões, táticas e parceiros – bem como a forma de mensuração e avaliação do sucesso.

Uma estrutura que pode ser útil nesse processo é o funil de políticas públicas, originalmente desenvolvido pelo think tank de política climática E3G e depois adotado por uma série de empresas e organizações não-governamentais – e que segue estes passos:

  • As pessoas começam a se conscientizar sobre a existência de um problema.
  • Vem o debate público sobre o que deve ser feito.
  • Surgem propostas políticas concretas.
  • Um texto específico é negociado, e chega-se a um acordo.

Se um problema está próximo do início do funil, a estratégia mais relevante é o envolvimento com um público por meio da mídia e das redes sociais e o patrocínio de pesquisas e de campanhas publicitárias.

Nas fases do processo de formulação e das decisões políticas, outras intervenções são importantes, como o envolvimento direto com agentes decisores políticos, ativando as principais associações comerciais, com mensagens alinhadas, além da participação em consultas públicas e comitês consultivos de políticas públicas.

O funil de políticas públicas: como atua a área de relações institucionais das empresas atuam

Nos início desse funil, defensores de uma causa educam o público por meio da mídia e de campanhas. À medida que a questão avança no funil, mais agentes são envolvidos, como formuladores de políticas públicas, associações comerciais e comitês consultivos. São eles que vão moldar e aprovar políticas públicas. As organizações que levam a sério a sustentabilidade podem contar com este manual para avançar em suas metas ambientais.

PASSO 3: É HORA DA EXECUÇÃO

Para implementar uma estratégia vencedora na defesa de uma causa, as organizações precisam construir as melhores capacidades internas e cultivar relacionamentos com os parceiros externos certos.
Internamente, é raro que o advocacy em sustentabilidade fique a cargo de um só departamento, pois requer estreita colaboração entre as equipes de sustentabilidade, assuntos governamentais, relações públicas, estratégia e finanças. Embora a responsabilidade pela definição da estratégia deva ser de um grupo relativamente coeso, as organizações podem criar condições para que funcionários de todos os níveis se envolvam na amplificação das mensagens da causa.

No Brasil, a Natura educa seus colaboradores sobre a importância de proteger a Amazônia e orienta sobre como discutir o tema com amigos e colegas, além de sugerir oportunidades para fazer suas vozes serem ouvidas (como assinar petições e participar de movimentos sociais). Para as multinacionais, é essencial ter participantes ativos em diferentes regiões, pois eles traduzem suas metas globais de defesa ambiental em campanhas e engajamento locais.

É importante formar parcerias com agentes improváveis – como fizeram o McDonald’s e o Greenpeace na Amazônia

Quanto à dimensão externa, vitórias quase nunca são resultado de uma ação solitária. É preciso fazer uma coalizão – em geral com empresas e a sociedade civil – para alcançar uma mudança política real. Um exemplo arquetípico é o da We Mean Business Coalition, que teve um papel fundamental para colocar em pé o Acordo de Paris em 2015. A The Business Coalition for a Global Plastics Treaty, que reúne ONGs e empresas de toda a cadeia de valor do plástico, busca um impacto semelhante nas negociações de um tratado da Organização das Nações Unidas para acabar com a poluição plástica.

Pessoas responsáveis pela defesa da causa ambiental em grandes organizações frisam a importância de formar parcerias com agentes improváveis. Se o público acha que uma coalizão representa um espectro muito estreito de interesses (um grupo dos “suspeitos de sempre”), é mais provável que a mensagem seja ignorada. Colaborações desconfortáveis costumam ser as mais eficazes. São os relacionamentos que exigem trabalho para construir confiança – e acabam sendo os mais frutíferos em uma campanha ativista coletiva.

A “Moratória da Soja” na Amazônia brasileira é um exemplo disso. Em 2006, ativistas do Greenpeace atacaram o McDonald’s para aumentar a conscientização sobre como a produção de soja estava impulsionando o desmatamento da floresta amazônica. Em vez de ficar na defensiva, a empresa concordou em colaborar com o Greenpeace para fazer pressão por uma solução em todo o setor, trabalhando em conjunto com o governo brasileiro. A moratória resultante foi acordada em quatro meses e permanece em vigor.

EM RESUMO, A ADVOCACY POR POLÍTICAS CLIMÁTICAS ajuda a estabelecer um ciclo virtuoso para empresas que levam a sério ter um impacto positivo no meio ambiente. Quando a ambição e a eficácia das políticas climáticas governamentais crescem, pode aumentar o valor dos investimentos existentes e planejados na redução de impactos negativos e na inovação para criar produtos e serviços adequados a um futuro de baixo carbono.

Quanto mais favorável for o contexto político, mais as empresas podem avançar para alcançar seus objetivos climáticos e estabelecer metas mais ambiciosas. Reforçando a visão do Fundo de Defesa Ambiental, devemos considerar a influência política como “a ferramenta mais poderosa que as empresas têm para combater as mudanças climáticas”. Não podemos nos dar ao luxo de não usá-la – nem de subestimá-la.

PRINCIPAIS TAKEAWAYS

*Desafios ambientais não serão resolvidos sem políticas públicas eficazes e, para acelerar a necessária transformação do cenário atual, cabe também às organizações tentar exercer influência positiva sobre os reguladores, por meio de suas áreas de relações institucionais (RI).

*Para estruturar o investimento na advocacia climático, é preciso fazer um estudo de viabilidade que leve em conta não a virtude dessa ação, e sim as propostas de valor e o risco envolvido.

*Uma estratégia de advocacy bem-sucedida é a que reúne as melhores condições internas de colaboração entre equipes e surpreende nas parcerias externas, como coalizões que incluem agentes improváveis. O acordo da Moratória da Soja no Brasil, assinado por players tão distintos quanto o McDonald’s e o Greenpeace em 2008, é exemplar nesse movimento de “surpreender”.

Richard Roberts
Richard Roberts
Richard Roberts é líder de investigação da Volans, think tank e empresa de consultoria focada em sustentabilidade e inovação, com sede em Londres, Inglaterra. Também trabalha como consultor estratégico e lidera o trabalho da Volans na atividade política corporativa, que se concentra em ajudar empresas sustentáveis a usar sua influência política de modo responsável e eficaz.

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