Há muito se sabe que o preconceito contra ideias de fora da organização ameaça a inovação. O que poucos entendem é que se trata de uma programação cerebral como outra qualquer; uma que nos faz autômatos. A boa nova? Nudges da economia comportamental podem desprogramar até os mais resistentes
Quando eu trabalhava como diretor-geral da subsidiária alemã da SC Johnson, multinacional americana de produtos de higiene e limpeza, testemunhei essa síndrome em ação. O caso foi que a matriz deu pouca atenção a uma inovação em um dos nossos produtos mais conhecidos: o aromatizador de ambientes Glade.
Uma subsidiária asiática lançou uma versão diferente, o Brise One Touch, aquele aromatizador que se fixa na parede e é acionado com um toque. A matriz não deu bola, aparentemente porque havia um viés que favorecia as inovações criadas nos Estados Unidos. Mas, por acaso, o produto asiático chamou a atenção da subsidiária alemã, e nós lançamos o produto após fazer pequenas adaptações. Foi um grande sucesso: alcançou a liderança no mercado local nessa categoria, com uma participação de 50%, e teve um bom desempenho em outras praças.
A síndrome do NIH pode afetar qualquer pessoa em uma organização. Até existem alguns motivos racionais para rejeitar o conhecimento externo – digamos, questões de propriedade intelectual ou de incompatibilidade técnica –, muitas vezes a recusa ocorre por um protecionismo mentalmente programados – que pode nos levar à perda de oportunidades de negócios e a menos inovações.
A síndrome do NIH pode afetar qualquer pessoa em uma organização. Até existem alguns motivos racionais para rejeitar o conhecimento externo – digamos, questões de propriedade intelectual ou de incompatibilidade técnica –, muitas vezes a recusa ocorre por um protecionismo mentalmente programados – que pode nos levar à perda de oportunidades de negócios e a menos inovações.
Aliás, uma pesquisa sobre NIH liderada por pesquisadores da RWTH Aachen University, na Alemanha, observou 565 projetos de inovação em todo o mundo e descobriu que apenas 16% deles permaneceram totalmente imunes à síndrome do NIH. Esse viés contra ideias externas teve uma correlação positiva com uma menor probabilidade de sucesso do projeto.
A síndrome do NIH pode se manifestar, de acordo com minha pesquisa, em todos os níveis de uma organização e em diferentes graus, mas ela está mais arraigada em dois tipos de pessoas, perfis que eu batizei de “céticos” e “resistentes”.
Em comum, ambos os perfis de colaboradores tendem a ser desmotivados em relação ao trabalho que fazem em geral e a ter atitudes fortemente negativas quanto ao conhecimento externo [veja o quadro a seguir]. Neste artigo, ofereço caminhos para “desprogramar” os dois tipos.
O combate a esse viés será mais eficaz se as organizações segmentarem seus colaboradores de acordo com a gravidade da síndrome do NIH e, em seguida, abordarem cada segmento com ações e ferramentas específicas [veja quadro abaixo].
A descrença dos céticos em relação ao valor do conhecimento externo é crônica. Mudar esse comportamento talvez seja uma questão de colocar a abertura a ideias externas como uma meta de desempenho. A chinesa Huawei vincula os KPIs usados para avaliar seus engenheiros aos resultados de suas colaborações em inovação aberta, e os cientistas que fazem pesquisa na americana Johnson & Johnson são avaliados com base em quão bem eles acompanham os avanços em suas áreas e identificam os trabalhos externos mais promissores. Essa abordagem baseada em desempenho pode fazer com que os céticos aprendam a ter a mente mais aberta enquanto trabalham para ganhar recompensas, como um trabalho mais interessante, uma promoção ou um aumento salarial.
Elogios, reconhecimento e incentivos também funcionam. Na SC Johnson, vi como um simples elogio pode ser eficaz. Ao exaltar os gerentes que fizeram o melhor uso da recém-criada intranet (onde ideias externas eram compartilhadas), nosso CEO impulsionou a organização a superar a síndrome do NIH.
Outras táticas são destacar os funcionários e suas histórias de inovação na comunicação interna ou dar a eles a oportunidade de apresentar seu trabalho publicamente – com uma recompensa financeira. Em última análise, as recompensas para inovações de origem externa devem ser as mesmas dadas àquelas geradas internamente, como é o caso da Johnson & Johnson e da P&G (que veremos a seguir).
A abordagem baseada em desempenho pode fazer com que os céticos aprendam a ter a mente mais aberta enquanto trabalham para ganhar recompensas
Na Bayer e na empresa química Evonik, as inovações inspiradas em ideias de fora se qualificam para os prestigiosos prêmios oferecidos por essas empresas. A equipe farmacêutica da Bayer responsável por lançar o medicamento contra o câncer larotrectinibe – originalmente descoberto pela Array BioPharma e depois codesenvolvido pela Bayer e pela Loxo Oncology – foi premiada com a Medalha Otto Bayer. A Evonik nomeou Robert Franke como senior fellow – o título de mais alto nível da organização para pesquisadores – por seu papel fundamental, ao lado de colaboradores externos do Instituto Leibniz, em um avanço decisivo no campo da hidroformilação, uma reação importante na química industrial.
Já a multinacional de bens de consumo P&G recompensa seus colaboradores pela velocidade da inovação, que em geral favorece ideias de fora. A empresa lançou o prêmio Proudly Found Elsewhere para homenagear a adoção de ideias externas, e transforma seus principais inovadores em membros da prestigiosa Vic Mills Society – entre eles Paul Sagel, inventor da tira de branqueamento dental Crest Whitestrips, que melhorou o produto em cooperação com uma empresa biofarmacêutica externa. E o Programa de Prêmios de Pesquisa da farmacêutica americana Eli Lilly apoia cientistas qualificados que pretendem fazer parceria com pesquisadores externos para avançar colaborativamente em projetos de pesquisa e publicar seus resultados em conjunto.
Insista com os resistentes
Não é possível motivar pessoas resistentes, por isso a organização precisa insistir e dar um empurrãozinho para que elas abracem ideias externas. Nesse caso, um processo de inovação que requer a consideração de ideias externas é uma ferramenta fundamental para moldar um novo comportamento. Para isso, muitas empresas instituíram um processo prioritário de três etapas – o “adotar, adaptar, criar” –, que pode ser aplicado em qualquer estágio do processo de inovação.
Na primeira etapa (“adotar”), os funcionários devem buscar apenas ideias que já existem e estão prontas para serem adotadas. Se não existirem, na segunda fase (“adaptar”) continua a busca por ideias que podem ser adaptadas. Caso essa etapa não seja bem-sucedida, prossegue-se para a terceira etapa (“criar”), quando ideias originais são desenvolvidas. A P&G descreve assim seu processo de desenvolvimento de produtos: “os funcionários de P&D devem começar verificando se trabalhos relacionados estão sendo realizados em outras partes da empresa, depois ver se uma fonte externa (…) tem uma solução. Somente se essas duas abordagens não derem em nada é que devemos considerar inventar uma solução do zero”.
Quando a Whirlpool ajustou seu processo de inovação para superar o NIH, enriqueceu cada uma de suas três principais fases do processo de inovação com perguntas e ferramentas, ambas de inovação aberta. Em seu estágio de desenvolvimento de ideias, por exemplo, os desenvolvedores são questionados: “a inovação requer uma resposta tecnológica que não temos?” e a empresa oferece prospecção de tecnologia, negociação de tecnologia ou investimento de risco como recursos de inovação aberta.
Outra forma de persuadir os resistentes é designar funcionários para equipes multifuncionais. Isso os força a exercitar novos comportamentos e se expor a ideias externas. Os novos membros da equipe começarão a abandonar seu viés de NIH à medida que aprendem, na prática, que as equipes precisam de abertura e da integração de ideias dos colegas.
Um processo de inovação que requer a consideração de ideias externas é uma ferramenta fundamental para moldar um novo comportamentoO job rotation (em que o colaborador passa por diversas funções por um tempo determinado), adotado em empresas como 3M, Abbott, BMW, Deloitte, IBM, P&G, Texas Instruments e Toyota, também se mostrou altamente eficaz na mudança de atitudes dos colaboradores. Expor uma pessoa a um novo ambiente (seja a mesma função em outra área, ou outra função, equipe ou unidade de negócios ou outro país) é uma das melhores maneiras de reduzir o viés contra ideias externas.
Essa estratégia é ainda mais eficaz em funções em que se lida continuamente com ideias externas, como em uma unidade de inovação aberta, aceleradora ou unidade de venture capital para startups. Os colaboradores enxergarão as limitações causadas pelo viés do NIH e poderão ver o valor das ideias externas em primeira mão. Isso também pode acontecer se as equipes internas de inovação trabalharem ao lado de equipes externas, como na incubadora Leaps by Bayer, da Bayer, ou no Agile Accelerator, da Eon. As equipes internas podem aprender com a abertura que as startups em geral têm em relação às ideias de outras pessoas.
A BMW também possui um programa de job rotation. Na unidade de tecnologia da empresa na Califórnia, um pequeno grupo de engenheiros trabalha em estreita colaboração com especialistas externos em hardware e software, compartilhando insights e cocriando componentes automotivos inovadores. Todos os anos, uma equipe multifuncional de dez funcionários da BMW, vinda de outras unidades, é transferida para a Califórnia, em uma missão temporária para descobrir novas ideias de inovação radical.
Como o Google e a P&G descobriram, outra maneira de abrir a mente das pessoas para ideias externas é uma troca de funcionários (a P&G expôs a equipe a novas opções de publicidade digital). Trocas de funcionários entre empresas viraram moda no Japão: depois que a Kirin Holdings e a Meiji Holdings trocaram funcionários, a Sony e a Hitachi anunciaram que fariam o mesmo, para aprender sobre a aplicação das novas tecnologias de cada uma.
Job rotation e realocações como as descritas acima são especialmente importantes para o desenvolvimento de líderes. Como escreveu o ex-CEO da P&G, A.G. Lafley: “Acredito muito que líderes de inovação são feitos, não nascem. Eles aprendem a se sentir confortáveis com a incerteza e a ter a mente mais aberta, a cocriar com os consumidores e a ser receptivos a ideias de diferentes disciplinas e setores”.
Transformar funcionários em empreendedores, dando a eles responsabilidade sobre os resultados da empresa, também pode levar os mais resistentes a se abrir. Essa abordagem segue o modelo das startups, cujas pequenas equipes enfrentam pressões intensas de mercado, concorrência e tempo. Como elas normalmente contam com poucos recursos e seu progresso é monitorado de perto pelos investidores, são forçadas a adotar boas ideias, independentemente de onde venham.A 3M começou a transformar startups internas em unidades de negócios autônomas, empreendedoras e responsáveis por lucros e perdas – e outras empresas seguiram o exemplo.
A chinesa Haier, de eletrodomésticos, levou essa abordagem ao extremo, dividindo-se em mais de 4 mil microempresas (a maioria tinha de 10 a 15 funcionários). Como a responsabilidade sobre a demonstração de resultados foi empurrada para baixo na hierarquia, os funcionários de cada unidade de negócio não tiveram como se esconder: precisaram ser empreendedores. Não poderiam mais se dar ao luxo de exibir os sintomas da síndrome do NIH.AS ORGANIZAÇÕES SÃO MAIS EFICAZES quando segmentam suas populações com base na gravidade da síndrome NIH e desenvolvem cada segmento com ações e ferramentas específicas. Os casos mais difíceis de céticos e resistentes podem ser incentivados ou pressionados a se abrir mais. Com os primeiros bons resultados, a síndrome NIH começará a ficar para trás e o novo comportamento será sustentável.