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O dilema da Petrobras ou o dilema do petróleo?

A interferência do governo na petroleira para segurar o preço de gasolina e diesel parece tornar mais distante a criação de um imposto sobre carbono – e talvez nem isso acelere a descarbonização da economia

Carlos de Mathias Martins
30 de julho de 2024
O dilema da Petrobras ou o dilema do petróleo?
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O recente imbróglio da troca de comando na Petrobras remete ao maior filme de todos os tempos, O incrível exército de Brancaleone. Não exatamente pela formação militar do recém-empossado presidente da empresa, mas pelas reviravoltas do enredo e as trapalhadas de seus personagens. Por um átimo, confesso que o sentimento de satisfação perante o infortúnio de uma petroleira dominou minha mente. Como diriam no idioma do país que tem ligado termoelétricas a carvão (a Alemanha vem substituindo as plantas de energia nuclear assim, aumentando as emissões de gases de efeito estufa), tal Schadenfreude (alegria com a desgraça alheia) esvaiu-se rapidamente. Logo racionalizei que a conta da derrocada da Petrobras acabaria sendo arcada pelo extrato mais pobre da nossa sociedade. Para mim, esse conceito de quem paga a conta é a verdadeira definição de justiça climática.

A importância da Petrobras

No feriado de Tiradentes de 2021. o valor de mercado das ações da Petrobras negociadas em bolsa perfazia aproximadamente R$ 306 bilhões. A União, por meio do Tesouro Nacional e do BNDES, detém participação aproximada de 36,75% na empresa. Ou seja, o povo brasileiro controla o equivalente a R$ 112,5 bilhões em ações da Petrobras. O orçamento do governo federal para o ano de 2021 prevê receitas de aproximadamente R$ 4,2 trilhões. A simples aritmética demonstra que a Petrobras representa menos de 3% do orçamento federal de 2021, quase margem de erro quando contabilizadas as emendas propostas pelos parlamentares do Centrão. Em resumo, a Petrobras é irrelevante enquanto ativo para a nação. Vou repetir para não ser mal interpretado – o valor da Petrobras na bolsa é irrelevante quando comparado ao orçamento da União.

É obvio que a comoção e a repercussão da interferência do governo federal na Petrobras tem relação direta com a importância da empresa na economia brasileira como um todo e não com o valor do ativo para a União. A Petrobras é quase-monopolista em um mercado que alcança 100% das atividades econômicas do país. Evidentemente a mesma relação entre os combustíveis fósseis e virtualmente todas as atividades humanas ocorre a nível global. Não obstante os compromissos de descarbonização assumidos por governos e empresas, as tradicionais petroleiras, cujo conjunto é conhecido pejorativamente como “o Big Oil”, irão continuar vendendo gasolina e óleo diesel por muito tempo. A conta é bastante simples: aproximadamente 66% do petróleo produzido no mundo é consumido pelo setor de transportes.

Embora exista alguma incerteza com relação ao número de veículos rodando na superfície terrestre, a estimativa da Oica (Organisation Internationale des Constructeurs d’Automobiles) aponta para uma frota global de aproximadamente 1,4 bilhão entre automóveis e caminhões. Em 2017, o mundo produziu aproximadamente 97 milhões de veículos, o maior volume registrado na série histórica iniciada em 1950. Novamente, a aritmética simples indica que. se todas as fábricas de veículos automotores do mundo pudessem ser imediatamente convertidas para produção de veículos elétricos, a humanidade levaria mais de uma década para substituir a frota global de veículos a combustão.

O Big Oil aceitaria um imposto de carbono

É sempre complicado tentar ponderar as responsabilidades de países, governos, empresas e cidadãos em temas tão complexos como as mudanças climáticas. De uma forma geral, o ser humano é ávido em buscar bandidos para culpar, e mocinhos para adular. O Big Oil tem bastante responsabilidade em patrocinar o time dos negacionistas do clima até meados dos anos 2000. Mas parece evidente que não existe solução simples para a descarbonização da economia global e acredito que o setor de transportes reflita esse dilema exemplarmente.

Se não, vejamos: em levantamento feito na terceira semana de abril, o preço médio da gasolina comercializada nos EUA foi de aproximadamente US$ 2,86 por galão (um galão americano são 3,7 litros). Segundo parâmetros estabelecidos pela EPA – órgão federal americano equivalente ao nosso ministério do meio ambiente – 1 galão de gasolina emite cerca de 9 quilos de dióxido de carbono.

Se, num átimo, o presidente Joe Biden – que espionou a Petrobras no passado – saísse do sarcófago e estabelecesse um imposto federal de US$ 50 por tonelada de CO2, o preço médio da gasolina no mercado americano aumentaria 16% para US$ 3,31 por galão. Como referência, em levantamento feito no mesmo período de abril, o preço médio da gasolina comercializada no estado da Califórnia foi de US$ 3,84 por galão.

Parece evidente que um imposto de carbono não impedirá que os americanos mais abastados, como os californianos, continuem queimando gasolina por um bom tempo até que automóveis elétricos estejam disponíveis em larga escala a preços acessíveis. Injustiça climática seja feita, o Big Oil aliviado aceitaria a taxação de carbono resignadamente”

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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