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O novo mundo do trabalho: re-skilling + upskilling

O aprendizado vai depender da iniciativa pessoal, mas também das empresas; três casos inovadores propõem soluções de reciclagem e requalificação que podem ser copiadas

Lynda Gratton
30 de julho de 2024
O novo mundo do trabalho: re-skilling + upskilling

Nos tempos vindouros, nós talvez não saibamos quais empregos serão destruídos e quais serão criados, mas uma coisa é certa: todo mundo, não importa a idade, em algum momento terá de se reciclar (“re-skilling”, ou aprender novas habilidades para uma nova posição) ou se requalificar (“upskilling”, ou aprender as tarefas da posição atual mais profundamente). Todo emprego concebível terá novas tecnologias sobre as quais precisaremos aprender e novas relações pessoais que exploraremos conforme os papéis se encaixem e se reencaixem na mudança constante.

Abraçar essa ideia exige uma noção real da iniciativa que tem de ser tomada pelos indivíduos. Cada um de nós precisa estar tanto motivado quanto preparado para tornar o aprendizado uma prioridade vitalícia. É um esforço.

Agora, a iniciativa pessoal, embora um bom primeiro passo, não irá além disso. O compromisso dos indivíduos em manter suas habilidades para permanecer competitivos só funcionará se as corporações intervierem para fazer com que o “re-skilling” (recicla e o upskilling permanentes sejam mesmo possíveis).

O desafio é que noções “antigas” de treinamento são muito lentas e relativamente caras. Elas geralmente se baseiam em sala de aula e são lideradas por um instrutor. Em regra, concentram-se apenas nos funcionários atuais, ignorando potenciais recrutamentos.

Entretanto, se olhar em volta, você verá experimentos e projetos pilotos em andamento com algumas empresas descobrindo formas inteligentes de resolver o problema – beneficiando tanto os indivíduos quanto a si mesmas.

A seguir, mostrarei três exemplos de fronteiras que, embora diferentes em suas abordagens, juntas começam a definir a cena para o que poderia se tornar uma transformação em grande escala.

Re-skilling em lugares inesperados

A equipe de liderança da Microsoft abraçou um imperativo de negócios significativo para o reposicionamento da empresa no ramo dos serviços de nuvem. Tornar isso uma realidade significou construir centros de dados em locais tanto populosos, como Dublin, na Irlanda, quanto remotos, como Boydton, em Virginia (população de cerca de 400 pessoas) e Des Moines, em Iowa (mais de 200 mil pessoas). As habilidades profissionais cruciais para esses novos locais estão na gestão do centro de dados, com responsabilidades particulares em gerenciamento de sistemas e resolução de problemas.

Essas habilidades são difíceis de ser recrutadas, e são improváveis de existir em populações de locais menores, nas quais alguns desses centros se baseiam. Além disso, poucos funcionários atuais da Microsoft querem se mudar para lugares remotos como esses. E, quando chegam a fazê-lo, as taxas de retenção tendem a ser baixas.

A equipe da Microsoft abraçou esse desafio expandindo sua visão sobre quem faria esses trabalhos e decidindo ajudar a criar novos centros de talentos em cada comunidade local. Portia Wu, diretor-executivo da Microsoft em políticas públicas dos EUA, me contou que a chave é reunir stakeholders diferentes. Por exemplo, para os centros de Boydton e Des Moines, a empresa trabalhou com colegas da comunidade local do sul de Virginia e de Iowa para criar novas Microsoft Data Center Academies (DCA). Essas escolas treinam alunos para trabalharem em instalações da Microsoft e outras empresas com necessidades de tecnologia da informação (TI) semelhantes. Os alunos receberam mais de US$ 315 mil em bolsas de estudos da Microsoft.

Cada DCA realizou programas com classes entre 15 e 20 alunos, e até hoje mais de 200 alunos se formaram. Alguns entraram na Microsoft, enquanto outros levaram suas habilidades para empresas de setores similares, ajudando o ambiente de tecnologia geral a crescer nessas regiões.

Upsilling com a ajuda da tecnlogia

Muitas vezes é necessário aprender habilidades existentes de jeitos mais novos e mais profundos quando as tarefas cotidianas de um cargo se tornam automatizadas.

Foi isso que ocorreu, por exemplo, na função de caixa de banco: muitos caixas hoje utilizam parte de seu tempo livre para se tornarem embaixadores mais ativos para seu empregador, cruzando gentilmente as vendas dos clientes ao sugerirem outros produtos do banco. Essa parte “humana” do trabalho exige altos níveis de habilidades interpessoais, como empatia, escuta e julgamento.

Tais habilidades são extremamente difíceis de desenvolver em escala. Diferentemente de muitas habilidades cognitivas, as habilidades sociais não podem ser aprendidas com base em regras – não há um caminho específico para eficácia social. Construir habilidades sociais relacionadas ao uso no ambiente de trabalho requer uma experiência de aprendizado imersiva, ensaiada em situações mais próximas possíveis do uso real, com muitas oportunidades para praticar. O desenvolvimento desse tipo de habilidade é um processo essencial de tentativa e erro, em que nós nos comportamos de determinada forma, obtemos feedback por meio de “deixas” sociais sutis, e tentamos novamente. A prática leva ao hábito.

É essa complexidade que dificulta escalar a requalificação de habilidades humanas. Entretanto novos pilotos demonstram que um treinamento de ampla escala desse tipo é possível. Esses programas de treinamento não dependem de um instrutor caro em sala de aula, mas utilizam uma combinação de realidade virtual, inteligência artificial e treinadores humanos.

O grupo de aprendizado de tecnologia Mursion, por exemplo, ajuda a desenvolver habilidades humanas complexas, como empatia, dando às pessoas em treinamento uma chance de ouvirem e interagirem com um cliente ou funcionário difícil. É um processo de treinamento clássico – mas, nesse caso, o cliente ou funcionário difícil é um avatar de realidade virtual. O CEO Mark Atkinson me disse que a equipe de design de sua empresa descobriu como simular um ambiente de trabalho estressante de maneira tão plausível que engana o cérebro para acreditar que a experiência de RV é real.

Aos trainees é dado um cenário, facilitando uma conversa para que escutem todos os lados e ajudem um funcionário difícil a interagir mais com os colegas. O trainee é encorajado a praticar em uma série de contextos diferentes, tentando táticas diferentes com um avatar que responde em uma conversa orientada por IA. Os trainees recebem feedback e mensuram seu progresso ao criarem a fluência da conversação, tão crucial para habilidades sociais de alto nível.

Já há empresas que começaram a utilizar esse treinamento em escala. A rede de hotéis norte-americana Best Western International, por exemplo, utilizou o sistema Mursion para requalificar mais de 35 mil funcionários a fim de que expressem mais empatia pelos clientes e tomem iniciativa para resolver imediatamente seus problemas.

Skilling com os mais experientes

O conhecimento profundo e tácito de como desempenhar uma tarefa está, muitas vezes, com os funcionários experientes. Para muitas organizações, há uma oportunidade de capturar esse conhecimento cristalizado e passá-lo adiante – se esse tipo de transferência for apoiado (mesmo com o tempo escasso).

Esse foi o desafio para a telecom norte-americana Verizon. Seus técnicos mais experientes são chamados a fornecer informações sobre os novos equipamentos e as tecnologias do legado, como o uso de fio de cobre para transmitir sinais de comunicação. Embora o uso de sistemas mais antigos esteja em declínio, há um período de transição fundamental antes de essas tecnologias de legado se tornarem de fato obsoletas.

Para Michael Sunderman, diretor de aprendizado global e desenvolvimento da Verizon, uma das formas de avançar foi criar trilhas que utilizam o conhecimento tácito de especialistas mais velhos no assunto, ainda na ativa ou até já aposentados, para fornecer instruções aos técnicos. Essa requalificação foi particularmente crucial quando os técnicos encontraram problemas com tecnologias de legado não familiares a eles.

Em alguns casos, os especialistas trabalharam com os técnicos no campo, mas a dispersão geográfica do conhecimento é cada vez mais um desafio. Então, a ligação entre os mais velhos e os mais novos é praticamente 100% virtual.

Só que os convencionais telefones, e-mails e chats não foram suficientes em várias situações. Então, como Sunderman me contou, eles se associaram a empresas de tecnologia de realidade aumentada para desenvolver novos equipamentos e ferramentas de software que suplementassem as conversas. Agora, alguns técnicos são equipados com óculos de RA que permitem que seus coachs seniores vejam o que eles veem em campo. Os especialistas podem explicar as soluções aos técnicos, auxiliando-os em tempo real para que se tornem mais habilidosos nas tecnologias mais antigas.

Há muito o que aprender com esses três exemplos de vanguarda. Eles mostram os verdadeiros benefícios de pensar criativamente sobre os desafios, que nesses casos foram considerados de uma perspectiva de sistemas mais ampla. Tal criatividade é fundamental se vamos apoiar os muitos milhões de pessoas ao redor do mundo que dependerão de requalificação e reciclagem para se manterem produtivas.”

Lynda Gratton
Lynda Gratton é professora de práticas de gestão na London Business School e fundadora da HSM Advisory. Seu último livro publicado é *Redesigning Work: How to Transform Your Organization and make Hybrid Work for Everyone* (MIT Press, 2022).

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