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Tecnologia e inovação

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Não é sobre transformação digital, é sobre transformar a inovação

No Brasil para o evento Frontiers, o pesquisador do MIT Sloan Michael Schrage projeta como nosso agronegócio poderia explorar as três capacidades que levam ao sucesso 4.0 – e transformar seus clientes

Adriana Salles Gomes e Pedro Nascimento

17 de Janeiro

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Artigo Não é sobre transformação digital,  é sobre transformar a inovação

Na primeira edição do evento Frontiers, organizado pela MIT Sloan Review Brasil em São Paulo, a inteligência artificial foi o tema, mas as possibilidades de inovação em nosso País deram a tônica. Contra a grita geral de que nos faltam talentos preparados, o francês Robert Duque, da Accenture, disse que em nenhum lugar do mundo encontrou tanta gente talentosa para a era digital como no Brasil. Fernando Martins, operating partner de fundos que investem em empreendimentos brasileiros, mostrou as inovadoras startups em que aposta, em especial no agronegócio, e acrescentou que muitas, pouco conhecidas, já se internacionalizaram. Executivos de empresas de grande porte e controle nacional, como Natura, Sulamérica Seguros e Movida Rent a Car, compartilharam uma série de inovações. Gustavo Ioschpe contou como sua Big Data, companhia brasileira, vem desbravando os mercados internacionais ao trabalhar com dados. 

Ligado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), o pesquisador de negócios digitais e consultor de empresas Michael Schrage fez o keynote internacional. Ele explicou que não prega a transformação digital, porque acha que não se trata de entregar melhor, digitalmente, os mesmos serviços de hoje. A transformação deve ocorrer no modo de inovar, o que requer novas capacidades das companhias. Schrage propôs três: criar círculos virtuosos, agregar valor ao capital humano e fazer com que KPIs (indicadores-chave de desempenho) e estratégia sejam sinônimos. E o grande diferencial competitivo estaria na resposta a esta pergunta: “Quem você quer que seu cliente se torne?”

Os círculos virtuosos ocorrem quando os usuários criam valor (dados valiosos) uns para os outros à maneira do Facebook [veja quadro na página 64]; é um jeito prático de pensar o efeito de rede. Desenvolver o capital humano é desenvolver as habilidades das pessoas dentro e fora da organização. E os KPIs devem ajudar a executar e a criar a estratégia, além de fazer transcender silos – não pode haver KPIs de RH ou  de marketing, só da empresa. Quanto aos clientes, Schrage perguntou à plateia do Frontiers: qual foi a grande inovação de Henry Ford? Uns citaram a linha de montagem, outros, a conversão de funcionários em consumidores, mas, para ele, foi criar motoristas. “Assim como fez o Google, que nos converteu a todos em buscadores”, disse. Após o evento, Schrage concedeu esta entrevista.

Quando falamos da quarta revolução industriaL ou do seu framework de inovação, vemos exemplos como facebook. queria saber como seria isso com uma empresa típica do Brasil, como de agronegócio. concorda?

Sim! Sou de Chicago, estudei em Illinois, tenho grande interesse e familiaridade com agronegócio. 

O Brasil tem chance num mundo de fazendas verticais locais e comida de laboratório? as vantagens naturais e a eventual escassez nos garantem?

Na China, segurança alimentar tem sido uma das cinco maiores preocupações nos últimos dez anos, sim, o que garante a demanda, mas não creio em uma crise alimentar. Há uma população que cresce mais rapidamente na África, sim, porém não é esse o caso no restante do mundo. Sobre os alimentos de laboratório, não devem tirar as vantagens do Brasil; serão experiências com  escala limitada. O mais provável é que inovações sejam feitas em laboratório e transplantadas para o campo, para aí escalarem, como a medicina translacional. Pode haver uma agricultura translacional. Por fim, as fazendas verticais, se bem-sucedidas, podem reduzir o valor de certas vantagens do Brasil, porque a economia está nas margens [de lucro]. Mas não será tudo vertical.

Como inovar em agronegócio hoje? Apenas com agritechs?

Eis uma ideia: ser amigo de chefs e restaurantes [risos]. Muitas das inovações são pequenas e arriscadas demais para ser feitas diretamente com produtos finais; ambientes controlados, como os restaurantes, permitem testar novos conceitos de alimentos e usá-los é algo que eu encorajaria fortemente o agronegócio brasileiro a fazer. E o raciocínio também vale para reality shows de culinária; há agronegócio patrocinador do MasterChef Brasil, por exemplo? [O Grupo J. Macêdo, da farinha Dona Benta, é parte do ecossistema do agronegócio.]

Curioso, porque nos vemos como o país do agro, mas não da comida. agora, a conversa com o chef fica mais difícil quando há muitos intermediários...

Bem, quando são os intermediários que ganham mais, ganham com assimetrias e arbitragens, não com valor agregado. Sabemos que o Brasil pode ser inovador em toda a cadeia agropecuária — tem pessoas e recursos. Mas precisa decidir gerar valor. 

Vivemos a maldição das commodities?

Implico com a ideia de commodity, é uma espécie de profecia autorrealizável. Uma vez que se chama algo de commodity, você pensa: “Investir nisso é idiotice”. Anos atrás, tive essa discussão com o presidente do Yahoo, Dan Rosensweig [hoje CEO da Chegg Study], quando ele comprou a Overture, um mecanismo de busca [em 2003]. Ele me disse: “O futuro da mídia digital são as plataformas multimídia. A busca está se tornando commodity, queremos nos tornar mais uma empresa de mídia”. Então, eles mantiveram a busca suficientemente boa e começaram a diversificar para notícias e mídias sociais. Enquanto isso, o Google disse: “Hummm, a busca não é commodity, vou tornar a busca muito melhor e mudar a experiência do usuário, adicionando pesquisa de fotografias, de vídeos etc.”. O Google tratou a busca como algo de potencial valor agregado; o Yahoo, como commodity. Quem acertou? [risos] E, para ser justo com o Dan, que é meu amigo, ele não era o único a pensar assim. 

Quem fez mais ou menos o mesmo foi Steve Ballmer, quando comandava a Microsoft – ao esnobar o software de código aberto e o iPhone. Ele supôs que seriam duas commodities e os descartou, e esses produtos, tratados como valor agregado por outros, redefiniram completamente a economia de seus setores. Sempre somos rápidos em declarar que algo é uma commodity. Eu hesito em fazer isso.

Não é só agregar valor, certo? Às vezes, é preciso mudar a economia...

De fato, a Mexichem [agora Orbia, fabricante de petroquímicos] comprou uma empresa de irrigação de precisão de Israel... Mas, no caso do agronegócio, não precisa ir tão longe; basta passar de analógico para digital. Como fez Hollywood, que usou mídia digital, derrubou custos e se tornou mais eficaz e mais global – sua capacidade de personalizar os produtos para as diferentes regiões aumentou muito. 

Estamos falando de alimentos, mas agro é energia, cosméticos... como fazer o círculo virtuoso em cosméticos?

Se eu fosse a Natura no Brasil, teria um KPI muito simples: “Quantos dos nossos clientes nos mandam uma selfie por dia? Aí treinaria a IA para recomendar tipos de maquiagem – para públicos diversos, de pessoas mais velhas que usam botox a quem tem alergias. Depois proporia aos clientes baixar um app, que recomendaria até cremes nutritivos. As mães poderiam enviar fotos dos filhos para saberem tratar a pele deles com vistas ao futuro. No fim, isso poderia até virar um serviço por assinatura.

Como transformar os investimentos para inovar

“Aqui os investidores não querem saber da história de crescimento projetada pelas empresas, só querem otimizar seu investimento.” O comportamento do venture capital em relação à inovação no Brasil foi uma das queixas que Michael Schrage mais ouviu do público do Frontiers #1. “Não sei dizer, mas, entre os VCs do Vale do Silício ou de Boston, os investidores brasileiros são percebidos como sendo influenciados pelo estilo [otimizador] do fundo 3G. Talvez investidores dos EUA, Israel, Japão, sejam os melhores para os empreendedores brasileiros”, afirmou. “Mas há um problema: o mercado de capitais no Brasil torna quase impossível o IPO de uma empresa que já não seja gigante. Se você é um VC, você quer fazer saídas, porque essa é a única maneira de ganhar dinheiro; sua reputação depende disso. Porém, com a dificuldade de fazer IPO, o único jeito de sair é a startup investida ser comprada, o que não é nada trivial.” 

Schrage propõe, no entanto, um modo de os próprios brasileiros mudarem isso. “Vocês podem criar um fundo do tipo ETF para empresas brasileiras, negociado numa bolsa como a Nasdaq ou no Canadá. E eu ainda recomendaria uma parceria com um banco brasileiro para que haja um subscritor local e os reguladores sintam-se atendidos”, observou. Para o especialista, o que mais impede o Brasil de deslanchar não é baixo nível educacional, preguiça ou corrupção –“esta é onipresente no mundo“–; é o governo não encorajar o crescimento. Os VCs poderiam fazer isso.

E o círculo virtuoso em alimentos?

Pense numa rede de cafés que cria um programa de fidelidade como o Startbucks. Mas, atenção: alguns programas que se dizem de fidelidade são, na verdade, simples promoções do tipo “compre 5, ganhe mais 1”. Isso não cria engajamento. Fidelidade pressupõe, por exemplo, conseguir que as pessoas sigam e curtam a marca nas redes sociais.

Você disse para tratarmos dados como ativos e registrá-los no balanço. Por quê? como fazer? quem faz?

Ter dados melhores é altamente impactante no LTV [o valor do cliente para o seu negócio ao longo do tempo]. Mas, para que os líderes cuidem dos dados, estes precisam ser tratados como ativos e, para tanto, têm de aparecer no balanço. A Amazon põe dados no balanço, embora não explique como define o valor. O método para definir varia, mas é como contabilizar uma patente ou um mailing list.

Quais KPIs serviriam a players de agro?

Imagine que sua fazenda de soja vai ser adquirida por alguém; você tem de contar uma história de crescimento e prová-la, com KPIs, certo? Nesse cenário, quais seriam os KPIs? Muitos dizem não conseguir coletar os dados para os KPIs. É preguiça. Com smartphone dá, ou com dois ou três proxies.

mÉTricas populares aqui, como Balanced scorecard, OKRs e NPS, são KPIs? 

São todas boas ferramentas, mas faço ressalvas. Em geral, as pessoas usam o BSc como um mapa, o que não é mais bom o suficiente; deveria ser usado como GPS. Não basta fazer o report. Tem de mostrar o caminho que a empresa deve seguir e avisar em tempo real se ela entrar numa rua errada.  OKRs são uma excelente transição para os KPIs, pois permitem uma boa avaliação do que é preciso fazer, e funcionam muito bem para projetos. Mas não vão tão bem com clientes. O NPS é muito bom para clientes, mas também tende a ser mapa e não GPS – a menos que seja convertido em algo dinâmico, como disse o Robert Duque no Frontiers.

Quem uma empresa de carnes pode querer que seus clientes se tornem?

Pode querer que se tornem pessoas que comem de maneira saudável e oferecer carne sem hormônios. Daí esse fornecedor de carnes vai a um grupo de mães e diz: “Vocês sabem que seus filhos vão comer no McDonald’s e querem que eles tenham uma alimentação saudável, não? Então, digam ao McDonalds que vocês querem isso. Nossos hambúrgueres sem hormônio podem ajudar”.

Se não criarmos tecnologia como vocês ou os chineses, estaremos fora desta quarta revolução industrial?

Não creio. Talvez vocês não consigam competir com Komatsu, Caterpillar ou John Deere, mas suas empresas podem criar ecossistemas fortes em agrotech, cosméticos e outros setores, ou participar de ecossistemas já montados em modo ganha-ganha. Seria mais difícil num país como a Indonésia, mas o Brasil é grande o bastante para ser relevante na nova competição mundial. Agora, se eu jogasse xadrez, diria que vocês deviam criar ecossistemas com o Japão, onde há o que às vezes lhes falta em capacidades e habilidades. Os japoneses estão envelhecendo e precisam de parceiros. Os fundos VC brasileiros têm de atrair esses trilhões de ienes. Enfim, ecossistemas são a chave. Cadeia de fornecimento virou cadeia de valor e agora é ecossistema. Países fortes em agro, como o Brasil, entendem de ecossistema.

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Adriana Salles Gomes e Pedro Nascimento

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