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TECNOLOGIA 3 min de leitura

Que filosofia traduz sua visão sobre a inteligência artificial?

O avanço da tecnologia causa uma espécie de miragem que nos torna entusiastas, céticos ou negacionistas. Nesse cenário, para onde devem olhar os negócios?

Cássio Pantaleoni
26 de dezembro de 2024
Que filosofia traduz sua visão sobre a inteligência artificial?
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O filósofo alemão Martin Heidegger argumentava que “a essência da tecnologia não é nada tecnológica”. De fato, não haveria tecnologia sem os seres humanos. Pelas vias de sua obra mais tardia, desenvolvi essa ideia de um tipo de miragem que experimentamos quando consideramos o desenvolvimento tecnológico. Mesmo estando no curso de um declive, o que avistamos é a escalada, uma rota de um topo improvável.

Na visão de Heidegger, agora vemos a natureza, e cada vez mais os seres humanos, apenas tecnologicamente, ou seja, como matéria-prima para nosso operar no mundo.

Mas o que isso significará para os negócios?

O fascínio por novas tecnologias é um fenômeno que se entrelaça com os vieses humanos mais comuns. Diante do advento e das possibilidades da inteligência artificial (IA), por exemplo, é possível reconhecer grupos, na grande maioria das organizações e da sociedade, que se posicionam entre os extremos dos entusiasmados e dos céticos. Isso vale para qualquer nível da hierarquia corporativa ou social.

O filósofo alemão Karl Popper já advertia, em 1963, que não devemos aceitar teorias sem rigor científico. O grande problema das teorias diletantes dos integrantes do ecossistema organizacional é que elas encontram muito rapidamente fundamento em nossos vieses.

Não é de se estranhar, portanto, que o tema do momento seja a IA e suas derivadas. Esse degrau tecnológico é, antes de tudo, um novo paradigma. E quando o paradigma muda, todos voltam a zero.

Entusiastas e evangelizadores

Diante dessa circunstância, as reações observadas estão intrinsicamente relacionadas aos nossos sistemas de crenças predominantes.

Considere, por exemplo, o contingente de pessoas com talentos restritos. É fácil compreender como elas se projetam na IA. Muito rapidamente, descobrem a oportunidade de discursar sobre o superficial com a maquiagem da profundidade. E que o mundo dá mais atenção para o índice do que para o conteúdo do livro. 

O mais incrível é que esse comportamento encontra reforço na falta de paciência e de interesse legítimo dos outros. No fundo, é um mundo onde o curso da conversa é conveniente, e qualquer tentativa de reflexão crítica aborrece e a entrecorta. 

Funciona mais ou menos assim: eu finjo que sei e você finge que presta atenção.

Há ainda os entusiastas, os evangelizadores exagerados da “grande mudança”. Eles são facilmente identificáveis por sua visão da tecnologia como um superpoder que está à venda. “Compre-o e você se tornará um semideus.” 

Ouça também o podcast: “O Brasil ainda pode ser líder global em IA?”, com Fernando Martins

No fundo, é um pensamento infantil que alude àquele argumento do grande escritor de ficção científica Arthur C. Clarke: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”. Esquecem-se, entretanto, de que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, arriscando-se a colocar as organizações onde atuam em situações de risco.

Negacionistas e equilibrados

Para os fatalistas, por outro lado, as novas tecnologias são frequentemente vistas através do prisma de suas próprias angústias e medos. Se o paradigma muda, aquilo no que éramos proficientes e hábeis se torna obsoleto. 

Esse grupo assume na sua angústia a negação das boas possibilidades, tornando-se avesso à esperança, como dizia o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855). É uma célula cancerígena para a reinvenção dos negócios – mas ao mesmo tempo, inadvertidamente, uma vacina contra doenças severas.

Mesmo entre o grupo dos equilibrados, que assume a cautela como modo adequado de abordar a IA, há certas intempéries. Apesar de tomarem o argumento da obra “Ética a Nicômaco”, do grego Aristóteles (384 a.C – 322 a.C) – “A virtude está no meio” – , como base do reconhecimento equânime dos potenciais benefícios e riscos da IA, na verdade flertam com o conservadorismo, o que pode levar à demora, à perda do time-to-market.

O humanismo é mais discurso do que caráter. O que pode servir aos propósitos de uma manipulação sutil em benefício pessoal, ignorando os objetivos do negócio.

Há os humanistas, que abordam a tecnologia com base no seu potencial para contribuir para um mundo mais justo e pacífico. Para as organizações, esses colaboradores aparecem como principais defensores da customer centricity e da customer experience.  

Esse grupo reconhece, tal qual o físico alemão Albert Einstein (1879-1955), que a nossa tecnologia ultrapassou nossa humanidade e que deveríamos direcioná-la para o bem-estar coletivo.  

Porém, na prática, o humanismo é mais discurso do que caráter. O que pode servir aos propósitos de uma manipulação sutil em benefício pessoal, ignorando os objetivos do negócio.

Transformando a crença em negócio

Quando as crenças predominantes no nível dos indivíduos encontram canteiros em tecnologias como a IA, tudo o que ali habita é tido como um novo tipo de matéria-prima para a economia. 

Não importa se você é entusiasta, fatalista, equilibrado/a ou humanista. Em escala global, cada grupo compra e vende o que mais se ajusta às suas crenças. Com a artificialização adequada, temos sempre a possibilidade de um “bom”negócio.

É dessa forma que o acréscimo de realidades artificiais, servis aos propósitos diversos, como à própria inteligência, desabita gradualmente o humano do mundo. De certo modo, desautoriza-o. Em larga medida, é a comoditização de tudo, é um achatamento geral das estruturas socioeconômicas.

Ao empregarmos esforços para objetificar os humanos e dar à IA habilidades de atender às nossas necessidades na maior velocidade possível, deixamos de entender seu verdadeiro valor.

A verdadeira evolução

Tal como a pedra lascada, a agricultura, a luz elétrica, a revolução industrial, o telégrafo, as ferrovias, o telefone, o avião, o computador pessoal, a internet, o celular e o blockchain, entre outros, a IA tem o poder de firmar o próximo passo de nossa evolução tecnológica, nunca de nossa evolução humana. A evolução humana reside no aprimoramento ético, não na tecnologia.

Esse é o verdadeiro aclive para o qual devemos voltar a nossa atenção, pois a essência da tecnologia é ser apenas mais um traço da expressão fenotípica de nossa espécie. Ela é parte integrante da dinâmica humana, influenciando o nosso futuro tanto para o bem como para o mal. O resto é declínio.

Para os negócios, isso significa voltarmos os olhos para aquilo que é realmente essencial: a sustentabilidade da dinâmica social no patamar da ética e do respeito. Pois lá nos mundos e fundos da IA, no seu andar mais baixo, ali onde aparece o improvável cume, habita o marasmo miserável e deprimente da insignificância. 

Bem aventurada seja a inteligência artificial no mundo em que prevalecem a ética e o respeito no seu modo mais humano de expressão.

Cássio Pantaleoni
Cássio Pantaleoni é managing director da Quality Digital e membro do conselho consultivo da ABRIA (Associação Brasileira de Inteligência Artificial). Tem mais de 30 anos de experiência no setor de tecnologia, é graduado e mestre em filosofia, e reúne experiências empreendedoras e executivas no currículo. Vencedor do prestigioso prêmio Jabuti, com a obra *Humanamente Digital: Inteligência Artificial centrada no Humano*.

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