Dar um passo em direção ao outro pode trazer até mesmo quem está visceralmente contra você para o seu lado – conheça quatro práticas para superar impasses e resolver problemas de maneira mais colaborativa
Alguns conflitos são inevitáveis quando não nos dedicamos ao relacionamento com nossos vizinhos. Um deles é o embate no qual, de um lado, temos uma organização que persegue seus objetivos comerciais e, de outro, uma comunidade defendendo os seus interesses.
Considere, por exemplo, o rápido crescimento do setor de mineração na América Latina. Ou projetos de energia renovável que subestimam a resistência das pessoas a ter perto de casa um grande empreendimento. E até mesmo o deslocamento de grupos marginalizados para dar lugar a instalações não desejadas.
A sua estratégia de negociação de conflitos leva em conta o senso de valor que a outra parte dá a si mesma e ao desenvolvimento da sua comunidade?
Em casos como esses, muitas vezes as empresas continuaram tocando as obras, mesmo sob protestos locais, resultando em um conflito prolongado.
Líderes que procuram pensar de modo estratégico e competitivo chegam até a acreditar que podem administrar esses stakeholders usando algumas manobras para vencê-los, mas essa é uma visão míope.
Quando os interesses corporativos entram em conflito com as necessidades e os valores das comunidades, é preciso construir melhores interações entre as pessoas, especialmente aquelas que estão intensamente em desacordo, mas que também precisam colaborar.
É nesse ponto que entra a dignidade – e o valor de dar uma atenção especial a ela. Em anos de trabalho com resolução de conflitos no Consensus Building Institute (CBI), pude ver o benefício de colocar a nossa necessidade básica de dignidade no centro de meus esforços.
Quando menciono a dignidade, estou falando do nosso senso inerente de valor, da autoestima e da necessidade de contribuir e moldar o que é mais importante para nós. Enfatizar a dignidade na resolução de conflitos não substitui as táticas e estratégias de negociação clássica, baseada em interesses. Ao contrário: é o que vem antes, priorizando o que move o comportamento humano.
Donna Hicks, Roger Fisher e Daniel Shapiro – especialistas relevantes na área de negociação e no papel da dignidade e associados à Harvard University – escreveram bastante sobre o papel da dignidade e da emoção na resolução de conflitos.
Trabalhando nesse campo, encontrei quatro práticas inter-relacionadas que resumem o que é mais importante para sustentar essa dignidade e, assim, ajudar as pessoas a resolver problemas de modo eficaz e alcançar uma colaboração mais saudável.
Essas quatro práticas estão relacionadas a aprofundar o reconhecimento, fortalecer o senso de ação, construir reciprocidade e garantir a clareza do caminho – e podem ajudar líderes tanto no setor privado como no público.
Reconhecer o ponto de vista do outro pode ser um caminho melhor para as organizações resolverem conflitos. Como escreve a especialista Donna Hicks em Dignidade – O papel que desempenha na resolução de conflitos (Editora Bizâncio, 2013), o reconhecimento acontece quando você dá às pessoas “sua atenção total, ouvindo, escutando, validando e respondendo às suas preocupações, sentimentos e experiências”, o que abre uma porta de entrada para o engajamento mais profundo.
O reconhecimento não se resume a uma empatia da boca para fora: trata-se de conferir às tensões e aos temas centrais o teor emocional apropriado.
Na região de extração de carvão de Cesar, na Colômbia – um lugar dilacerado por duas gerações de violência social e política –, a CBI chegou a coproduzir um documentário para dar voz às comunidades e a uma empresa mineradora que tentavam avançar em seus caminhos depois de anos de conflito.
A companhia queria fazer uma saída de modo responsável da mineração de carvão e desejava estabelecer um relacionamento melhor com a comunidade local e com outros grupos.
A dignidade está ligada ao senso inerente de valor, à autoestima e à necessidade de contribuir e moldar o que é mais importante para nós
O problema é que essa mesma organização havia sido acusada de violações de direitos humanos durante anos de conflito armado. A dor, a identidade e as perdas sofridas pela comunidade não haviam sido significativamente compreendidas, ouvidas ou consideradas até então.
As tensões, portanto, eram altas. O filme explorou pontos comuns e diferenças entre eles, proporcionando aos moradores, à empresa e a outras partes interessadas um foco compartilhado para lidar com tensões passadas e vislumbrar um caminho a seguir.
A conversa e a colaboração pareciam possibilidades remotas, mas, a partir desse momento, a comunidade e a empresa começaram a imaginar e a discutir maneiras de trabalhar juntas.
Fortalecer a capacidade de ação ajuda a outra parte a entender e a explorar suas próprias oportunidades de influenciar resultados em uma determinada situação. Atuando como facilitador no Delta do Níger – uma região importante na produção de petróleo na África –, tenho visto tensões profundas entre comunidades e empresas do setor de energia tomarem um rumo construtivo quando os membros da comunidade entendem sua real influência sobre o processo e os resultados.
Em seu esforço para melhorar as relações locais, a Chevron (multinacional norte-americana focada em petróleo e gás) viu que fortalecer a ação comunitária foi um movimento crucial.
Antes disso, a organização estava poluindo a região com suas atividades e prosseguiu com o trabalho sem que houvesse participação suficiente da sociedade local. Resultado: seguiram-se conflitos violentos (e até sequestros).
Mesmo assim, foi possível chegar a um melhor entendimento por meio da criação de conselhos de desenvolvimento regional, que contavam com representantes de todos os principais grupos sociais daquela área: jovens e líderes tradicionais, homens e mulheres, executivos e membros da igreja.
O reconhecimento não se resume a uma empatia da boca para fora: trata-se de conferir às tensões e aos temas centrais o teor emocional apropriado
Com essa participação direta, as pessoas puderam esclarecer dúvidas e priorizar o que mais importava em termos de seus meios de subsistência, suas necessidades de desenvolvimento e seu bem-estar.
A Chevron tomou nota. O empoderamento resultante dessa ação fez com que as duas partes chegassem a acordos estáveis sobre como compartilhar os benefícios da região, o que trouxe resultados em termos de emprego, educação, saúde e outros serviços para a população local.
A reciprocidade mantém o ímpeto vivo com ações que incentivam um comportamento construtivo, de dar e receber. Para cultivá-la é preciso demonstrar curiosidade genuína, praticar a escuta ativa com habilidade e ter consciência do que é necessário para entender melhor a perspectiva do outro.
Um exemplo surpreendente foi o que aconteceu depois do dia 6 de janeiro de 2021. A CBI trabalhou com democratas e republicanos do Congresso dos Estados Unidos – a ideia era ajudá-los a ouvir as perspectivas uns dos outros sobre a invasão do Capitólio e encontrar uma maneira de trabalharem juntos, apesar de suas diferenças acentuadas.
Ao facilitar a escuta recíproca, o reconhecimento do outro e a discussão de questões em que poderia haver acordo entre os partidos, o processo permitiu que os membros de ambas as partes sentissem que haviam sido ouvidos e pudessem trabalhar novamente com o outro lado – sem ignorar as tensões e o rancor político – em questões de interesse mútuo. O sucesso resultante desse comitê do Congresso mereceu cobertura do jornal The Washington Post.
Significa expor os passos seguintes de um processo de maneira clara e lidar com o compreensível sentimento de expectativa dos participantes. Em um recente conflito sobre geração de energia hidrelétrica no Panamá, ajudei uma grande instituição internacional de desenvolvimento e grupos indígenas a reconstruir a confiança uns nos outros após os danos causados pelo projeto de uma usina.
A obra inundou uma grande área, que incluía locais sagrados para esses grupos, e as comunidades indígenas não foram adequadamente envolvidas nas etapas de planejamento. Os representantes indígenas foram bem específicos ao dizer que não haviam recebido informações suficientes sobre como se daria a formação da represa antes de acontecer a inundação.
Para melhorar o relacionamento entre as comunidades locais e a instituição de desenvolvimento, ajudei-as a cocriar um roteiro para remediar impactos ambientais, incentivar o desenvolvimento comunitário e ter apoio da sociedade.
Quanto aos territórios sagrados inundados, o uso das quatro práticas trouxe os seguintes resultados:
Essa abordagem – em uma situação de profunda disparidade de poder, com divisões culturais e desconfiança – levou a um reconhecimento do que havia acontecido por parte da instituição de desenvolvimento (como ponto de partida) e a um acordo geral de reparação.
Os quatro elementos que apresentei são ingredientes essenciais da receita de como negociar com dignidade – e devem ser ajustados para cada contexto. São fatores que, como em qualquer boa receita, interagem entre si.
O aprofundamento do reconhecimento abre a possibilidade de ter uma visão conjunta de problemas e encontrar espaços para uma ação compartilhada. Uma vez que compreendemos um problema que atinge diferentes partes, podemos identificar onde pode haver trocas construtivas e recíprocas. Essas trocas podem levar a uma maior clareza sobre a tomada de decisão e os papéis e responsabilidades de cada um.
Quando entrelaçados de modo adequado, esses quatro elementos sustentam o potencial para melhores interações, organizações mais duradouras e uma resolução de problemas mais eficaz. Em uma era na qual as divisões entre as pessoas parecem cada vez maiores, fortalecer o senso de dignidade pode ajudar a unir colegas e partes discordantes de maneira construtiva – até mesmo nas situações em que menos se espera.
*Levar em conta a dignidade de indivíduos e comunidades é uma estratégia que pode ser agregada às técnicas de negociação para vencer a hostilidade inicial.
*Validar preocupações e fortalecer o senso de protagonismo da outra parte abre caminho
para o diálogo e para a construção colaborativa de soluções.
*Quando a organização demonstra claramente quais são os passos seguintes de um processo ou projeto, o outro lado fica mais propenso a entrar em acordo.