COMÉRCIO INTERNACIONAL 5 min de leitura

Será que chegou a hora de “desglobalizar”?

Há até pouco tempo, essa mera sugestão seria considerada um delírio. Mas o mundo mudou –e as organizações estão repensando suas estratégias de negócios

Marcos Maciel
Marcos Maciel
18 de julho de 2024
Será que chegou a hora de “desglobalizar”?
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Ao longo dos últimos quarenta anos, os fluxos logísticos de bens e serviços seguiram a lógica da otimização da produção (leia-se custos menores) para uma produção em larga escala capaz de atender a uma demanda crescente, mesmo com eventuais recessões, como a de 2008. O termo globalização ganhou força nos fóruns empresariais e virou um dos vilões preferidos nos protestos antissistema.

Só que nos últimos anos a indústria e o comércio têm sido postos à prova. A superespecialização de determinados mercados abundantes em mão de obra, os conflitos regionais em pontos estratégicos de rotas comerciais, as restrições da pandemia de covid-19 e o agravamento de eventos climáticos colocaram as empresas para refazer contas. 

Seria a hora de dar um passo atrás na globalização? 

O comércio entre nações corre risco de entrar em declínio?

Até pouco tempo atrás, apenas sugerir algo assim seria considerado delírio. O gás russo abastece a Europa, Taiwan fornece chips para quase todos os grandes fabricantes, a soja brasileira sustenta boa parte do gado chinês e assim por diante. Em 1990, o índice de redução de interdependência e integração de cadeias de suprimento era de 1,86%, segundo o JP Morgan.

Com a guerra comercial entre Estados Unidos e China em 2018, a invasão russa da Ucrânia em 2019 e a pandemia, esse índice pulou para 15,27% em 2021. A quase paralisação das linhas de produção chamou atenção para a necessidade de aumentar a resiliência dessas cadeias para que ameaças cada vez mais comuns (de toda ordem) não provocassem as cenas vistas no início da década. Fato é que, passado o pior, esse índice ainda continua em 14,71%.

Proteção a cadeias produtivas

Ainda que tal número não autorize ninguém a prever grandes catástrofes generalizadas no comércio global, fica nítido que empresas e governos precisam se mexer de forma mais decisiva no sentido de proteger suas cadeias produtivas.

De acordo com a última pesquisa da PwC com CEOs globais, 45% dos executivos acreditam que as empresas em que trabalham serão inviáveis em dez anos caso não se reinventem, uma vez que expõem seus negócios a perdas financeiras significativas. A mudança climática aparece como a mais importante dentre as perspectivas que devem pressionar os CEOs este ano. Para 30%, o clima deve exercer maior influência sobre os negócios nos próximos três anos do que desempenhou nos últimos cinco. Entre as ameaças-chaves aparecem a inflação e a volatilidade macroeconômica.

O cenário impulsiona movimentos como economia circular, descarbonização e comércio regional, com blocos comerciais locais que se fortalecem por meio de acordos e alianças para promover a livre transação entre países vizinhos e reduzir a dependência de cadeias de suprimentos globais.

Como absorver as mudanças nas relações comerciais?

Observando as estatísticas, fica evidente que não houve um declínio generalizado das relações econômicas mundiais, mas uma desaceleração da taxa de crescimento da maioria dos países. A globalização continua presente e influenciando fortemente as atividades, mesmo porque a interdependência em certos setores não é simples de rever.

Para se proteger dos riscos, empresas vêm investindo em tecnologias que aumentam a flexibilidade das operações, permitindo uma resposta mais ágil a mudanças no ambiente global. Isso inclui a adoção de business intelligence e inteligência artificial em sistemas de gestão da cadeia produtiva, que impulsionam a automação de processos para análise de dados em tempo real, ajudando a identificar demandas e cenários futuros.

Um caso típico foi o da guerra de tarifas impostas a importações de produtos chineses nos Estados Unidos. A tentativa de proteger uma indústria local não chegou a se concretizar. A importação de semicondutores caiu mais de 50% entre 2016 e 2023, segundo dados do Peterson Institute of Economics. Só que a fatia do Vietnã cresceu quase quatro vezes em valor monetário.

As empresas buscam fortalecer parcerias e redes de colaboração, tanto em nível corporativo como governamental e com organizações multilaterais. Isso pode envolver a participação em iniciativas de cooperação regional, a busca por certificações que garantam padrões de qualidade reconhecidos globalmente e o engajamento em programas de responsabilidade social corporativa que promovam uma imagem positiva da empresa em âmbito internacional.

Blocos comerciais: oportunidade ou risco para os negócios?

Um ambiente de negócios fragmentado acende a expectativa de novas oportunidades oferecidas pelo nearshore (terceirização de serviços de TI em países vizinhos). Uma empresa que adotou estratégias de proximidade comercial em diferentes setores e áreas de atuação foi a IBM.

A companhia estabeleceu centros em países como Argentina, Brasil e Colômbia, oferecendo serviços de TI, desenvolvimento de software e soluções de consultoria personalizadas para clientes de cada região ao mesmo tempo em que as ofertava para todo o mundo. 

No entanto, apesar das potenciais vantagens de manter trocas comerciais com países vizinhos, o nearshore leva a desafios e riscos. No Brasil, os recorrentes casos de vazamento e sequestro de dados posicionam o país como um dos principais alvos do cibercrime, trazendo à tona a necessidade de regulamentação e de investimento por parte das empresas. 

Apenas de 3% a 7% dos investimentos em tecnologia da informação são dedicados às soluções de defesa, segundo dados da Pesquisa Setorial em Cibersegurança realizada pela Associação Brasileira das Companhias Abertas.

Ameaça cibernética pode não só gerar prejuízos em perdas de mercado como uma compensação em processos judiciais e administrativos enorme, além de afetar clientes e a reputação da empresa. 

Por outro lado, empresas que conseguirem se antecipar aos riscos e identificar novas demandas em meio à instabilidade econômica estão mais inclinadas a aproveitar as oportunidades de expansão em determinados setores ou regiões até então pouco explorados.

Abrindo espaços para novos modelos de negócios

É inegável que o comércio global tem uma lição de casa a fazer. É visível um movimento de reavaliar modelos de produção e distribuição em todo o mundo, com foco renovado na resiliência econômica, na diversificação de fornecedores e fontes de energia, sempre que possível com redução de impacto negativo ambiental ou social.

Empresas que adaptarem estratégias e pensarem modelos de negócios diversificados podem encontrar vantagens competitivas e oportunidades de inovação em meio à turbulência. No Brasil, empresas como a WEG, Tupy, Marcopolo e Randoncorp apostaram no nearshoring para crescer no mercado e acompanhar o movimento global de expansão.

Seguindo a tendência de produzir onde se consome, fornecedoras nacionais têm se tornado multinacionais. O desafio, portanto, reside em equilibrar a proteção dos interesses nacionais com a promoção de um comércio internacional mais cooperativo e interconectado para que o impacto das mudanças nas dinâmicas econômicas globais afete o menos possível os negócios.

A União Europeia, sob esse aspecto, pode ser usada como exemplo de bloco que implementou políticas que visam fortalecer a integração econômica e comercial entre seus membros ao mesmo tempo que busca proteger os interesses nacionais de seus Estados em determinados setores e questões sensíveis, como nos casos de países que mantêm políticas agrícolas protecionistas.

A implementação de ferramentas de gestão inteligente da cadeia produtiva – que utilizam padrões internacionais de análise e avaliação – tem se revelado uma estratégia de escala global, não só por abranger uma variedade de integrações e tecnologias, mas também por buscar inserir princípios de responsabilidade social em todas as etapas do processo, visando oferecer maior segurança e transparência nas relações comerciais e capacitando empresas a atender o mercado atual e futuro.

Chegou a hora de desglobalizar? Não há uma resposta unânime para o novo cenário que se desenha. Mas é inevitável que a reconfiguração do comércio global irá demandar uma revisão das estratégias de negócios transcontinentais e mais investimentos em tecnologia.

Marcos Maciel
Marcos Maciel
Marcos Maciel é CEO da CIAL Dun & Bradstreet Brasil.

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